PENSE OU DANCE: NEM ESQUERDA, NEM DIREITA, SÓ LIBERDADE

A Revolução Francesa começou em 1789, se você não lembra das aulas de História e não tem paciência pra googar. É dessa época que vem os termos “esquerda” e “direita” pra tratar de posicionamento político.

Faça a conta: são duzentos e vinte e quatro anos.

De lá pra cá, o mundo viu a Revolução Russa, com Bolcheviques e Mencheviques determinando a divisão política do século XX, dando na Guerra Fria, com ameaça de explodir tudo com bombas atômicas e tals. Você sabe de tudo isso.

Em 1990, o Muro de Berlim não existe mais e, teoricamente, a noção apropriada pela história de “esquerda” e “direita”, como “reformistas e opositores da ordem elitista vigente” e “elite opressora dos ganhos sociais”, respectivamente, deveria ter ido por terra da mesma maneira.

Não foi o que aconteceu. O clima de fla-flu ideológico se arraigou tal como no futebol, e ambos os lados se recusam a avançar e perceber que os discursos não se sustentam mais.

Sempre haverá “esquerda” e “direita”, no sentido de “oposição” e “situação”, mas as bandeiras podem estar invertidas: pessoas de ambições sociais podem estar no poder e os reformistas e opositores podem ser uma elite tradicional, deposta pelo voto.

O Brasil é um exemplo de como a vida política virou uma disputa pra se ver no Maracanã. De um lado os petistas, do outro os anti-petistas (que podem ser de qualquer partido, inclusive “de esquerda”, socialistas ou mesmo comunistas). De um lado os peessedebistas, do outro os anti-peessedebistas (como o PSDB está fora do poder federal há dez anos, o espectro é menos amplo, incluindo aí basicamente os petistas).

Virou uma briga de foice (ops!) em que se celebra mais os erros do adversário do que as conquistas próprias. Curiosamente, ambos fizeram muito pelo país, acabando com a inflação e estabilizando a economia diante das severas crises que abalam o mundo nos últimos quinze anos; e foram também os governos mais corruptos que se tem notícia. Ambos os lados lembram os muitos casos de um e de outro, esquecendo-se que essa é uma vitória da sociedade, levando-se em conta que corrupção sempre existiu e, então, é melhor se descobrir, denunciar e noticiar. É melhor conhecer os casos do que escondê-los.

Mesmo assim, com a polarização do discurso tão nítida e a prática de ações tão homogênea, ainda há o discurso pífio de “esquerda” e “direita”. Basicamente, os esquerdistas são a favor de distribuição de renda e programas sociais amplos; e os direitistas, ou conservadores, são a favor da manutenção de privilégios. Mas ambos se unem quando o assunto é economia e máquina estatal: sabem que sem grana e uma economia saudável nenhum discurso se sustenta; e usam a máquina pra conseguir apoio político e se reelegerem.

Ambos querem se perpetuar no poder e, salvo um extraordinário e utópico idealista que possa existir, dificilmente alguém se perpetua no poder pelo bem público.

Nesse lamaçal ideológico em que todos se fundem e se afundam, se estapeiam e se ofendem, sobrevivem as mentes arcaicas.

Nessa visita da blogueira cubana Yoani Sanchez ao Brasil, as mentes arcaicas ganharam oxigênio. De um lado, fazem uma minuciosa análise de seu caráter, chamando-a de falsa, mentirosa e afins. Do outro, um bando de aproveitadores utilizam da sua exposição midiática pra aparecer.

Impressiona a importância que essa “ninguém”, como a trata a “esquerda”, tem pros próprios esquerdistas. Ela é uma ninguém, de fato, mas expõe um problema sério que ambos os lados se recusam a ver, porque ainda tratam Cuba como um trunfo ou argumento ideológico: ainda existem muitas pessoas que não têm o direito de dizer o que pensam e de pensar como quiserem.

Essa é a questão. A liberdade. Não importa se Cuba é socialista. Não importa se a blogueira é fantoche da CIA. Importa é se perguntar por quê diabos um cubano não pode apontar o dedo na cara de seus governantes, dizendo umas verdades, da mesma forma que um argentino, um sueco, um francês ou um brasileiro.

Não deveria haver limites pra liberdade de expressão, seja ela apoiada pela CIA, pela KGB ou pela Associação dos Malafaias do Brasil. Quer viver numa democracia? Aguente o que o pulha ao lado tem a dizer. É a teoria da “liberdade absoluta”. “Cuba não é um partido, não é uma ideologia, não é um homem”, diz ela, com razão.

Cuba tem os seus méritos na saúde e na educação. Alguns exemplos, dizem, merecem ser copiados. Mas tem também lá seus porões políticos que ninguém mais gostaria de viver no Brasil, embora muita gente “de esquerda” ou “de direita” não se importe, achando que os fins justificam os meios.

A blogueira-fantoche pode ser uma ninguém, mas ela serve como bandeira pra dizer o que nem todo mundo pode dizer lá no país dela, mesmo que ninguém (no país dela) se importe em ouvir e encampe os ideais da moça.

Mas é curioso como isso incomoda aqui no Brasil. O incômodo é com as pessoas que vivem num paraíso socialista e precisam ser preservadas lá, dessa maneira, ou é com aqueles imperialistas que vivem se metendo onde não são chamados? O incômodo é com um ditador que insiste numa ideologia arcaica pra se perpetuar no poder, ou é com aqueles que impõem embargos econômicos e esganam o desenvolvimento de um povo?

Nada disso: o incômodo é com a derrubada de conceitos antiquados que são as armas desse fla-flu do século passado. Ninguém admite que o embargo econômico é um crime humanitário, da mesma forma que ninguém admite enxergar no socialismo praticado em Cuba uma ditadura que esmaga as liberdades individuais. Todo mundo se agarra a ideologias construídas, somadas e acumuladas por mais de dois séculos pra construir sua visão de “mundo ideal”.

Pois a esse “mundo ideal” deveria-se somar o conceito de você poder dizer o que quiser, quando quiser, pra quem quiser e arcar com as consequências quando passar dos limites impostos pela própria sociedade e suas leis. Aparentemente, não estamos todos prontos pra isso.

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