PENSE OU DANCE: O MEDO DO SUCESSO

Medo do sucesso ou coerência política? Postura artística ou inabilidade comercial? Há uma confusa visão sobre o que acontece comercialmente com bandas e artistas pequenos, do subterrâneo, aquelas que tratamos na maioria das vezes aqui no Floga-se.

Lendo entrevistas (nossas ou feitas por outros veículos) percebe-se que há um espectro de várias respostas pra entender os motivos pelos quais esses artistas talentosos simplesmente não se empenham no caminho da construção de soluções financeiras pra sua arte. A maioria indica que ganhar dinheiro com música destitui a lógica primária da sua criação: passa a ser trabalho, deixa de ser prazer, as cobranças e responsabilidades aparecem ou aumentam, então é melhor ficar preso ao mundinho “alternativo”, “subterrâneo”. É a arte pro próprio umbigo, a arte como desafogo pessoal.

Não é preciso citar nomes, porque não são casos isolados. Parece estar embutido no brasileiro que transita por essa base do universo musical a impossibilidade de lidar com o sucesso. O sucesso como sinônimo de entrega a um sistema que ele sempre combateu, como se tal sistema não pudesse abraçar muitas vertentes, gostos, ofertas, com se não lhe coubesse uma ampla diversidade.

Porém, engana-se quem compreende essa observação como uma crítica. O fato do artista querer se preocupar “só” com sua arte, deixando o mérito comercial à vontade da sorte, não é ruim, sequer condenável. É pra isso que o artista serve, existe e surgiu: pra criar. Entretanto, eis o paradoxo: ninguém faz (ou deveria fazer – por lógica, não por conceito) arte pra si mesmo. O artista deveria querer ser visto, ouvido, percebido, admirado, compreendido pelo maior número de pessoas, ou pelo maior número de pessoas que lhe importa. Isso, em resumo, é sucesso.

Tratamos sobre como fazer sucesso pra minorias nesse texto que enxerga os nanomercados. Mas o artista não precisa ficar restrito ao seu nanomercado. Ou, se quiser ficar, há como monetizar e ser remunerado pela sua arte.

O pouco caso que o artista miúdo brasileiro faz do próprio potencial comercial expõe essa incapacidade de lidar com o sucesso. Com o ego, ao contrário, esses artistas bem se dão: matérias em jornais, tevês, blogues, sites, citações em redes sociais, tudo isso pode, é ok. Ganhar dinheiro com isso, batalhar espaços pra tocar, lutar por uma estrutura decente que fomente mercado, isso não, isso é trabalho, não é arte. Cria-se uma barreira: arte é arte, dinheiro é dinheiro, sucesso comercial é sucesso comercial. Nenhum deles parece querer viver de música, como se fosse um pecado imperdoável. Música não pode ser trabalho, só diversão, esse é o recado.

Há de se pensar se isso não é uma das raízes do problema. Não há público porque os artistas não se esforçam pra formá-lo. Não há casa de shows sustentáveis, pequenas principalmente, aqueles palcos-porões que servem como início pro artista, porque não há público e não se forma interesse nesse público. Não há jornalismo “de qualidade” com protagonistas brasileiros porque não há pra quem contar histórias sobre quem não oferece histórias a serem contadas, de modo que se vê a cópia de matérias de portais estrangeiros, ou bobagens quaisquer. O circuito não se fecha.

Há exceções. Há quem tente. É o caso de Jair Naves, de Cadu Tenório, do Passo Torto, do Apanhador Só (nomes citados aleatoriamente) e de muitos mais, tantos outros, de diversos tamanhos e alcances mercadológicos. Não é fácil. Desistir pelas inúmeras dificuldades seria compreensível. Mas nem se tenta – e não por medo do fracasso, mas por receio do que o sucesso signifique: a perda de uma auto presumida e imposta inocência; o afastamento do trato da música como forma de descarrego pessoal transformando-a em obrigatoriedade; o amadurecimento e o fim da “fase Peter Pan”; e a maior cobrança do meio que o cerca (críticos, imprensa, fãs, contratantes), passando do medo do sucesso ao medo de perder o sucesso, medo do fracasso, do retrocesso.

Nenhum artista é obrigado a nada, muito menos a atingir um sucesso qualquer projetado por quem quer que seja. Mas todo mundo acaba perdendo com esse receio de encarar a própria arte como algo a ser comercializado com sucesso.

