PENSE OU DANCE: QUEM NÃO REAGE, RASTEJA

Liberdade não é algo que precisa ser conquistado, ela deveria ser condição sin ne qua non do ser humano, do indivíduo. Mas não é, evidentemente. Todo santo dia, as pessoas lutam pelo direito de ser livres. É uma busca incansável pra muitas delas. O curioso é que quando se conquista liberdade em alguma área ela não é aproveitada – e mais do que isso, acaba sendo até mesmo vilipendiada.

Veja o caso da música. Hoje, você não precisa mais comprar discos, se assim não o desejar.

Esqueça que baixar discos gratuitamente de fato ainda é um crime previsto na maioria dos códigos penais, mas a tecnologia e os costumes estão sempre um bons passos a frente da legislatura, o que é natural (a legislatura é que precisa se adaptar aos costumes e não o contrário).

E releve também o desejo legítimo e divertido dos milhões de colecionadores que ainda compram vinis, CDs, DVDs e afins: essa é uma escolha que, entre outras tantas, como pagar ingressos pra ir a shows, alimentam os artistas (e toda a cadeia produtiva) e tem valor pessoal pra muita gente. Consumir arte (gratuitamente ou não) é um dos direitos fundamentais de qualquer pessoa.

Também não leve em consideração que, ao menos pra massiva maioria dos brasileiros, banda larga ainda é como nota de cem: quase ninguém viu a cara.

Tire isso da equação. O fato é que com a digitalização você tem toda e qualquer música a seu dispor, onde quiser, a hora que quiser. Quer liberdade maior do que essa? Porque, em teoria, liberdade é algo pra se usufruir sem gastar um tostão e na plenitude. Então, por que as pessoas não aproveitam?

Não é, obviamente, pelo temor de serem presas ou processadas pelas grandes corporações. As pessoas, em especial os brasileiros, quando querem, dão de ombros pra essas formalidades.

O problema está numa palavra: preguiça.

As pessoas não conhecem música nova e instigante por pura preguiça. Não vão atrás, não procuram, não se informam, não ouvem… Por preguiça.

Porém, eu sei, não é algo tão simples, é preciso discorrer sobre.

Por causa dessa preguiça, abre-se espaço pro crescimento de todos os blogues, sites, revistas, programas culturais, críticos “profissionais” e aventureiros, essa laia da qual o Floga-se faz parte, pelo bem ou pelo mal. E, junto, uma série de efeitos não desejados, como o jabá que alimenta 100% das rádios e programas de televisão e revistas, mesmo os que você acredita serem “independentes” (e “indies”), porque, acredite, ninguém tá a salvo dele.

O jabá, o corporativismo, o coleguismo entre artista e gravadora e jornalista, tudo isso se alimenta justamente dessa preguiça. É terreno fértil pra alimentar o hype e destrinchar uma dezena de artistas não pautados necessariamente pela qualidade (estou falando de música alternativa, mas é óbvio que a equação se encaixa e funciona a pleno vapor em todos os nichos de mercado, do axé ao sertanejo, com muito mais fervor, passando pela MPB e o “indie festivo”).

A preguiça e a falta de vontade (ou de interesse, por tratarem a música como o divertimento que efetivamente é) acabam criando essas distorções e o ciclo vicioso.

Falando do nosso nicho, acaba-se endeusando de maneira irrestrita e sem dar espaço a outros nomes, artistas como Strokes, Arctic Monkeys, Arcade Fire, Wilco, exemplos mais constantes dados nos últimos anos pela “juventude”. Paralelamente, os mais velhos se recusam a olhar as novidades, calcados, cada um na sua década, em Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd, AC/DC, Sex Pistols, Clash, Cure, REM, Smiths, Nirvana, Pearl Jam, Radiohead e um bocado de etecetera. Tudo o que se fez no passado e vendeu algumas dezenas de milhares de discos acaba ganhando um confortável espaço na prateleira dos intocáveis da música. “Ninguém faz música como ‘antigamente’: e “antigamente” pode ser ano passado, claro, depende do gosto do freguês. Mas o que se faz “hoje” nunca está suficientemente bom.

Bem, talvez a nova geração esteja apenas forçando a barra pra criar os seus mitos – e toda geração precisa criar os seus.

Ouça Wilco, “Born Alone”, um dos “intocáveis”:

Mas é daí que se pergunta: e o resto? As milhares de bandas e artistas que surgem todos os anos, inflamados de gana pra mostrar sua criação, como ficam? No limbo, à espera de serem cooptadas pelo jornalista mais bacana, da revista ou do site mais esperto, e virar o próximo hype, porque as pessoas, os leitores, elas não vasculham e não vão atrás dessas novidades.

Pode-se questionar a linha de raciocínio com o argumento vantajoso da isenção: “ora, as pessoas não ouvem música profissionalmente e têm mais o que fazer no dia a dia do que ficar indo atrás de novidades”. Então, que deixem “profissionais” fazerem isso, certo? Que não reclamem de jornalistas e resenhistas profissionais tentando enfiar goela abaixo uma banda nova por semana – esse é o trabalho deles, por certo, mas você vai engolir? É claro que não deveria. Esse trabalho deveria ser seu também.

As bandas nacionais, então, a desvantagem que elas levam nesse processo chega a ser cruel.

A lição que se tira daí deve vir de outro alicerce. As pessoas não têm preguiça de descobrir músicas ou bandas novas ou algo que o valha – isso não é assim tão importante, afinal. Elas têm preguiça é de pensar – e reagir. O que você, enfim, faz com a liberdade que ganhou de ouvir o que quiser, na hora que quiser?

Ao colocar na balança um mínimo de histórico musical relevante ao seu gosto pessoal, um pouco de informação sobre o assunto (jornais e revistas não faltam no nosso cotidiano internético) e um pouco de bom senso, é possível discernir o que é armação, mutreta e o que vale ser edificado, descartando o que é ilusório. Você deve construir seu próprio “hype” e, por outro lado, deve estar preparado pra que ele possa ser destruído. E também, nesse caso, não será nada pessoal.

Porque, como diria a música, “quem não reage, rasteja”. Deixe que destruam seus ídolos. Se não gostar, esteja preparado pra contra-argumentar à altura. Esteja preparado pro embate, pra discutir, pra bater de frente – não há mal nenhum nisso e pode até ser divertido. Se mesmo assim seus ídolos forem destruídos por quem quer que seja, por qual mente que se dê ao trabalho, não ligue, não tome como uma pendenga pessoal. Mas, se seu sangue não for de barata e você ainda vestir ferrenhamente a camisa do seu destroçado ídolo, lembre-se: deixe a preguiça de lado e entrone novos ídolos. Candidatos por aí há aos montes.

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