Nem os ateus escapam de dogmas e preconceitos, embora tenham certeza que estão imunes a eles. Certamente a contradição desse raciocínio se dá porque a ignorância que abraça as pessoas, sejam religiosas ou não, crentes a um ser sobrenatural, a deuses quaisquer, ou não, distorce a visão do óbvio: é a ciência que deveria guiar seus pensamentos, ações e a percepção geral da vida e do mundo.
Até porque é a ciência que menos “acredita” em si própria. Ela está sempre banhada na dúvida, na inquietação, na busca por uma “verdade” que ainda não descobriu e que virá a ser uma “verdade” a ser desmontada. A ciência não vive de dogmas.
“A Ciência e o método científico são o oposto do dogma. Esta é justamente a sua beleza. Ao contrário da Religião, onde a premissa do fiel é a fé, na Ciência é preciso duvidar. O processo científico não é impulsionado por certezas, mas por dúvidas. E é por causa delas que usufruímos das descobertas impressionantes que se fazem presentes em todas as áreas do nosso cotidiano. Enquanto na Religião é imperativo crer, na Ciência é obrigatório duvidar, testar, provar. A incerteza é, portanto, matéria primordial da Ciência. É sua força – e não sua fraqueza”, disse Eliane Brum, num recente e interessante texto na sua coluna da revista Época, sobre como um terremoto na Itália, em 2009, acabou condenando sete pessoas à prisão, quatro delas cientistas.
“O ponto principal contra a decisão da Justiça, presente em todas as manifestações, é: ‘a Ciência, hoje, não tem meios para prever um terremoto. Logo, os cientistas não podem ser responsabilizados por algo que está além da sua capacidade’. A questão que me parece interessante pensarmos é justamente o avesso: por que o tribunal e a população acreditaram que a Ciência poderia prever o terremoto, a ponto de centenas perderem a vida e milhares perderem suas casas em nome dessa crença? (de que a ciência poderia prever algo que não tem capacidade ainda)”, atenta a colunista.
Sim, por pura ignorância, os moradores tinham fé, acreditavam, que os cientistas podiam prever o mal maior e avisá-los com antecipação. Não sabiam que não há métodos científicos seguros e determinantes pra perver terremotos. Ficaram esperando um posicionamento dos cérebros da ciência e pediram “justiça”, baseado no fato de que, “ao subestimarem a possibilidade de ocorrer um terremoto de grandes proporções, teriam levado as autoridades a não tomarem providências e a população a não se proteger”.
O exemplo extremo acima é uma boa maneira de demonstrar que uma crença religiosa não está diretamente ligada à estupidez dogmática. Qualquer um, mesmo livre das trevas e da cegueira religiosa, está sujeito a se ver diante de “verdades” preconceituosas que levam a um erro de julgamento. Nem sempre erros fatais como esse, mas erros que podem causar prejuízos enormes, inclusive financeiros e culturais.
Refiro-me aos erros de julgamento de empresários e promotores de shows musicais. O que faz um empresário apostar em determinado artista pra vir tocar no Brasil? Certamente, em primeiro lugar, o lucro. Ninguém trabalha de graça etc. Pode-se incluir aí na resposta, além do dinheiro, a satisfação pessoal, a credibilidade, a ousadia e até mesmo um investimento pra se posicionar no mercado (existem empresários com as mais variadas intenções e muitos bem sucedidos, que respeitam o público e cobram ingressos dentro da razoabilidade, de modo que todos ganham).
Entretanto, se em todas as alternativas, o empresário também quiser ganhar um dinheiro, o que ele faz? Acredita no que lê nos sites, blogues, revistas, jornais e redes sociais sobre o que o público deseja ver e ouvir? Crê nas paradas de sucesso ou no que a MTV diz que “vende”? Fia-se na distribuição de direitos de entidades como ECAD, que por sua vez se baseia em dados quaisquer de exibição pública no país?
A resposta não está em nenhuma dessas alternativas. Elas são bons termômetros – que não devem ser ignorados – mas são apenas termômetros. Entre o que esses canais dizem e o que o público está disposto realmente a consumir há uma enorme distância e basear suas “verdades” nesses parâmetros pode levar a um erro de julgamento que vai afetar as vendas e, claro, os desejáveis lucros; e consequentemente o calendário de shows no país. Não parece pouca coisa.
Num ambiente cada vez mais competitivo como esse, onde o público deseja cada vez mais opções e novidades e com mais qualidade, não há espaço pra aventureiros ou não deveria haver.
O que faz o empresário? Não se sabe ao certo. O ideal seria o óbvio: buscar em pesquisas de mercado o sabor do vento que leva o desejo desses consumidores. Mas isso também não funcionaria a todos. Eventos grandes, como os festivais do porte de Rock In Rio, Lollapalooza e afins, devem fazer isso, é mandatório. O caso é que essas pesquisas são caras – quanto mais precisas o empresário deseja que elas sejam.
