Ter um corpo de 26 anos não impede que eu não pense como alguém de 60. E eu penso como alguém de 60 anos, segundo alguns amigos. O que eu acho estranho é como alguém que “pensa que nem um velho” pode duvidar mais do que chamam de “cena musical” do que eles. Eu sempre achei que os jovens questionassem mais. Pois pensar como alguém de 60 anos não impede que eu adore festejar e adore noitadas ou qualquer coisa do tipo. Até acho que essa experiência a qual me imputam faz eu aproveitar mais. Eu gosto de ouvir música, gosto de ir atrás de novas bandas – mas também gosto de tirar sarro das coisas que acho ruins. Acho que nós temos esse direito. Em “Hey Hey, My My (Into The Black)”, o Neil Young disse que é melhor ser incinerado do que desaparecer gradualmente. Não é como se alguém se importasse com o fato de eu ter me incinerado de São Paulo, mas também eu nunca dei valor às coletividades de interação social. Isso, pra mim, é justamente desaparecer gradualmente. Acho justo e recíproco.
Prefiro voltar a trabalhar no telemarketing do que ser mais brando. Meus amigos dizem que eu gosto apenas de reclamar. Eu prefiro ter essa espécie rasa de “integridade” do que corroborar com coisas as quais eu acho ruins e entediantes. Mas ser mais brando, na concepção deles, significa estar disposto a encarar o convívio com um público bem-vestido consumidor de sites médios (em questão de audiência) e música menos do que mediana. É como se a música, nessa matemática do convívio social, fosse exatamente apenas o pano de fundo pra se ter amigos e pra se ter alguém com quem tomar cerveja. É deselegante essa raiva? Não poderíamos substituí-la por complacência e sorrisos? Também lembramos que a alternativa não é agradável: ser visto como alguém que, apenas por discordar desse equilíbrio fajuto, deseja ser uma espécie de outsider e é torturado pelas pretensões artísticas que são apenas sinônimos chiques de nossas frustrações.
Eu pensei que tive sorte quando conheci a “cena”. Que ali havia uma possibilidade de troca de experiências e ideias. E eu não falo apenas dos “jovens” da minha faixa etária. O que eu encontrei foram sistemas totalizantes de pensamento, com pouca expressão individual e pensamento crítico. Principalmente no mérito musical, em que as pessoas viam uma banda com alguma “novidade” e caçavam incessantemente a amizade de seus membros nas redes sociais pra ter uma espécie de passaporte de autoridade que os permitisse circular entre os “níveis mais avançados” desse pequeno nicho.
Desculpe, mas às vezes é preciso ser deselegante pra falar dessas coisas.
Uma lista das bandas com posturas amigáveis pra emparelhar com sua postura ideológica de anarquistas de faz-de-conta. Não tenho lembrança de quantas vezes eu ouvi que era nazista (???) por ouvir bandas fora dessa lista “amigável” e desisti de continuar o diálogo. Ameaças online em sites anônimos, sob o pretexto de defender a justiça. Bajuladores de membros de bandas na tentativa de obter uma foto com eles em redes sociais e, assim, investir em “capital social”. Veteranos intoxicados com sua moral superior por ter “anos de estrada”.
Meio tarde a gente percebe que é a mesma dinâmica que rege multicorporações. Mas quem liga? Você cria uma alergia a tudo isso e segue em frente.
Eu prefiro ouvir clientes zangados em ligações de telemarketing do que todo um discurso egoísta fantasiado de coletividade e progresso. Ou ficar horas de pé num festival pra comprovar a experiência fantástica em cento e quarenta caracteres. É incrível alguns festivais começarem com a melhor das ideais e depois transformarem-se em assessoramento de impressa sob o discurso do mérito: como se não fosse estranho, em um país com milhares de bandas, sempre as mesmas poucas abrirem pro público médio (falando-se de quantidade).
