O ano já começou. Agora, olha-se pra trás e enxerga-se nas listas de melhores discos um retrato de 2013.
Uma tendência que se percebe na construção desse retrato, ano após ano, é a ideia que de separar discos nacionais de internacionais é uma grande bobagem. O Floga-se pensou assim, a Comunidade da Sinewave no Facebook pensou assim (desde 2012), e muitas outras publicações pensaram assim.
Quem ainda faz a divisão, porém, não pode ser apontado como equivocado. Embora seja difícil entender a lógica básica da divisão – colocando a música brasileira (ou feita por brasileiros) numa estante diferente na área de percepção e colocando todo o resto, as obras feitas nos Esteites, no Egito, na França, na Inglaterra, na Nova Zelândia, no Quênia, na Islândia, na Nicarágua, tanto faz, tudo junto, numa outra estante – o que levou a essa divisão é compreensível.
A maioria das listas que não fizeram a divisão não tem em seus resultados uma quantidade de discos “nacionais” que faça frente à quantidade de “internacionais” (na do Floga-se, entre os 50 melhores, 12 são “nacionais”; na do 505 Indie, só um; na da Sinewave, entre os 30, apenas 2; por exemplo).
A despeito da possibilidade de 2013 ter sido um ano ruim na produção por artistas nascidos no Brasil, é fato que por melhor que o ano seja nesse sentido, as pessoas que votam e participam de tais escolhas, têm a tendência de olhar pro produto de fora com mais atenção e dedicação. A solução de separar, portanto, é pra criar uma reserva de atenção específica pros produtos musicais criados por brasileiros. É dar destaque. E isso é louvável.
Mas, ao mesmo tempo, é dizer que o brasileiro não tem a mínima capacidade de concorrer com o produto popular ou alternativo gringo.
Se estivéssemos falando de cinema, a lógica parece ser mais justa. Os grandes estúdios e distribuidoras têm muito mais dinheiro do que os produtores brasileiros, a ponto de afetar a qualidade técnica de algumas obras (sem contar a distribuição, o alcance, os temas, a pirotecnia visual etc.). O produto gringo é mesmo mais atraente e em maior quantidade.
Mas na música, com a atual facilidade de produção, publicação e divulgação do trabalho, essa distância se diminui – e diminui bastante, podendo-se chegar “a quase nada”, quando se trata de música alternativa, aquela que não toca em rádio, novela, propaganda na televisão, aquela que nós tratamos aqui no Floga-se e que encontra eco em grandes e irretocáveis sites.
Em 2013, os artistas brasileiros dessa área de atuação produziram o suficiente pra justificar uma lista bem completa como essa, com 662 discos.
Essa música gringa, alternativa e subterrânea, que não tem espaço na superfície do consumo desenfreado (ou “sustentável”, aquele que faz o papel de sustentar a indústria), ainda tem mais holofotes do que a música alternativa, subterrânea, feita por brasileiros. De alguma forma, até essa, que atinge ouvidos ditos mais atentos e mais flexíveis ao novo, está soterrada pelos anos e anos de complexo de vira-lata que o brasileiro exibe – às vezes com orgulho.
Ainda damos mais atenção ao que é importado, mesmo que o que é feito por brasileiros tenha iguais características e signos do que é produzido além das nossas fronteiras (é inexplicável desse ponto de vista), e tenha tanta qualidade e criatividade quanto o produto vindo de fora.
Não está se falando de samba, pagode, axé, forró, sertanejo, música romântica, tecnobrega, gêneros que abraçaram a massa com louvor e, na maioria das vezes, queremos crer, com dignidade. Esses gêneros encontram seu largo espaço na mente dos consumidores – e com pouca concorrência externa. A música superpopular brasileira de certa forma venceu, é preciso dar mérito à sua intensa tomada de território.
Ao mesmo tempo, não é possível diminuir a importância e o mérito de quem pratica a música subterrânea, que não tem pretensões abrangentes no mercado, de quem quer ousar, quebrar paradigmas, ser desafiador, buscar novas linguagens e públicos. Não é uma questão de comparação.
Ali no indie, no punk, no experimental, no metal, no post-rock, no pós-punk e tals há uma imensa massa criativa que não está sendo ouvida e se está não está sendo levada a sério como se leva o correlato gringo.
Muitos blogues e sites dão espaço, entrevistam, resenham, mas realmente gostam e se importam com o que estão noticiando (e comentando e resenhando)? Ou estão só fazendo agrados a artistas, assessorias de imprensa, selos, produtores?