Mas isso não quer dizer que empresários menos robustos, que apostam seu parco dinheiro em nome alternativos, por exemplo, não devam se resguardar de informações precisas. Qualquer contato com o público, um levantamento de intenções que seja, uma enquete, um filtro entre o público-alvo, já diminui bastante as chances de risco.
Casos como o da Lady Gaga e da Madonna, em 2012, em que só os ingressos VIPs se esgotaram, além de Joss Stone e outros tantos que acabam cancelados “por problemas de logística”, são exemplares. O que há de errado com esses nomes?
Teoricamente, nada. Madonna é Madonna e não há empresário que não creia no sucesso certo de uma estrela dessas. Mas a questão não passa apenas por quanto ela é famosa ou o quanto ela vende ou arrecada no mundo inteiro, é preciso projetar quantas pessoas estão realmente com intenção de comprar ingressos aqui no Brasil pra vê-la. E aí é um raciocínio que vale pra todo nome, desde aquele subterrâneo, que sessenta ingressos é sinônimo de sucesso, até a Lady Gaga ou o Rock In Rio.
Sem essa projeção de compras, o evento vira uma roleta russa – e nem adianta descolar uma entrevista exclusiva no Fantástico pra tentar remendar.
O cinema estadunidense, dos grandes estúdios, com algumas centenas de milhões de dinheiros em jogo, faz exibições-teste desde que o mundo é mundo. Gasta bastante em pesquisas de popularidade de seus astros – e certamente tem outros gatilhos. Mesmo assim também erra muito, porque é um mercado global e bem mais complexo. Há quem diga que perderá a relevância em breve.
Se nem Hollywood com todo aquele dinheiro investido em publicidade, em pesquisas, em tecnologia e em autopromoção consegue assertividade total, não dá pra esperar que empresários locais, de negócios locais, com muito mais chance de acerto, ainda se fiem em “achismos” de disse-me-disse online.
O mercado brasileiro de shows internacionais de todos os tipos, públicos e envergaduras ainda tem um bom espaço pra crescer. Ainda precisa se consolidar. Tem que travar bases que não dependam do balanço das economias vizinhas (pra ratear custos).
Por isso, é até positivo quando empresários mal preparados se estrepam, como foi o caso do Metal Open Air, em São Luís do Maranhão. Mesmo que infelizmente um bocado de gente se dê mal nesses “ajustes” de mercado, as quedas servem como exemplo pra que a tragédia não aconteça de novo (embora a lista de festivais cancelados seja grande, inclua aí o GreenFest, que aconteceria em Curitiba, em 2012, e até o ATP no Japão, por baixa venda de ingressos, pra se ter uma ideia de como o problema é global), bandas, fornecedores e até público ficam descolados com certas figuras, que devem ser expurgados do cenário – é o que se torce, seria o ideal.
O caso da Lady Gaga, pode ser uma série de fatores, que só quem tem a planilha de custos pode dizer. Toda análise sem essa planilha é chute. Mas dá pra se ter uma ideia: o fracasso pode estar ligado aos preços altos, ao excesso de shows concorrentes (como o da Madonna), ao mal planejamento, à péssima mecânica de divulgação, à supervalorização do potencial de mercado da artista, e à proximidade com o final de ano, concorrendo com compras de Natal e as férias de janeiro (é provável, já que é um público que trata esses eventos como mais um produto, assim como uma calça jeans ou uma semana num cruzeiro ouvindo axé). Pode ser um composto desses fatores, difícil que seja só um deles.
O fato é que se não há uma ciência exata por trás da escolha do nome do artista, há ferramentas que podem diminuir o equívoco sobre o que o público realmente deseja consumir. Como no terremoto na Itália, ainda não há como prever com precisão se vai tudo desmoronar quando um evento é colocado de pé. É preciso se afastar das “verdades” pré-concebidas construídas “aqui e ali”, na base do achismo. A diferença é que no mercado de espetáculos a simples prudência pode evitar desastres.
Acredito também que muitos fãs da Lady Gaga, são adolecentes ou jovens adultos que não teriam condições finaceiras de ir a um show desses. Lembrando que tudo é muito caro, especialmente para quem está começando uma vida profissional, em que pese a melhoria econômica nacional nos últimos anos .
No caso da Gaga eu ainda acho que perderam o “timing” da coisa, se trouxessem qdo ela estourou com Bad Romance fatalmente faltaria espaço, era difícil até de imaginar como trazer um show desses sem deixar ng pra fora, mas hj ela não tem a relevância de outrora e a Madonna conseguiu se tornar ainda mais surperficial, ainda aposto no cancelamento de uma das datas…