Frio congelante. Sensação térmica de termômetros negativos. Na frente do Carioca Club, em São Paulo, uma fila que lembrava os áureos tempos do Espaço Retrô, na Santa Cecília, ou do Morcegóvia, ou até mesmo do Nïas: dezenas de pessoas de preto, com casacos pesados recém extraídos do fundo do armário e das memórias de vinte anos atrás, esperavam sua vez de entrar.
Ao contrário daqueles tempo tumbais, de seriedade forçada, do anti-riso, aqueles quarentões e cinquentões estavam transbordando alegria, entre moicanos (!?), tatuagens e maquiagens exageradas, afinal um dos ícones dos dramas góticos, Peter Murphy (de 56 anos), vocalista do Bauhaus, subiria ao palco dali a pouco – e pra tocar só clássicos do Bauhaus.
Uma outra felicidade viria bem a calhar, mas essa por parte do artista: Murphy, cansado e com a voz falha, encerraria aqui sua longa turnê de cem shows, celebrando os trinta e cinco anos do Bauhaus, a “Mr. Moonlight Tour”. Assim, os paulistanos podem se considerar privilegiados, porque a felicidade da banda era latente, parecendo querer dar o último gás pra entreter os pagantes.
E que banda!
Nick Lucero (bateria), Mark Gemini Thwaite (guitarra) e Emilio DiZefalo (baixo e violino) acrescentam muito à música do Bauhaus, com distorções, peso e agressividade. Principalmente Lucero (que só se embananou no epílogo modernoso de “She’s In Parties”). Passou uma leitura moderna – mais do que saudosista – e isso fez toda a diferença pra apresentação, que podia se limitar ao “mero tributo”, embora a maioria talvez estivesse esperando ver no palco um artista de sorumbático saudosismo.
Não, Peter Murphy está olhando pra frente. Antes de subir ao palco, um vídeo com pequenos trechos de todas as canções do seu novo trabalho foi apresentado. “Lion” chega às lojas no começo de 2014. Pouco impacto causou. Nessa noite, a audiência não pedia o futuro, pedia o passado. Havia um desejo de revivência. Compreensível.
Só que o artista, mesmo sabendo disso, está em outra época, mais atual. Sua banda não se faz de rogada ao trazer os estranhamentos das canções originais ao novo século. Que sábia decisão! Sim, o Bauhaus pareceu nessa noite tão moderno quanto há três décadas e mesmo os saudosistas se renderam a essa atualidade bem vinda.
Se o show começou arrastado, logo na terceira canção, Murphy deu aos fãs motivos pra cantar juntos e arriscar danças entranhas: “Double Dare” fez uma turma ao meu lado gritar que “agora, sim, o show começou!”, entusiasmo respaldado pela sequência matadora com “In The Flat Field”, “God In An Alcove” e “Boys”.
Uma nova sequência de arrepiar se fez com a clássica “Bela Lugosi’s Dead” (menos impactante ao vivo), “Kick In The Eye” (talvez a melhor do show), “The Passions Of Lovers” e “Stigmata Martyr”, antes de chegar ao bis. Nesse ponto, já havia gente suando de tanto dançar, bater cabeça, cantar com os pulmões cheios, ou qualquer coisa do tipo. Lá fora, na rua, é bom lembrar, os termômetros esfriavam cada vez mais.
O som era alto, alto mesmo (e claro, limpo, audível), embora não pra quem estivesse embaixo da cobertura dos camarotes, onde o som simplesmente variava até sumir por vezes. O Carioca Club é um bom local pra eventos desse porte, respeitando o consumidor – ao lado do metrô Faria Lima, encerrou o show meia hora antes do fechamento da estação, facilitando a volta tranquila pra todos. Mas ainda há erros, como o gargalo pro consumo de bebidas.
Quem estava lá, de olho no palco, ouvidos atentos, pouco se importou. O público só ganhou. Porque no bis, Peter Murphy, após uma emocional e densa apresentação de “Hollow Hills”, conseguiu convencer Wayne Hussey (que mora em São Paulo), do The Mission, presente nas frisas, dançando e cantando junto, a ir ao palco, pra interpretar uma versão caótica de “Telegram Sam”, do T. Rex, e de “Ziggy Stardust”, do David Bowie, duas coveres famosíssimas no repertório do Bauhaus.
Fim da turnê – e com isso, Peter Murphy encerra uma dívida com fãs mais novos e de outros países que nunca ouviram ao vivo as góticas canções de sua infância. O passado voltou, revigorado. O futuro do artista, então, é o próprio Peter Murphy, não o Bauhaus, que agora pode ser enterrado, caixão fechado na memória e na história dos muitos fãs – nesse momento ainda mais felizes.
01. King Volcano
02. Kingdom’s Coming
03. Double Dare
04. In The Flat Field
05. God In An Alcove
06. Boys
07. Silent Hedges
08. Endless Summer Of The Damned
09. Spy In The Cab
10. A Strange Kind Of Love
11. Bela Lugosi’s Dead
12. Kick In The Eye
13. The Passion Of Lovers
14. Stigmata Martyr
15. Dark Entries
BIS
16. Hollow Hills
17. She’s In Parties
18. Telegram Sam (T. Rex cover)
19. Ziggy Stardust (David Bowie cover)
Abaixo, três vídeos, quatro músicas. Na ordem, “In The Flat Field”, “Bela Lugosi’s Dead” e o combo com Wayne Hussey “Telegram Sam” e “Ziggy Stardust”. Veja:
ta faltando o ultimo video!
Demorou pra subir, mas taí. Valeu! 🙂
Só discordo q o vídeo do novo disco não causou impacto… acredito que vem material bom e pesado aí… na mesma pegada deste show, conforme dito, um tributo moderno ao passado, sem deixar de ser soturno!
Boa critica, detalhada e justa… com somente um problema : o show foi pessimo, sim alma, sim fogo, caotico, com as musicas interpretadas sim talento, e Peter Murphy sim voz. So o publico foi otimo !