“Time alone / oh, time will tell! / Think you’re in heaven but you’re living in hell”. Bob Marley sabia das coisas. Só o tempo resolve as questões. O ser humano tenta adivinhar, prever, o que vem pela frente. Normalmente erra. Bom, as pessoas não têm capacidade pra entender o presente – o que dirá do futuro?
Lembro daquele vídeo bobo, mas bem engraçado, do comediante Louis C.K., no programa do Conan O’Brien, falando como “tudo é maravilhoso hoje e ninguém está feliz”, porque vivemos numa era “de jovens mimados”.
É verdade que o homem conseguiu fazer coisas inacreditáveis com a tecnologia e o avanço da ciência em geral. Menos pessoas morrem hoje do que no passado e isso já seria algo a se comemorar, como bem ilustra Steven Pinker nesse vídeo sobre “o mito da violência”:
Entretanto é justamente essa inquietação que o comediante utiliza pra fazer graça que move os homens em busca de novos conhecimentos. A humanidade evoluiu, a despeito de todas as atrocidades que se vê todos os dias (em nome de “deus” e do dinheiro e do poder), mas não podemos nos dar por satisfeitos.
Se tem uma coisa que a história nos ensinou sobre o poder inventivo do homem é: nada é tão moderno que não possa ser ainda mais moderno, nada é tão inventivo que seja definitivo.
Nos últimos tempos, essa questão tecnológica tem apimentado as conversas sobre música: qual seria o modelo de negócios do futuro? A maioria dos jornalistas, articulistas e mentes razoavelmente sãs que conheço crava, de olhos fechados, peito inflado e voz de orador em tribuna oficial, que é o streaming.
Ah, o streaming, essa maravilha impulsionada pelo MySpace e sem querer pelo YouTube é tida como a salvação da lavoura pra artistas, selos/gravadoras e consumidores. No mundo, o Spotify e o Pandora dão as cartas e, pela facilidade e comodidade, começaram a mudar o jeito de consumir música.
Matéria do caderno “Link”, do Estadão, aponta que em “2012 pela primeira vez os lucros gerados pela música digital superaram os da mídia física. Quem puxou isso foram serviços como Spotify e Pandora, que movimentaram mais de US$ 1 bilhão em 2012. Os números mostram que, embora os downloads ainda sejam a parte mais lucrativa, o streaming vai superá-los. Nos EUA, 40% dos lucros são gerados por streaming (o Spotify só estreou no país em 2011). Na Suécia, terra natal do Spotify, o streaming responde por 79% dos lucros e é visto como responsável por ter diminuído os downloads ilegais naquele país. Mathieu Le Roux, diretor do site francês Deezer, diz que o streaming é ‘a melhor saída’ contra a pirataria por ser ‘barato e de fácil uso'”.
O francês fala, obviamente, defendendo sua causa, mas ele não deixa de ter razão quando se trata do melhor modelo que temos agora. Ou pelo menos parte dele.
Os serviços de streaming ainda esbarram em questões de direitos autorais. Os músicos ainda reclamam bastante, como alerta Camilo Rocha nessa matéria. No Brasil, é pior.
O melhor serviço em atividade é o Rdio, da Oi. “O licenciamento é uma das barreiras para a chegada de serviços legalizados e acessíveis. ‘Não é um problema só do Brasil’, diz Paulo Lima, diretor executivo do iMusica, empresa que negocia esse tipo de contrato. ‘Mas aqui existe um problema a mais: não há uma única entidade de direitos autorais’, explica. Foi essa negociação que atrapalhou a oferta de seis meses de música gratuita no Oi Rdio. O serviço lançou em 15 dos 17 países onde opera uma promoção de streaming ilimitado grátis, mas no Brasil não houve acordo para viabilizar a oferta”.
O Spotify vai chegar ao Brasil em breve (embora um bocado de gente já tenha aprendido como furar o bloqueio e utilize o serviço há um bom tempo por essas praias – não, não vou ensinar como fazer, pode googlar aí). O Deezer já chegou.
Os acordos com os artistas locais dependem de uma série de coisas: se elas estão vinculadas a alguma entidade de arrecadação ligada ao ECAD, se o selo fez algum acordo de distribuição com essas plataformas etc. Mesmo assim, não se sabe qual o potencial desse mercado individualmente pra cada artista. Quanto é possível ganhar com isso?
Não há uma resposta única, padrão ou ideal, porque ela depende de uma estratégia pessoal elaborada por cada artista. Há nomes e músicas que encontram no streaming um bom público, há outros que se dão melhor com o download, outros com o download gratuito, shows, venda de discos físicos e por aí vai. O ideal é sempre uma conjunção de plataformas pra compor o ganho total. Ou seja, o artista hoje em dia precisa jogar nas onze, ou cobrar o escanteio e correr pra cabecear. Não dá pra pensar numa única solução, numa única plataforma.
É simples entender: se você é um Radiohead, com uma enorme base de fãs, pode pedir que eles paguem “o quanto quiserem pagar” no seu disco e ainda assim ganhar rios de dinheiro. Mas se você é uma banda pequena tem que pensar em outra estratégia pra ganhar um mínimo de visibilidade. Nesse caso, dar sua música de graça não é um negócio ruim. É preciso analisar a própria situação e ver que caminho seguir. Opções, o mundo atual e a Internet oferecem.
O problema é que a maioria não sabe lidar com as ferramentas disponíveis. Eis o motivo de não se conseguir monetizar com a própria arte e perceber que isso ainda depende de atravessadores, na maioria dos casos.