Ninguém é obrigado a gostar de nada só porque foi feito por um brasileiro – isso não é garantia de qualidade, obviamente. E nenhuma lista deve ter cota de presença de produto feito por brasileiros. Mas será que não há má vontade? O que um artista brasileiro precisa fazer pra ser ouvido? Onde eles estão errando que não conseguem chamar atenção nem mesmo daqueles que se prestam a oferecer espaço e ouvidos ao o que é “novo”?
Se a resposta for “só” por conta de um problema cultural, é de se temer que a música alternativa brasileira continue soterrada no fundo da percepção da mídia e do público, relegada a um eterno segundo plano.
Por causa do Massari, que sempre fez questão de abrir o radar e mostrar que música boa existe em todos os cantos, para além do eixo EUA-Inglaterra, passei a seguir uma página que resenha e fala sobre música italiana, precipuamente rock e hip hop.
No fim do ano passado eles publicaram uma listinha com os discos mais vendidos da música italiana e nenhum dos alternativos estava lá. Os comentários e críticas tinham mais ou menos o mesmo teor que as que são feitas por aqui. Daqui, de longe, parecem passar pelo mesmo “problema”. Tem livro sobre a cena alternativa de lá etc.
Acho que muitas vezes realmente não há tantos discos nacionais muito bons ao ponto de estarem “sobrando” em alguma lista.
Concordo que se o disco for ótimo ele tem que estar lá, desbancando o gringo que for. Mas realmente não vejo uma grande quantidade para estar lá ao ponto de fazer frente no quesito número. Já no quesito qualidade tem uns 2 discos feito por brasileiros que estão no meu top 10.
Realmente tem uns sites e blogues de maior alcance, em grandes portais ou publicações de renome, que merecem muito a crítica. Republicam aqueles indies farofa com elogios ou então sem qualquer senso crítico. Não dá!
Quanto à produção nacional, procuro apoiar na medida do possível, indo a alguns shows daqueles para menos de 100 pessoas, quando gosto da banda.
Por outro lado, acho que não podemos cair num complexo de vira-lata às avessas. Mas que realmente a cena se restringe ao subterrâneo é fato.
As reflexões são sempre bem-vindas para que façamos nossa autocrítica na hora de pensar o que realmente foi mais legal. Faço, apenas, a ressalva do vira-lata às avessas.
“Onde eles estão errando que não conseguem chamar atenção nem mesmo daqueles que se prestam a oferecer espaço e ouvidos ao o que é “novo”?”
Acho que você tem todos os pedaços na sua frente, mas ainda não conseguiu montar o quebra-cabeças. A resposta é que esses artistas simplesmente não são bons o suficiente.
Ao contrário do que o seu texto parece insinuar, não há ninguém realmente tentando “ousar, quebrar paradigmas, ser desafiador, buscar novas linguagens.” Em geral se emprega esse tipo de argumento a analfabetos musicais que acham que tocar com guitarra desafinada e imitar o Sonic Youth de 30 anos atrás é “quebrar paradigmas.” Por motivos que deveriam ser óbvios, imitar o trabalho de (supostos) inovadores do passado não é ser inovador hoje.
E essa falta de qualidade verdadeira se aplica para o BR e para a gringa. Então por que o alternativo gringo funciona e o nosso não? Porque lá (digamos, numa Inglaterra da vida), rock é o pagode deles. Sempre tem público, ainda que seja de favelados que só vão pro show para “pegar mulher.” E funciona aqui pelo simples fetiche que nós sempre tivemos pelo importado. A música não é o único ramo em que nós consumimos lixo gringo que não tem valor intrínseco, mas tem o valor atribuído (pelo complexo de vira-lata) de ser gringo.
Passou da hora de admitir que o rock foi um mero blip no radar da história (um blip fenomenal, mas ainda um blip.) A boa vontade que transformou analfabetos musicais em revolucionários no final dos anos 70 não se aplica mais a jovens brancos de bom nível cultural. Ainda é possível brilhar no music business sem fazer nada que preste musicalmente, mas você tem que ser negro, mulher, coreano ou algum tipo de “minoria”, e obviamente tem que ser fashion até a medula (o que os punks também foram, enfim.)
Mas se o que você quer é chamar atenção pela *música*, então vá fazer música. Vá se dedicar a realmente se tornar proficiente na linguagem, aprenda um instrumento de orquestra e vá tocar a música europeia da Idade Moderna, que é o que permanece e vai permanecer. Numa dessas, a experiência pode te dar subsídios para fazer algo realmente interessante num contexto de rock, ou música de guitarras, ou o que seja. O que não existe mais é o público passar a mãozinha na cabeça de ignorantes musicais (novamente, não-“minoritários”) sob o argumento de que eles são “vanguarda”, e portanto cafés-com-leite desobrigados a entenderem o mínimo do que estão fazendo.
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