PESQUISA MOSTRA DESIGUALDADE ÉTNICA E DE GÊNERO NA INDÚSTRIA DA MÚSICA

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A luta por igualdade de oportunidades é recente, dentro do espectro do mundo chamado “civilizado” (sim, se há discriminação, o adjetivo tem que vir entre aspas). Nem bem fez cem anos, por exemplo, que as mulheres conquistaram o direito básico ao voto o primeiro registro de uma eleitora é de 1926, calcule aí o atraso civilizatório.

Nem mesmo no campo das artes, tido como mais flexível, abrangente e progressista, as minorias conseguem espaço. Não com as mesmas oportunidades.

Antes que algum imbecil fale de “mérito” (essa, definitivamente, uma palavra pessimamente usada nos tempos atuais), é preciso recorrer à ciência, mesmo que imbecis costumeiramente não acreditem na ciência.

No Reino Unido, a UK Music divulgou recentemente seu terceiro relatório sobre diversidade na indústria musical, com um raio x da força de trabalho nesse setor da economia que movimenta bilhões em dinheiro e emprega milhões de pessoas mundo afora.

A primeira pesquisa foi lançada em 2016, após a formação da UK Music Diversity Taskforce em 2015.

O foco da pesquisa é em etnia e gênero, em como são distribuídas essas forças.

Ao todo, segundo o UK Music, 3.670 pessoas responderam à pesquisa (é um universo 33% maior do que a primeira, em 2018, quando o número foi de 2.748).

Dos entrevistados 22,3% identificaram-se como negros, asiáticos ou minorias étnicas. Trata-se de um aumento de 4,5 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2018, quando o número era de 17,8% e mostra que o setor segue em uma direção positiva.

Além disso, 49,6% dos entrevistados da pesquisa foram mulheres (se identificaram como mulheres, já que há trans no meio). Esse número aumentou ligeiramente em 0,5 ponto percentual, de 49,1% em 2018.

Já os homens foram 48,8%. O percentual dos que optaram por não responder à questão foi de 1,1% e 0,5% não se identificou com o gênero binário.

“Como tal, não podemos afirmar de forma conclusiva que as mulheres superam os homens na indústria, apesar da maior proporção de entrevistadas do sexo feminino”, explica a UK Music, em seu relatório final (completíssimo aqui).

Nele, ficou demonstrado que diversas forças de trabalho aumentam a criatividade e a receita das empresas.

A pesquisa de 2020 revelou um aumento significativo na representação de minorias negras, asiáticas e étnicas em todas as idades em comparação com os resultados da pesquisa de 2018. O maior aumento está na faixa etária de 35 a 44 anos, com alta de 5,2 pontos percentuais, passando de 17,4% em 2018 pra 22,6% em 2020.

Na faixa acima de 65 anos houve um aumento de 4,7 pontos percentuais, de 8,9% em 2018 pra 13,6% em 2020, o que é uma grande melhora em relação à queda de 1,3 ponto percentual observada de 2016 a 2018.

A maior concentração de representação em todas as faixas etárias, quando medida em comparação com a porcentagem total de entrevistados de uma minoria étnica, está na faixa de 16-24 anos com 30,6%.

O número de pessoas de origem negra, asiática ou de minoria étnica diminui à medida que a idade dos entrevistados aumenta, com apenas 15,7% na faixa de 45-64 anos vindo de uma origem minoritária e caindo novamente pra 13,6% pra os maiores de 65 anos.

Segundo os pesquisadores, “é encorajador ver aumentos na representação em todos os níveis de idade”. No entanto, há uma queda significativa à medida que a força de trabalho envelhece. Isso pode destacar que, embora os empregadores estejam investindo em como diversificar o recrutamento, há muito mais no que pode ser feito pra reter essa força de trabalho, como o desenvolvimento de culturas inclusivas no local de trabalho e mentoria pra pessoas de origem negra, asiática e de minorias étnicas.

A pesquisa de 2020 mostra um aumento na representação feminina em quase todas as idades em comparação com os resultados da pesquisa de 2018. O maior aumento de representação encontra-se na faixa etária acima dos 65 anos, com mais 3,7 p.p., passando de 14,5% em 2018 pra 18,2% em 2020.

A maior concentração de representação feminina em todas as faixas etárias, quando comparada com a porcentagem total de respondentes, está na faixa etária de 16 a 24 anos. Semelhante à pesquisa de 2018, quando o número era de 65,3%, ante 66,3% em 2020.

A representação feminina diminui constantemente com o aumento da idade, tal como no caso das etnias. A representação feminina cai pra 49,7% na faixa de 35-44 e cai novamente pra 35% na faixa de 45-64. A faixa etária de 45 a 64 anos é o único setor que apresentou queda, recuando 2,9% em relação ao apurado em 2018, quando o número era de 38,7%.

Esta representação decrescente em grupos de idade mais avançada destaca as barreiras que podem existir pra mulheres com 45 anos ou mais – e isso é bastante importante, porque mostra uma barreira que as mulheres enfrentam com a idade.

Responsabilidades de cuidado desiguais podem ser uma das causas disso. Nos últimos anos, tem havido um foco na melhoria do apoio às mães que trabalham na indústria da música, incluindo políticas de maternidade mais robustas e aumento da orientação pra mulheres que estão em licença-maternidade, mas esse declínio constante indica que pode haver mais a ser feito pra apoiar as mães em suas carreiras.

