PENSE OU DANCE: LUTA POR PREÇO OU POR RESPEITO?

Dia desses fui comprar o ingresso pra um festival tradicional no Brasil. Pela comodidade, resolvi apelar pra Internet. O tíquete custava R$ 300,00 (ou US$ 135,00 pela cotação de 26/7/2013, de R$ 2,25/dólar), mas com as taxas de conveniência, de 20% do valor de face, mais a “taxa de entrega” pra capital paulista, de R$ 20,00, o preço final chegava a R$ 380,00.

Estamos falando de um acréscimo de 26,67%, mais de um quarto do valor do ingresso.

E uma aberração maior vem de uma estranha “taxa de retirada”. O cidadão paga R$ 10,00 pra ele mesmo enfrentar uma fila e retirar o ingresso na bilheteria do local do festival. Como vimos no Lollapalooza Brasil 2013, não é uma fila qualquer.

No descrito acima há uma estupidez que muita gente já percebeu, inclusive os legisladores, que tentam colocar um freio nesse acinte. Mas que tem gente que não se deu conta.

Cobrar uma taxa de conveniência é justo, afinal há de fato uma conveniência no ato de comprar pela Internet, sem precisar se deslocar até uma bilheteria qualquer. O problema é essa taxa ser uma porcentagem da compra e não um valor fixo pelo serviço. Há um movimento no sentido de se legislar sobre isso, mas até agora nada. Por enquanto, essa aberração segue sambando na cara da lógica, dos órgãos de defesa do consumidor e na cara do próprio consumidor.

A ideia justa de uma taxa dessas é cobrar pelo serviço facilitador (o sistema de vendas online) e não em cima de cada produto adquirido. Se em uma compra o sujeito adquire dois ingressos (dois produtos), a taxação não pode ser em cima de dois ingressos, mas em cima do ato da compra em si. O que os festivais nacionais fazem, ao colocar porcentagem sobre o valor total e não valor fixo pro serviço, é taxar cada produto (ingresso) e não a compra.

Mas há mais. Seria natural imaginar que existissem vários pontos de venda sem a taxa de conveniência e outros tantos credenciados, que pudessem cobrar a taxa. Mas não, geralmente só há uma bilheteria que vende sem a taxa de conveniência. Uma única.

Em outras palavras, ou você paga a taxa de conveniência, que deixou de ser uma conveniência, já que você não necessariamente pode escolher – imagine alguém que more em qualquer outra cidade que não São Paulo, como fazer? Fica refém dos 20%, claro.

Se não for um roubo propriamente dito, é uma tremenda falta de respeito com o consumidor. E, bem… talvez seja exatamente sobre isso que estamos tratando aqui.

Os grandes festivais no Brasil não tratam os consumidores como consumidores, aquelas pessoas que merecem respeito porque só assim respeitam a sua marca e, fiéis que se tornam, continuam como consumidores da sua marca. Não, os grandes festivais tratam os consumidores como números que ajudarão a fechar a conta final. Números, você sabe, são desprovidos de sentimentos.

Porque grandes festivais brasileiros – e igualmente os demais produtores de shows (pra falar de São Paulo, atente-se à falta de respeito com que lugares como o Cine Joia e o Beco tratam seus consumidores) – não vendem marcas, vendem “momentos únicos”, festas, um palco pra ver e ser visto.

Ao anunciar bandas que fazem as redes sociais se arrepiarem, como Wilco, Arcade Fire, Strokes, Blur e afins, como se fosse uma “oportunidade única”, isentam-se de qualquer responsabilidade, porque “se quiser ver tal artista é assim que será, do nosso jeito, nas nossas condições”. E as pessoas caem nessa numa boa.

Essa aura de “sonho” também faz com que os preços inflacionem. É uma lógica capitalista observar que quanto maior a demanda e menor a oferta, mais valioso é o produto.

