Esse não é um texto crítico sobre o primeiro final de semana do Rock In Rio 2013. Não é uma resenha, se é isso que você espera ler. Não estive lá, só vi pela tevê, então não faz sentido.
Mas há muito mais no Rock In Rio pra se ver do que a música. Provavelmente, o olhar atento do leitor terá observado que na verdade a música tem uma importância menor no final das contas. O que importa é o evento. E mais do que isso, o que importa é estar no evento.
Chamou atenção uma entrevista realizada por uma das circenses repórteres do canal Multishow, durante a condução atabalhoada dos intervalos entre os shows. Um casal vindo do interior de São Paulo estava na grade, esperando pra ver sabe-se lá qual artista, havia chegado ao local às sete da matina, mas não tinha dinheiro pra comer, beber e até mesmo pra chegar à rodoviária. Tinha apenas as passagens de volta pra casa.
O retrato é simbólico. Havia não só esse casal, mas um bocado de pessoas na grade (e possivelmente no evento todo) que fizeram de tudo pra ir ao Rock In Rio, pra estar no Rock In Rio, como fazem esforços de orçamento pra comprar uma tevê de última geração, ou um carro em trocentas prestações.
O que se vê aqui é a nova classe média (baixa, ou a tão falada classe c) surgindo com sua força de desejo de inclusão. Um desejo legítimo, depois de décadas, gerações como expectadora de uma elite massacrante e gastadora, com acesso a tudo, e esfregando na cara de quem não pode as belezas ou alegrias que o mundo oferece. Dentre essas alegrias, artistas pop, celebrações como o Rock In Rio.
O evento é um produto como uma tevê ou um carro. Custa caro, entretanto, e exige tantos sacrifícios quanto. O ingresso não é acessível a todos os orçamentos, muito menos aos orçamentos mais apertados. Mas em busca dessa inclusão, graças a uma economia mais horizontalizada, orçamentos mais apertados podem se dar ao luxo de extravagâncias em prol dessa sensação de inclusão, de participação. A elite vai, mas a classe c também pode.
Isso não é um problema. É um avanço. Um avanço social, embora um avanço truncado, perigoso pois feito na marra, vendido pela mesma elite e comprado com fervor pela outra ponta.
É uma roda que se move no mesmo eixo. E a venda ainda é feita por aqueles meios que na época de segregação econômica mais acentuada cultivaram tais desejos agora mais acessíveis.
São as rádios que tocam a mesma música chinfrim, baba e vazia (de Beyoncé e Alicia Keys, idênticas nos clichês, a Jessie J, tão descartável quanto o celular de última geração será quando chegar a próxima geração de celulares). É a Rede Globo com seus ideais de riqueza e beleza relacionados aos de Hollywood (o que gera aplausos a aberrações como Justin Timberlake). É a mídia geral que preguiçosamente insiste em estabelecer bandas como Capital Inicial, Jota Quest, Nando Reis etc. pela consolidação de um sistema de comissionamento (ou jabá) que se perpetua.
Veja na íntegra o show de Justin Timberlake (domingo, 15 de setembro):
Obviamente que a massa (de qualquer classe social) é impactada e responde a esses impulsos: quer ver os artistas que dizem pra ela que são os melhores, os mais relevantes e importantes. A bolha se fecha. É só cobrar a conta.
No caso do Rock In Rio, essa conta vem na forma de um evento grandioso, com globais participando nas áreas VIPs; artistas objeto de desejo popular, “na crista da onda”, tomando os palcos; vitrines menores com artistas menores lustrando com credibilidade as páginas de cultura dos jornais e sites; transmissão maciça nas tevês aberta e fechada; cobertura insistente, superlativa e elogiosa nos telejornais da Rede Globo; e o boca a boca nas redes sociais.
Há quem possa pagar essa conta, há quem não possa e não paga, e há quem não possa e se desdobra pra pagar ainda assim. Ninguém quer, a essa altura do campeonato, criar consumidores responsáveis, que comprem só o que o bolso pode pagar. Querem qualquer consumidor (e, pelo visto, querem maltratá-lo). O Rock In Rio, como qualquer festival, pra qualquer nicho, é um evento social e não cultural ou artístico. As pessoas querem estar lá.
Não se trata, pois, de ter rock no Rock In Rio ou não (tem, é bom que se lembre sempre: de Muse e Offsgring a Bruce Springsteen e Iron Maiden, é bom que se lembre de que há guitarras, sim). É bacana que o evento seja diverso: diversidade de estilos, diversidade de público, diversidade consumidores. É bom ver que há mais gente querendo comprar cultura, mesmo que seja nessa atual “política do check-in” pros amigos das redes sociais.
Aqui se trata do principal: festivais precisam ser economicamente viáveis. Cada empresário busca sua saída pra isso. O Rock In Rio busca no popularesco a sua saída. Não se incomode, então, o festival talvez não seja pra você, basta não ir.
E não se assuste se na próxima edição uma das formas de pagamento for um carnê tipo Casas Bahia. Os preços ainda são “de elite”, mas o alvo é uma demanda reprimida que o crescimento econômico no Brasil tratou de tornar viável. Mesmo que a duras penas.
Veja na íntegra o show do Muse (de sábado, dia 14 de setembro):
Parei de ler no “Justin Timberlake aberração”
[…] Se a resposta for “sim, precisamos”, é de se questionar, pois, ser estamos preparados pra isso. A resposta tende a um sonoro “não”. Sempre há de existir problemas, os pontuais. É normal. É aquela velha história de não se conseguir agradar a todos – e não estamos falando de curadoria artistica, essa praticamente impossível (como falamos na primeira parte do especial RiR 2013). […]