“Esta é apenas uma razão potencial pra este declínio, e mais pesquisas precisarão ser feitas pra entender a miríade de razões complexas pelas quais as mulheres, e as de origens negras, asiáticas e de minorias étnicas, não permanecem em nosso setor”, reflete a UK Music.

Pra pesquisa de 2020, as faixas de carreira foram simplificadas a fim de obter uma imagem mais precisa.

Os entrevistados foram convidados a identificar em qual categoria eles colocariam sua carreira. O relatório de 2018 mostrou um aumento de 11,4 p.p. nas pessoas de origem negra, asiática e de minorias étnicas no nível inicial, de 23,2% em 2018 pra 34,6% em 2020.

Houve também um aumento de 6,9 p.p. em cargos de aprendiz e estágio, de 35,2% em 2018 pra 42,1% em 2020. Isso indica que um número maior de aprendizes e estagiários de origens negras, asiáticas e de minorias étnicas está conseguindo continuar sua carreira na indústria da música.

Houve também aumentos no nível de gestão de 5 p.p., de 16,6% em 2018 pra 21,6% em 2020; e nível sênior, em 2 p.p., de 17,9% em 2018 pra 19,9% em 2020.

Ou seja, pessoas de origem negra, asiática ou outras minorias étnicas estão super-representadas nos níveis de carreira mais baixos e sub-representadas nos mais altos. Eles representam 42,1% dos aprendizes ou estagiários, mas apenas 19,9% dos executivos de nível sênior.

Este, claro, não é um desafio exclusivo da indústria musical. É da sociedade.

A pesquisa também sugere que dois terços dos participantes da indústria da música agora são mulheres. No nível de aprendiz e estagiário, 66,7% dos se identificaram como mulheres, em comparação com 26,7% que se identificaram como homens.

No nível mais iniciante, 64,7% dos entrevistados eram mulheres, enquanto 31,4% eram homens. As mulheres também estão bem representadas no nível médio, com 51,2% das mulheres, em comparação com 45,7% dos homens. No nível sênior tudo muda, com 40,4% dos entrevistados nesta categoria se identificando como mulheres e 56% como homens.

Há um declínio constante na representação feminina à medida que os níveis de carreira aumentam, sugerindo que as empresas e organizações podem precisar olhar pra políticas pra apoiar talentos diversos ao longo de sua carreira.

De novo, não é um problema exclusivo da indústria musical. O relatório Sex and Power 2020, da Fawcett Society, descobriu que 23% dos CEOs de entidades profissionais eram mulheres, uma queda em relação aos 30% aferidos em 2018.

E, óbvio, há o problema dos salários.

A pesquisa também observou a proporção geral de representação de minorias e sua proporção em cada faixa de renda.

A pesquisa detectou que em empresas menores, aqueles que ocupam cargos seniores podem receber salários proporcionalmente mais baixos, o que é compreensível.

As minorias estão altamente representadas nas faixas de renda mais baixas, em comparação com o número total de entrevistados, com 33,6% ganhando menos de £15.000, sendo 59,4% mulheres.

Na extremidade superior do espectro, apenas 12,2% daqueles que ganham mais de £100.000 fazem parte de uma minoria étnica, e 28% eram mulheres.

Vale lembrar que uma libra esterlina compra 7,16 reais brasileiros, na cotação de 16 de novembro de 2020. Faça as contas.

Desde 2017, as empresas com mais de 250 funcionários devem relatar as disparidades salariais entre homens e mulheres. O aumento da transparência sobre as disparidades salariais ajudaria a destacar as questões enfrentadas pelas mulheres e pessoas de minorias étnicas.

Embora seja importante examinar os dados em torno de características como etnia e gênero por conta própria pra avaliar as mudanças, também é fundamental examiná-los de um ponto de vista intersetorial.

A interseccionalidade é a estrutura por meio da qual a experiência única de discriminação e opressão de uma pessoa pode ser compreendida, considerando múltiplas categorizações sociais, como raça, gênero, deficiência e sexualidade.

Isso no Reino Unido. Falar de Brasil é um tanto mais complicado porque não há nem ao menos sombra do que seja uma “indústria musical”. Talvez na música ultrapopular, com os sertanejos universitários, com os MCs populares das periferias… Mas não há o que a UK Music chama de “empresas” constituídas, onde se possa criar uma carreira. Por isso, não há de se falar em “indústria”.

Mas a lógica vale pra outros setores da economia.

No Brasil, por exemplo, só 8,6% dos assentos em conselhos de administração são ocupados por mulheres. A conclusão é do estudo “Women in the Boardroom” (“Mulheres nos conselhos de administração”), divulgado pela consultoria internacional Deloitte com exclusividade pra Universa, do UOL.

Os negros também são minoria em outras posições de comando e mais bem remuneradas. Ocupam 8,9% dos cargos de nível pleno, percentual que sobe pra 13% entre brancos. Em cargos de alta e média gestão, os negros são 8,3%. Nas posições de gerência, os negros são apenas 3,4%. Em cargos de direção, só 0,7%. Os negros só são maioria frente às demais raças em posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%), de acordo com matéria da TV Cultura.

Os salários também são significativamente menores do que os de homens brancos.

É um problema, como dito, da sociedade como um todo. Quando a Magazine Luiza, uma das maiores empresas varejistas do Brasil, lançou um programa de trainees só pra pretos, foi acusada do absurdo dos absurdos do “racismo reverso”, como se isso existisse.

A pesquisa tão detalhada da UK Music, como tantas outras nessa seara, só mostra que a humanidade ainda está muito longe de acertar o compasso pra ser chamada de “civilizada”.

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