A gente sabe e já dissertou por aqui (e por aqui) que o grande vilão dos preços dos shows internacionais no Brasil é mesmo o que se chama Custo Brasil, aquela maçaroca de exigências e entraves econômicos que inviabilizam a precificação decente dos produtos.

Insistimos aqui, há muito tempo, que sem ver cada planilha de custos de cada evento promovido, fica difícil afirmar, como os chorões fazem nas redes sociais, que os preços estão “altos demais”. Não dá pra afirmar. Mas dá pra imaginar, mesmo sem ter certeza.

Dá pra imaginar porque o empresariado brasileiro é um pulha e trata o consumidor como número (ou como gado, como preferir). Sabe-se que esse Custo Brasil, com a péssima legislação que rege as carteirinhas de estudante, hoje mais um privilégio do que um direito no qual todo mundo paga inteira-travestida-de-meia, exceto os realmente honestos, que se recusam a falsificar carteirinha e pagam inteira-que-é-o-dobro, acaba sendo uma boa desculpa pra praticar o preço que quiser, num achismo que tende a se basear numa conta besta: quanto eu preciso cobrar pra dar um-bom-lucro-e-mais-um-pouco?

Em qualquer setor, o empresariado brasileiro deita e rola, mas no mercado de espetáculos internacionais nunca consolidado, é pior. Inflaciona-se os cachês e pouco se planeja. O resultado são preços absurdos pro bolso do público-alvo. Inventa-se, na intenção de espremer ao máximo a adoração em torno do artista em questão, áreas VIPs, qualidade de serviços tenebrosa e taxas abusivas. Porque o público aceita qualquer coisa, qualquer serviço, em troca de dizer que viu esse ou aquele artista, independente da qualidade do que está comprando (som, acesso, recepção, dispersão, local etc.).

Os preços no Brasil são caros, mas como qualquer produto ou serviço, paga quem quiser e quem puder. Talvez os preços estejam altos pro seu bolso. Talvez esse não seja um produto que você possa consumir toda hora. Sem ver a planilha de custos específica de cada evento, você estará chorando sem razão, porque só imagina, porque colocou na sua cabeça, que o preço está alto. Mas está alto pra você.

Por outro lado, se não dá pra exigir que o empresário pratique um “preço justo” (porque ninguém pode afirmar com precisão o que isso quer dizer), dá pra exigir que ele ao menos respeite o consumidor.

Essas taxas de conveniência, do jeito que estão, e o modo como os promotores recebem seus clientes são de dar nojo. Aceitar isso, pagando o quanto e o quê eles pedem, é corroborar com essa política. É ajudar a consolidar essa prática. Mas não se combate esse problema causando outro, como, por exemplo, falsificando carteirinhas de estudante “porque todo empresário é filha da puta e eles merecem”.

O próprio mercado se ajusta. Cobrou caro? Vai encalhar, como tem acontecido com frequência. O empresário vai ter que se adaptar, senão vai tomar prejuízo e desaparecer. E os pulhas tendem a isso.

Um mercado consolidado depende de empresas sadias e respeitosas e de um consumo consciente. Torcer por prejuízo de empresário/promotor é torcer pro mercado ruir de vez. Falsificar carteirinhas de estudante é jogar contra. É preciso torcer e brigar por mais respeito, por uma relação comercial saudável.

Os preços só vão baixar quando os empresários e os consumidores, cada um nos seus deveres, respeitarem essa relação. Infelizmente, por enquanto, só estamos vendo uma guerra, um cada um por si, com todos os lados perdendo.

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Um comentário

  1. Uma coisa que levo em consideração antes de uma compra pra festival no caso é o numero de bandas que vou ver, eu divido o valor do ingresso pelo numero de bandas que quero ver. Como moro em sp e os festivais que só vou é aqui, me desloco até um ponto sem a taxa. Outro desrespeito que acho e alguns horários de shows, alguns no meio da semana acabando muito tarde, acho um grande desrespeito dos produtores. Abs

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