O Brasil conseguiu a proeza de em oitenta e seis dias matar de Covid-19 mais pessoas do que o trânsito assassino que temos em um ano inteiro, no caso de 2019. Não precisa acreditar em mim, acredite na imprensa e tals.
Após o balanço, sempre desatualizado, do ministério da Saúde em 11 de junho, foram contadas 40.919 vítimas fatais (enquanto você lê isso aqui, já foram muito mais) pelo novo coronavírus, contra 40.721 vítimas de acidente de trânsito em todo o ano de 2019.
Mais do que isso. No balanço do dia 12 de junho, o brasileiro vai ver quem em oitenta e sete dias, o Covid-19 terá matado mais do pessoas foram assassinadas em todo o ano de 2019 no Brasil, um dos países mais desiguais e, por isso, violentos do mundo.
No ano passado, foram assassinadas 41.635 pessoas, uma diminuição de 19% em relação a 2018, quando foram assassinadas 51.558 passoas.
E por quê, a despeito desses números chocantes, as pessoas ainda dão de ombros e lotam shopping centers, ruas comerciais e centros de compras?
Porque o brasileiro é egoísta. Não tem um pingo de senso de coletividade. Só por isso.
O brasileiro jamais acredita que algo de ruim vai acontecer com ele, porque acha que sempre tem o controle de qualquer situação.
A culpa de tantos mortos no trânsito é dos próprios mortos. O brasileiro que bebe e dirige e ainda não morreu acha que não morreu porque dirige bem, porque é “cuidadoso”. E se ele enche a cara, dirige e nunca morreu, não deve ter problema algum em beber e sair pilotando uma máquina de sabe-se lá quantos quilos e a sabe-se lá qual velocidade. Quem morre nessas condições é porque não tomou os cuidados pra não morrer e não matar.
O brasileiro médio acha que isso nunca vai acontecer com ele. Então, as mortes no trânsito são culpa dos outros, dos que morrem e matam.
O brasileiro também não liga pra assassinatos. Os números elevados também não são culpa dele. Ele já está anestesiado com tantos programas de jornalismo-violência que passam bem no cair da noite, antes daquele jantar gostoso.
Ver a polícia tentando pegar criminosos em bairros pobres é um entretenimento, nunca vai acontecer com o brasileiro médio, porque esse brasileiro não se acha pobre e não acha que a polícia vai abusar dele um dia qualquer. A culpa não é dele.
Se há pobres é porque são simplesmente pessoas que talvez não tenham se esforçado o suficiente pra sair de tal condição. Ou seja, o brasileiro médio e egoísta acha que não é com ele e essa turma que se vire. Tem muita violência entre os pobres? Problema dos pobres.
E esse brasileiro egoísta deve pensar além: ele pode ter uma arma, porque ele é cuidadoso o suficiente pra não matar ninguém com ela. Afinal, ele tem uma arma sabe-se lá por qual motivo a não ser matar alguém em alguma situação que ele ache que matar seja justificável. Não fará dele um criminoso. Criminoso são os outros.
O brasileiro médio e egoísta também não acha que vai morrer de Covid-19, porque, afinal de contas, como portar uma arma e pilotar um possante bêbado, ele toma “todos os cuidados”: vai ao shopping de máscara e usa álcool em gel.
Ele passou a “quarentena” inteira recebendo os amigos em casa, fazendo aquele churrasquinho e não teve problema algum, porque ele toma “todos os cuidados”. Se tem mais de 40 mil mortos de Covid-19 neste país é porque não tomaram os cuidados que ele, o brasileiro médio e egoísta tomou. Afinal, ele não morreu.
Quem morreu foram os outros, então estaria tudo bem se os outros tomassem os mesmos “cuidados” que o brasileiro médio e egoísta toma.
Assim, não é de se espantar que governadores se curvem à pressão de grandes empresários pra abrir o comércio. Todos não possuem esse senso de coletividade.
Porque colocar pessoas nas ruas pra comprar coisas não-essenciais nesse momento é total falta de coletividade.
Há gente que simplesmente precisa ir pra rua. Profissionais de áreas essenciais estão em constante risco. São enfermeiros, médicos, veterinários, profissionais da limpeza, segurança, entrega e logística, agricultura, caixas, estoquistas, repositores, motoristas de ônibus, trabalhadores de trens e metrô, é um batalhão de gente que não tem escolha e precisa estar na rua.
Há ainda os pobres nesse país tão desigual. Sem o Estado a lhes amparar como devia (o auxílio emergencial não chega a todos), ficam jogados à própria sorte, tentando sobreviver, entre a fome e o vírus.
Os empresários, pequenos e médios, sem o Estado a lhes ajudar, ficam também à míngua, vendo o sonho se esvair e contribuindo pro aumento do desemprego.
Quanto mais a crise demorar, mais a economia e as pessoas sofrem. Querem cortar caminhos, o que só vai adiar ainda mais o fim desse desespero.
Ter senso de coletividade é ficar em casa quem pode ficar em casa e evitar que o vírus se espalhe.
Mas isso não está acontecendo, porque o brasileiro, aquele egoísta nato e soberbo, que acha que os outros é que não se cuidam, ele acredita que não deve como é um “direito seu” estar na rua comprando camise, tênis, tupperware, panela, almofada, perfume, carro, moto e sabe-se mais o quê lá.
Não dá pra esperar do brasileiro outra atitude diferente. Quando se vê as multidões nas ruas passeando com sacolas nas mão, quando se olha pra governadores, prefeitos e, principalmente, o mais criminoso de todos, o lunático presidente da República, percebe-se que o brasileiro sabe votar, sim: vota exatamente naquele que os representa.
Enquanto isso, quem está em casa, contribuindo e trancado há quase noventa dias, fica com uma certeza: é preciso cada um cuidar dos seus entes e amigos queridos, porque o Estado e o brasileiro em geral estão pouco se lixando. Se você morrer ou alguém que você ama estiver num caixão, a culpa é sua, só sua.