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Comentários

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6 comentários

  1. Em alguns casos parece pura preguiça. Essa inabilidade comercial acaba fazendo o sujeito ficar esperando passivamente, achando que o público e os convites vão aparecer porque a música é muito boa, alguém vai resenhar, alguém vai colocar numa lista e a mágica vai acontecer. A pessoa se acomoda: quer criar, gravar, tocar mas não quer sair pra vender o peixe. Aí não vende mesmo. Não sei se é exatamente medo do sucesso, mas às vezes parece que é vontade de que o sucesso brote natualmente, sem a política e o marketing que rolam por trás.

  2. Sim, tem essa preguiça. Ela me parece evidente também, em muitos casos, você tem razão. E tem a inabilidade, o não saber fazer. Mas o medo de “dar certo” parece-me pior, porque tira do artista essa posição “confortável” de não existir cobrança e, consequentemente, poder continuar nesse estado de inércia, do se colar colou.

  3. Desculpem mas o circuito não fecha pois a conta não fecha. Vejam bem, concordo parcialmente com o artigo, pois é verdade que se espera a sorte agir na maioria dos casos, mas quando se tem que pagar para gravar e produzir um cd, pagar para distribuir, pagar para resenhar, pagar para divulgar e tocar, acaba reduzindo muito as opções para músicos que não tem um “padrinho”. Nos apresentamos no Lollapalooza 2012, já estamos gravando nosso segundo CD, temos três clipes rolando no canal Bis e no nosso canal na Vevo. Nossos guitarristas saíram agora na edição de março da Guitar Player e o nosso primeiro CD foi super bem comentado em todos os sites e webradios dedicados ao nosso segmento. Tudo por nossa conta. Bom, isso não me parece preguiça. O que falta então? Humildemente, aceito comentários.
    Abraços

  4. Não é uma regra. Vocês estão fazendo a parte de vocês, Danilo. Mas investimento não necessariamente supõe retorno financeiro, certo? A conta não fecha no circuito e culpa não é das bandas/artistas, ou pelo menos não só delas. O que o Floga-se vem argumentando na série de últimos Pense Ou Dance é que o artista precisa se movimentar pra criar o seu público, não só pra criar material (que é o que vocês, aparentemente, fizeram, com bastante felicidade, pelo o que me conta no seu comentário). Como se cria público? Não há uma regra, depende das circunstâncias de cada artista/banda, mas o Single Parents é um bom exemplo de quem tá fazendo algo diferente pra criação de público, investindo não só em material mas em alternativas pra que o público veja a banda (como trazer bandas gringas pra que eles mesmos abram o show etc.).

    Além do mais, só o fato de vocês se mexerem, mesmo com investimento financeiro (pagar resenha???? aí, não, né?), já indica que esse medo do sucesso, de trabalhar pra viver de música não está em vocês, o que é positivo. Mas só vamos saber quando vocês efetivamente viverem disso. Torço pra isso, meu caro – e valeu por entrar na discussão.

  5. Ótimo texto.
    Já vi vários artistas se auto sabotarem diante de una iminente chance de “virar”.
    O conceito de medo do sucesso é inconsciente nas pessoas.
    Mas Danilo está também correto quanto ao mercado explorador de artistas abaixo da linha mínima de exposição. Podemos citar os festivais que tem objetivo de vender ingressos para os músicos revenderem, casas de show que só querem ouvir covers, caches simbólicos, e toda a fama de investimentos em mídia paga como rádios e tvs.
    A Internet é um instrumento democrático e acessível mas funciona por demanda. Se você não divulgar seu trabalho nas mídias sociais, difusoras e palcos, não haverá procura pelo seu trabalho na rede.
    É provável que existam vários Elvis ou McCartneys por aí que ninguém sabe que existe.

  6. Concordo com o texto.

    Existe em muitos sim esse medo do sucesso.
    E é uma coisa meio bipolar, por que geralmente todo mundo que tem uma banda ou que se mete a fazer música mais seriamente almeja ou um dia sonhou com o sucesso, o reconhecimento e a fama, mas ao mesmo tempo sente um medo escondido a respeito de tudo que essa exposição pode trazer, das pedradas da crítica, “será que vão gostar?”.
    Esse medo é osso. Não ajuda em nada.

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