Essa percepção é tardia. Mas quem liga? É como uma doença imperceptível na qual, sem reparar muito bem, você se vê carregando todos os sintomas e repetindo as mesmas porcarias.
Eu poderia seguir contando até mesmo sobre minhas estúpidas resenhas tentando perceber algo que foi mais como uma esperança na tal da cena do que um elemento originário, que uniria todas essas pretensões. Ou como procurei argumentos pra convencer a mim mesmo de que tudo isso tinha uma importância maior. Mais do que atacar uma posição real, eu estava descrevendo uma caricatura de nossas melhores ideias.
Pessoa A: eu acho que deveríamos olhar melhor pra forma como os festivais independentes são organizados e como é feita a distribuição da curadoria.
Pessoa B: você é contra a música nacional! (diálogo real).
Eu não me esqueço das minhas próprias declarações, auqelas das quais me arrependo. Eu tento convencer a mim mesmo de que era jovem e ingênuo (e talvez fosse, em certa medida) e talvez a ânsia por um coletivo em comum falou mais alto do que qualquer resquício de razão. A minha vida está cheia de contradições e falhas com as quais eu constantemente tenho de lidar.
Mas depois de tanto tempo, o que temos aqui? O nome de um acordo tácito que envolve conformismo, ao beber em grandes tragos da popularidade e da figura nas redes sociais, e um jogo de xadrez num eterno banho-maria. Resolvendo com discursos, semelhantes aos agradecimentos no Oscar, sobre um “ideal” que todos supostamente têm em comum. Pulsos levantados nos shows, uma prece agradecendo fazer parte daquela tribo. Como nossos pais-rebeldes, como farão nossos filhos-rebeldes envaidecidos em Titãs, Lobões e Dinhos Ouro Preto.
Eu troco qualquer dessas bandas meio gospels que nos socam e as amizades frustradas dessa turma por algum vento fresco. Em que o formalismo de ter que decorar o ABCD das tags musicais vá embora juntamente com as crew, os coletivos e os discursos “políticos” de identidade que agremiam ouvintes.
A brincadeira sem graça que são “bandas politizadas” tentando copiar o último grande disco e o ponto em que fica extremamente desagradável (e não atraente) distinguir uma das outras porque elas têm as mesmas influências e falam do mesmo jeito e são carregadas com as mesmas letras não originais e vazias. Marginalizando vozes críticas pra formar uma bolha cuja participação é pré-aprovada pela postura política de quem só constrói um espaço pros que jogam o mesmo jogo. Fazendo algo suave, “agradável” e sem nenhum real confronto.
(Provavelmente só querem ficar rodeados de pessoas aplaudindo suas poses. De qualquer jeito eu vou viver fazendo bico pro resto da minha vida. PS: todas referências são ficcionais).
Participei uma vez de um festival de um selo de grande relevância para a cena nacional. A passagem de som atrasou. Não havia ninguém da “organização” durante a passagem, alguém a quem recorrer diante de algum problema ou necessidade. Quando chegou a minha vez de passar o som, já era a hora marcada de começarem os shows. Aí então chegou o organizador, e ele queria que os shows começassem sem que eu fizesse a minha passagem. Eu disse “Não, senhor”. Depois, por e-mail, as bandas avaliaram como tudo tendo sido maravilhoso, que o importante é a diversão (e isso que não eram tão jovenzinhos ou inexperientes), menos eu. No fim da minha apresentação, quando eu recolhia as minhas coisas, uma outra banda que usaria projeção queria que eu deixasse o meu telão com eles (iriam projetar mas não tinham o telão) E ficaram brabos – até hoje, acho – porque eu não o deixei com eles – eu não confiaria naquele nível de responsabilidade, até porque não pediram pra mim durante a semana que antecedeu. Nos e-mails, reclamei daquela ausência dos organizadores, e o chefe deles justificou qualquer coisa sobre “guerrilha” (?).
É dureza esse “cena”…