Na cultura pop é assim: andou mais devagar, é capaz de cair no esquecimento. O mundo que gira cada vez mais rápido, obras e pessoas duram cada vez menos tempo na memória coletiva.
Quando vi a morte de Renato Rocha, o Negrete, ex-baixista da formação primeira e clássica da Legião Urbana, num desfecho trágico anunciado há muito, lembrei que eu mesmo, embora chocado com a situação em que o música se encontrava, pouco me importava. Cada um faz da sua vida, entre erros e acertos (mais erros), o que quiser.
Rocha tinha 53 anos. Está lá nos três primeiros discos da Legião Urbana, “Legião Urbana” (1984), “Dois” (1986) e “Que País É Este?” (1987); foi demitido pouco antes da assinatura de um novo contrato com a EMI e do “As Quatro Estações” (1989). Segundo o trio restante, era relapso, pouco profissional.
Dos direitos autorais, vinha sua renda a partir de então – cerca de R$ 900,00 por mês. Ele assina com os outros integrantes “A Dança”, do primeiro disco; “Daniel Na Cova Dos Leões”, “Quase Sem Querer”, “Acrilic On Canvas” e “Plantas Embaixo Do Aquário”, do segundo; e “Angra Dos Reis” e “Mais Do Mesmo”, do terceiro.
Após sair da banda, não se falou mais de Negrete. Ele virou um ex. Um ex que fez lá qualquer coisa. Até quem em 2012, vira atração pro circo midiático, protagonista de um programa de TV que mostra sua decadência vivendo nas ruas do centro do Rio de Janeiro, com uma mão na frente e outra atrás, desorientado.
Rolou uma comoção nesse momento. “Ah, olha como ficou o ex-baixista”.
A morte de Renato Russo, “o grande poeta”, é uma exceção. Voz de uma geração, foi tão sentida quando a de Kurt Cobain ou de Cazuza, dois doentes terminais numa grande vitrine. A morte de Negrete deve durar, sabe-se lá, umas poucas luas, se muito.
É fato que Renato Rocha era “um dos músicos a acompanhar do Renato Russo”, nunca foi ídolo, nunca teve voz, nunca teve holofotes. Morreu lutando contra o vício, morreu quase esquecido, ou lembrado apenas como o ex-baixista (“quase”, porque havia uma tentativa de resgate, de ajuda). É triste, mas não é exclusividade dele.
Ao olhar o quadro “in memorian” de todo ano do Oscar, é possível que você se depare com o espanto de não lembrar que essa ou aquela figura tenha morrido. Não é só falta de informação. O tempo passa, esquecemos quem um dia, por breves momentos, seja na tela, seja no palco, seja na TV, pagamos pra nos entreter e se tornaram ídolos, alguém que admiramos, alguém que sabemos quem é, como se fosse um amigo esporádico que gostamos de encontrar.
O mesmo vale pro futebol. Pendurou as chuteiras, dançou. Há raras exceções, bem raras, figuras enormes como Pelé, Maradona, Zico, Romário, Zidane, Platini, por exemplo. Uns grãos de areia brilhantes na praia do esquecimento. Mas são todos ídolos de um passado mais lento, sem tanta pressa.
Ídolos não duram muito nesses dias. Duram quase nada. A culpa é da nossa feroz busca por novos ídolos, já que os nossos não nos bastam. Mas também é do próprio tempo, com toneladas de informações disponíveis gratuitamente, na distância de meia dúzia de cliques, e essa ansiedade de querer absorver cada vez mais, sem maturar os discursos dos candidatos a novos ídolos.
Há aqueles que permanecem após a morte, mas é preciso ser maior do que a memória. É preciso ser grande o suficiente pra que não nos deixe esquecer. Não é fácil, e pra quem não consegue, é doloroso. “Crepúsculo Dos Deuses” (1950) e “O Que Terá Acontecido A Baby Jane?” (1962), entre outros, encenam no cinema essa morte em vida: o esquecimento, o ato de definhar sem entender o que desencadeou o apagar do interesse da plateia.
A gente morre ainda vivo, sem saber quando. Pra quem deu algum sentido pra vida dos outros, deve ser uma morte ainda mais difícil de aceitar. Ninguém gosta de perceber que é descartável.