PENSE OU DANCE: SOBRE A TAXA DE CONVENIÊNCIA, NADA MUDOU

Todo produto precisa ser vendido. Pra ser vendido, todo produto precisa chegar ao conhecimento do público. Pra ser vendido, todo produto precisa ser oferecido num canal de vendas, caso contrário o público não terá acesso a ele e não poderá realizar a transação comercial. Parece óbvio “demais”, mas às vezes é preciso ser assim.

Imagine uma lanchonete. Ela oferece sanduíches variados, deliciosos e de receitas inovadoras. Daí, aluga um espaço, reforma esse local, coloca música, paga ECAD, paga os impostos, contrata chapeiro, limpeza, garçons, gente pro caixa, paga os tributos trabalhistas e, além de pães, carnes, queijos, ovos, bacon, molhos, tudo isso compõe o preço final do produto.

Um dia, o dono da lanchonete percebe que esse custo tá muito alto e que não pode aumentar o preço dos sanduíches pra compensar porque a clientela fugiria. Ele resolve, então, fechar o local, trocar por um espaço menor e ao invés de receber os clientes, só vende pela Internet.

O custo, que é dele, de aluguel de espaço, mão de obra de atendimento (com tributos trabalhistas etc. e tals) deixam de figurar na sua planilha mensal. Que bom! Agora, ele pode inclusive baixar o preço dos sanduíches! Mas, peralá, pra quê, né? Esses cortes viram… lucro maior!

E ele tem uma ideia ainda mais genial: vai vender tudo pela Internet. Se o cliente não quiser pela Internet, ele terá que ir até o ponto onde ele faz os sanduíches e esperar no carro. Ou na fila, se se formar uma fila. É mais conveniente pro cliente comprar pela Internet, então.

Por ser mais conveniente, o empresário passa a cobrar uma “taxa de conveniência” de vinte por cento pela compra total, só pela comodidade de não ter que ir até lá comprar. Veja bem, ele cobra uma porcentagem da compra e não um valor fixo pelo serviço de conveniência.

Entrega? Não, pra quê? O cliente precisa retirar os sanduíches no local! E se tiver fila pra retirar os sanduíches? Ah, paciência, afinal quem quer muito comer esse sanduíche de receita inovadora pode aguentar uma filinha de nada, né, não? Se quiser que o sanduíche seja entregue em casa, cobra-se uma taxa a mais pela entrega.

Parece absurdo? É exatamente o que acontece quando a gente compra ingresso pra show na maioria dos canais de vendas específicos na Internet.

Apesar de todos esses canais ainda terem bilheterias físicas, normalmente no próprio local do show e com pessoal terceirizado (usualmente pessoal da casa de espetáculos), é de se imaginar o quanto eles reduziram de custo ao dispensar toda a mão de obra. Mesmo assim, cobram a taxa de conveniência em porcentagem de venda (e não um custo fixo) e o cliente tem que retirar o ingresso nas bilheterias físicas, caso contrário deve pagar também uma taxa de entrega.

Sem mencionar que clientes de fora da cidade onde se realiza o espetáculo não teriam como se dirigir aos pontos físicos de venda, de modo que a Internet deixa de ser uma conveniência e passa a ser o único canal de vendas que o empresário tem pra alcançar tal cliente. É, mais uma vez, conveniente ao empresário antes de tudo.

Segundo o Procon e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a taxa de conveniência só pode ser cobrada se de fato for oferecida uma conveniência. Do jeito que está atualmente, a única conveniência é da empresa que vende o ingresso, já que, como vimos, reduz bastante seu custo de operação, maximizando seus ganhos. Pro Procon e pro Idec conveniência seria o espectador receber o ingresso em casa, sem custos a mais. Se ele tiver que retirar na bilheteria a taxa não poderia ser cobrada.

Cobrar porcentagem pela compra, a título de taxa de conveniência, também é um absurdo. Caso houvesse de fato conveniência, deveria ser cobrada uma taxa pelo serviço, um preço fixo, que cobraria a manutenção do servidor, da segurança do site etc. A diferença é enorme. Cobrando uma porcentagem, a taxa obviamente varia de acordo com a compra e aumenta conforme mais produtos são adquiridos.

“Sobre o ponto em questão, o entendimento do Idec é de que há total desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor, visto que a cobrança sobre percentuais do valor nominal de cada ingresso é considerada prática abusiva, pois o mesmo serviço, ou seja, a mesma conveniência, teria preços diferenciados em relação aos diversos preços dos ingressos (exemplo: no caso de shows – pista premium/VIP, pista comum, arquibancada etc. -, tem preços diversificados de ingressos). Logo, um ingresso mais caro tem taxa mais alta e isso caracteriza, além de cobrança manifestamente excessiva em relação ao consumidor e elevação sem justa causa do preço do serviço, uma infringência à ordem econômica, tendo em vista que o serviço prestado é o mesmo para todos os pagantes”, escreveu neste artigo Christian Printes, do Idec.

Apesar da ilegalidade flagrante, as empresas seguem cometendo, a despeito das multas que já foram aplicadas. Isso porque a fiscalização é precária, mesmo em um universo reduzido, e porque há pouca denúncia. As pessoas simplesmente não acreditam mais que os órgãos reguladores vão aplicar alguma sanção às empresas ou perceberam que as empresas não se incomodam com essas sanções (usualmente multas).

Pra se ter ideia, até hoje a Livepass recebeu um total de apenas trezentos e cinquenta mil reais de multa. A T4F só foi multada em pouco mais de quatro milhões de reais. No ano de 2017, apenas cinquenta reclamações foram feitas contra a T4F no Procon de São Paulo. As denúncias podem ser feitas pela telefone 151 ou pelo site (clique aqui).

Em 2011, nos Esteites, a Ticketmaster entrou num acordo pra restituir a taxa de conveniência cobrada num período anterior de doze anos (leia aqui). Aqui, você pode ler a lei que regula a cobrança da taxa no Rio de Janeiro. E um projeto de lei nacional referente a isso foi arquivado (N.º 3.323-A, DE 2012).

Estamos em 2018. Mas em 2013, eu mesmo já havia escrito sobre esse mesmíssimo assunto – leia aqui pra comparar e ver que de fato nada mudou. Nada. Não há nenhuma perspectiva que mude, a não ser (talvez) que haja denúncias em massa ou que algum deputado consiga aprovar uma lei como a N.º 3.323-A, DE 2012.

Por enquanto, seguimos sendo desrespeitados como consumidores e cidadãos.

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