Qual o tamanho do mercado de música no Brasil? Não acontece nada de relevante? Onde estão as músicas e artistas geniais, relevantes e contundentes? Essas são algumas perguntas recorrentes na recorrentes discussões de botequim sobre mercado de música.
Não há muito a se acrescentar quando percebe-se que ainda se espera recriar algo que no Brasil não existe há tempos. Tirando a música superpopular brasileira, aquela que vende, que toca na rádio e aparece na televisão, sobra a música alternativa que tratamos aqui e, um tanto mais acima em popularidade, a música alternativa que se encaixa em programas do SESC e nos escassos palcos da Rua Augusta. Todo esse conjunto não incluído na música superpopular sumiu dos holofotes duradouros – o pessoal do SESC ainda consegue um Altas Horas aqui e ali, uma aparição ou outra no Multishow, mas nada que resulte em filas em lojas de discos, sobrecarga em lojas online ou grande procura em shows.
É, pra resumo de primeira análise, uma ausência de mercado como conhecíamos nos anos 80 e 90. Ou total falta de mercado, como preferir.
Essa “falta de mercado” pra música alternativa (que discutimos recentemente aqui – “o que um artista alternativo precisa fazer pra ser ouvido?”) reflete numa sensação incômoda de que “não há nada de bom” acontecendo na nossa música. Se não aparece numa publicação de grife, tipo Rolling Stone, numa novela, num comercial de tevê, num festival gringo, a gente simplesmente tende a achar que não existe, ou não é bom o suficiente (e por isso não recebe respaldo da “grande mídia”) a ponto de merecer atenção. É a história ingrata e desleal de tipificar o que “é grande” e o que “não é grande”. Bobagem que vem se sustentando há um bom tempo.
No Floga-se, veículo miúdo, aprendemos a agradar a editoria e, espera-se, o leitor, na mesma medida de informação e espaço, de modo a perceber que dar palco a bons nomes do subterrâneo nacional (e gringo) gera uma audiência que nos parece satisfatória. Esse é o nosso aparente mercado (“aparente” porque esse “satisfatória” é uma definição volátil, singrando com o tempo).
Aqui, há nomes gringos “grandes” juntos com, na maioria, nomes que dificilmente aparecem em publicações maiores. Pra essas publicações maiores, tais nomes sequer existem, ou se existem, não valem o espaço e a dedicação. A impressão é que se não há mercado, não há relevância, “não está acontecendo”. O mesmo vale pra “nomes do SESC”, em veículos de maior alcance: ainda sofrem pra superar a barreira da percepção de que estão ali menos por qualidades artísticas do que por habilidades de relações e assessorias. Nos vemos diante da falta de credibilidade de blogues e sites da mídia-abaixo-da-grande-mídia, porque, além de “um mercado”, as pessoas ainda precisam de filtros que qualifiquem os artistas pra esse mercado e que guiem suas preferências.
Nesse aparente looping infinito, há uma dose de culpa de todos. A grande mídia ainda está à espera “do próximo grande nome” (que não surge desde o Los Hermanos), porque parece achar que é com nomes assim que vai sobreviver. A mídia pequena sofre com falta de credibilidade, não é o filtro desejado pelo ouvinte. O público segue esperando que os mesmos filtros de sempre o guie nesse universo infinito de sons, tendências, modas e experiências. Grande parte do público ainda aguarda o que a Globo ou o jornal ou sua revista vá lhe apresentar como novidade. E o artista, no meio disso tudo, tenta o que pode, quando tenta.
O que há de certo é que existe muita gente consumindo pouco, ou quase nada. E uma fatia formada por pouca gente consumindo bastante e que já entendeu que depende de outros meios de chegar ao que há de novidade: basicamente dica de amigos.
Nesse sentido, “o mercado” mudou. Não há motivos pra se esperar “aquele mercado” dos 80 e 90. Hoje, seis pessoas, vinte, ou quinhentas podem ser o mercado satisfatório pra artistas ou selos, entendendo por “satisfatório” o que faça valer a pena, seja como hobby, seja por ego, seja financeiramente pros que esperam pouco pro bolso. Uma banda que tem dez míseros fãs ainda deve a esses fãs uma resposta artística. Esse é o seu mercado, ele não pode ser desprezado. Existem centenas desses nanomercados por aí.