Antes eram as gravadoras e grandes mídias, hoje são as plataformas de divulgação/execução. Nesse cenário, o jornalista estadunidense Robert Levine escreveu um livro cujo título cunhou um termo apropriado pros novos tempos, “Carona Grátis”, fazendo “ao longo de 320 páginas, um relato detalhado de ‘como a Internet está destruindo a indústria da cultura’ e sugere ‘como contra-atacar’. O livro é de 2011. O termo ainda vale, mas a ideia talvez não – a Internet não está destruindo nada, pode é estar salvando, ou mantendo relevante a indústria cultural.
“Carona Grátis” é pertinente porque Levine passou a “seguir o dinheiro” nesse mundo que cultua a “cultura livre”: ele “levantou que as instituições que defendem abrir tudo na Internet são financiadas pelas mesmas empresas de tecnologia. Que o Creative Commons, por exemplo, recebeu US$ 1,5 milhão do Google em 2008 e mais US$ 500 mil em 2009”.
Na entrevista à Folha de São Paulo, em 2011, ele conta mais sobre a definição do termo: “examinei o Creative Commons e (seu fundador) Lawrence Lessig, o Center For Internet And Society, da Universidade Stanford, a New America Foundation. Muita gente me disse, ‘eles são legais, boas pessoas’. Provavelmente são, não penso que ninguém seja o mal. O mal é matar alguém, não infringir ‘copyright‘. Mas eles são enviesados. Parte do financiamento dessas instituições vem das empresas de tecnologia. E o que é interessante é que as pessoas não sabem. Como é que esses ativistas recebem todo esse dinheiro do Google e ninguém diz nada? Trabalhei seis meses no levantamento da proposta para o livro. Mais e mais eu me surpreendia. Comecei a pensar: ‘É um conflito de negócios: Quem vai controlar a distribuição de música é a Warner ou o Google?’. Não penso que as gravadoras sejam o bem ou que o Google seja o mal. Sou um jornalista de negócios. Não é estranho que alguns dos ativistas não saibam de onde vem o dinheiro do Creative Commons?”.
É fácil falar de “cultura livre” quando ela abastece os próprios bolsos com a obra dos outros. Mas, sem querer cair nesse discurso fácil, vale citar o próprio Levine lembrando que na verdade o problema não é só da indústria da música. É de todo mundo que gera conteúdo, incluindo os jornais: “você tinha, digamos, essa torta (publicitária) que sustentava jornais, TV, revistas. Agora você corta essa torta pela metade. Google e Facebook ficam com um lado. Todos os jornais e todas as TVs disputam o outro. Eles têm de vender o conteúdo, não têm alternativa. Não sei se vender o conteúdo vai funcionar, mas sei que distribuí-lo de graça na Internet não vai”.
A solução está numa palavrinha mágica: comodidade. Levine – e não só ele, ainda bem – diz: “você tem que vender as notícias. E acredito que as pessoas vão comprar. Eu pago US$ 23 por mês pelo ‘New York Times’. Se mudarem amanhã para US$ 33, continuaria pagando. As pessoas são muito sensíveis à conveniência ao pagar, elas querem que seja fácil, mas não creio que se importem tanto com o custo. A maioria dos americanos paga US$ 60 por mês pela TV a cabo”. Ele tem razão: veja o quanto você paga pelo conteúdo do UOL ou o PPV do futebol, por exemplo. Se você tem menos trabalho pagando um produto de qualidade do que puxando fios aqui e ali, comprando aparelhinhos e quebrando paredes, você vai pagar. Se você tem menos trabalho e preocupações pagando por um serviço que vai entregar a música que você quiser, onde você quiser, do que instalando programas e códigos que podem ferrar seu computador ou seu celular, você vai pagar.
Comodidade. Essa é a palavra. Pro consumidor. Ótimo, temos uma linha pra encontrar uma solução pro consumidor. Mas falta fechar as outras duas pontas, o artista e o empreendedor, num equilíbrio que hoje não existe.
É por isso que o que vemos agora não é o futuro. O streaming não é o futuro – e muito menos a solução. É no máximo uma agradável alternativa que o presente nos oferece, mas que está longe de ser a ideal. O artista não ganha o quanto (acha que) merece (ou deveria ganhar). O consumidor ainda não vê a comodidade que espera pra pagar. Só quem tá ganhando são as plataformas – e as mais parrudas.
O futuro é outra coisa. Ele ainda está por vir, ainda está sendo construído numa garagem dessas de um Vale do Silício qualquer, por um moleque dessa “geração mimada”, mas (ainda bem) insatisfeita, inconformada com a falta de comodidade do “mundo maravilhoso de hoje”.
Importante entender, porém, que o futuro não apresentará uma solução única (como não foram o Napster – que muita gente achava ser “o futuro” – nem o MySpace, nem o YouTube). O presente nos dá pistas do que devemos talvez ver em dez, quinze anos: um modelo de negócios central, orbitado por várias plataformas e oportunidades, que o artista (ou gerador de conteúdo) deverá utilizar pra construir sua própria solução financeira pra carreira.
E, se entendemos bem o que a história já nos ensinou, estaremos igualmente insatisfeitos nesse futuro, buscando novas alternativas. Tomara. Mas isso só o tempo irá dizer.
[…] se ouvir música online, o streaming, considerado por alguns como o “futuro da música”. Mas, como bem explica Fernando Lopes, editor do site Floga-se, se tem uma coisa que a história nos ensinou sobre o poder inventivo do homem é que nada é tão […]
[…] streaming, shows, venda de discos, etc. É o que elucida Fernando Lopes, editor do Floga-se, em “O tempo irá dizer: qual é o futuro da indústria musical?”, onde expõe de maneira muito sóbria sobre os pós e contras do streaming, afirmando que o […]
Só uma coisa: quem tá ganhando não são as plataformas – exceto youtube. São as grandes gravadoras.
O Spotify tem quase o mercado todo e não se paga – quanto mais lucro.