André Forastieri causa, por motivos que devem lhe fazer muito bem, um insano ódio em seus leitores, principalmente os mais jovens, aqueles que não tiveram contato em tempo real com a Bizz provocativa que comandava. Ao lançar seu primeiro livro, resolveu ser ainda mais provocador, escolhendo um título que parece arrogantemente determinante: “O Dia Em Que o Rock Morreu”.
Se você ainda não leu, leia, mesmo que já tenha lido os textos no blogue do autor. Leia porque a maioria das pessoas que torceram o nariz pro título, pressupôs o conteúdo e saiu descendo o sarrafo no escriba por antecipação. É aquele famoso não-vi-não-gostei que impera cada vez mais. Eis que, por não ler, a pessoa pode ter entendido errado.
O rock morreu pro escritor “por deixar de ser o sangue nas veias da cultura pop global”, e porque “deixou de levar o mundo pra frente e passou a ser um negócio que leva o mundo pra trás; começou a ser uma coisa nostálgica; ele é uma música de celebração e não de contestação”. Ou como diz no livro, o rock hoje “não é contra nem a favor de nada, e por isso não é”.
E principalmente (e definitivamente), “não é só porque não contesta mais nada e pode voltar a contestar, porque dizer isso é como dizer que o jazz, que numa época era uma música proibida e tal, pode algum dia voltar a ser proibida; não, não pode”. O tempo já rodou milhas a frente. Agora, é só regurgitar o que já passou, revolvendo o passado e reformulando como algo pretensamente novo e moderno.
“A história anda pra frente (…). Nem o comportamento é cíclico ou revisionista. A partir de agora, não dá pra falar ‘as meninas não vão beijar’… Não, elas vão beijar. (…) Nenhum moleque de quinze anos vai pegar a guitarra pra contestar. Pra pegar mulher, não vai. Pra ganhar dinheiro, não vai. O rock por definição em 2014 é conservador, não existe rock de contestação. Esse papel não é mais do rock. A veia de contestação tá pulverizada”, ele diz.
Na edição número 48 do podcast O Resto É Ruído, Forastieri explica bem seu ponto de vista (vale MUITO ouvir: é aqui, principalmente o bloco 2).
É um modo interessante e convincente de ver as coisas. Mas não definitivo. Não, porque ainda há quem produza “rock” (entre aspas, como sinônimo do que entendemos como “música de contestação histórica”) em suas centenas de estilos, e conteste o que há pessoalmente pra se contestar: choque de gerações, problemas com as garotas, as frustrações no trabalho ou na escola, os governos truculentos, sempre há alguma coisa pra se virar contra, e essas são coisas que sempre vão existir e angustiar o garoto espinhento e desenturmado que empunha uma guitarra (ou uma bateria eletrônica, ou um sampler, ou um instrumento qualquer).
O incômodo pode não vir na forma como estamos acostumados a perceber (e que é, sim, revisionista, olhando pra elementos do passado, de Beatles a Led Zeppelin; de Nirvana a Radiohead), mas em alguma forma específica que não se sabe exatamente o que é e como soa. Que ruptura será essa? Por enquanto, não está vindo da música.
Antes de tudo, precisa ser algo de massa. Uma banda que faça o melhor trabalho do mundo, que chute várias canelas que precisem ser chutadas, mas cuja mensagem e atitude e performance não chegue ao máximo de pessoas possível, não passa de uma expressão artística que só vale pra si.
Esse rock que o livro decretou a morte e que os críticos da ideia relutam em manter vivo precisa levar às massas alguma importância. Por enquanto, esse espaço, mundialmente, está sendo ocupado por outra expressões, de games a ferramentas na Internet. Está pulverizado.
Não consigo decretar com tanta veemência a morte do rock, como tão bem faz o Forastieri em seu livro. Não é birra. É esperança. Talvez o rock possa ocupar aquele espaço relevante que ocupava décadas atrás. Pelo menos pra você, particularmente. Ou pra mim. Ou pra tantos outros solitários (não saudosos) ouvidos.
Alvos e inimigos existem por aí – os mesmos de sempre e outros tantos. Falta alguma espécie conjunção estrelar (algo do tipo) pra que os espaços ocupados por outras formas de expressão musical possam ser redivididos. Caso contrário, o livro terá sua razão definitiva.
E, afinal, o mundo não vai acabar amanhã. Nem ano que vem. Estará aí depois que eu, você, o Forastieri e todo o bando que você conhece se forem, abotoarem o paletó de madeira, virarem pó. Enquanto houver bandas legais, músicas e discos legais, cortes de cabelo legais, roupas legais e possíveis rockstars vestindo-as, há uma certa esperança de que muita gente se atente naquela forma de passar aquela mensagem certa e chutar aquelas canelas que precisam ser chutadas.
Enquanto essa hora não chega, o livro oferece uma lógica pra maioria das pessoas. E o rock segue pertencendo aos guetos e aos livros de história.
Quero ler o livro. Não sei exatamente o contexto que o autor fala, pois acho que a coisa muda muito quando se analisa o rock a nível internacional para o BRock.
Se o assunto é rock a nível nacional, a culpa maior do BRock ter se acostumado ao underground é dos próprios ouvintes (de rock).
Vocês poderiam disponibilizar no site um espaço para publicar “artigos dos leitores”. Tenho um texto que foi publicado no jornal da minha cidade. Chama-se “Rock Nacional morreu? Carta aberta aos roqueiros nostálgicos e preguiçosos”. Gostaria de poder compartilhar e debater com os leitores do floga-se.
Thiago, não seja por isso: manda pra flogase@botequimdeideias.com.br e terei o prazer de ler pra ver se vale a publicação aqui.
Ok! Vou enviar!