Essas nanomercados desprezados pela grande mídia e pelo mercadão tomado pela música superpopular (onde estão as verbas publicitárias e os investimentos culturais fora do crivo do Estado) são aqueles nichos de mercado “inexistentes” e que dão a falsa sensação de que nada “de qualidade” está acontecendo na produção musical brasileira. Dão a sensação de que a música por aqui morreu, naquela velha história de “não existe rock em (insira o nome da sua cidade)”. Há, claro, muita coisa acontecendo e, com um pouco de paciência, é possível ao público separar o bom do ruim, criar seus próprios vínculos com os artistas e estabelecer relações de mercado, com compra de camisetas, CDs, ingressos de pequenos shows, ou até contribuições espontâneas (no caso dos financiamentos coletivos, por exemplo).
Entretanto, a mastodôntica maioria despreza os nanomercados e o que eles podem oferecer de qualidade. Há o que se garimpar, há o que se consumir, independente da chancela da grande mídia. Só porque não está na superfície não quer dizer que não esteja acontecendo, que não exista. Esse papo de que ninguém mais ousa ou faz música boa no Brasil é papo de quem ainda se pauta pelos filtros de sempre, esperando ouvir o de sempre.
Os nanomercados guardam boas surpresas, desprezá-los é desprezar uma realidade, e isso é algo que vemos com frequência: se alguém compôs, executou, gravou, esse alguém tem algo a dizer e os ouvidos que se atentarem a essa mensagem podem acomodá-la no seu próprio nicho dos “grandes”: ínfimo e inexistente pra 99,99% da população, “grande” pra tal ouvinte. Ao desprezar os muitos nanomercadores estamos desprezando esses consumidores – que, enfim, somados podem ser muitos.
Não há, entretanto, mensuração pra isso. Como ninguém está vivendo disso (se estiver, é exceção e uma exceção não noticiada), ninguém sem importa. Nessa obscuridade, há de se perguntar qual a potência total do impacto dos nanomercados juntos. Alguém ainda há de medir isso, revelando tal relevância. Quem topar o desafio estará explicando o presente e o futuro e finalmente sepultando os persistentes vícios do passado.
Excelente texto. Eu, como artista, sempre bato na tecla do intercâmbio entre estes nanomercados (e dos artistas). Ainda falta um pouco de facilidade no diálogo, que gera possibilidades de circulação e interação, proliferando por estes nichos tanto os nanomercados, quanto os artistas, e isso seria uma grande passo a mais para a solidificação destes.s Geralmente quem está no entorno deste processo, não são pessoas que têm uma postura passiva, ao contrário daquelas que ficam à mercê dos grandes veículos, e este número de pessoas é considerável, e mais ainda se somado.
[…] No meio disso tudo, vale ver, reconhecer e avaliar a importância dos nanomercados. Eles são fortes e contam uma grande efeverscência cultural, como aponta nosso amigo Fernando Augusto Lopes no Floga-se. […]
Essa ideia dos nanomercados, ou da Cauda Longa, é muito interessante e inspiradora, e quando pensada da maneira como colocada no texto aproxima-se ao santo graal dos artistas contemporâneos. Contudo, é mais uma opção que não vem com fórmula certa e depende de um monte de trabalho e experimentação das possibilidades por parte daquele que se compromete a buscar seu lugar ao sol.
Eu tenho lido e refletido sobre esse tema há um bom tempo e desde o começo do ano comecei a colocar em prática algumas ações que podem me levar a viver de um pequeno nicho. E qual a maior dificuldade que estou encontrando na prática? Definir bem que pode ser meu público e que veículos ele utiliza para tentar chegar até ele. Meu projeto está andando (www.rainbug.com.br/blog) e não pretendo desanimar. A cada semana investigo novas frentes e tento novas estratégias.
Abraços e parabéns pelo post.
Valeu, Moyses. Siga com eeu projeto, sempre. Abraço.
Foi ótimo ver as perguntas da minha vida serem tratadas aqui. Todo dia penso “Por quê a música boa, boa mesmo não faz mais tanto sucesso quanto antigamente?” quando paro pra pensar, por exemplo, que Cabeça Dinossauro e Jesus Não tem Dentes no País dos Banguelas teve todo aquele êxito e hoje em dia vários cabeças dinossauros e jesus não tem dentes são deixados de lado. Desesperador.