PHARMAKON EM SÃO PAULO – COMO FOI

Margaret Chardiet talvez não esperasse tanta gente. O Cine Olido, que depois da reforma (virou parte de um complexo cultural em 2004) oferece 236 lugares sentados, viu todos eles ficaram tomados. Idem em ambos os corredores, até o fundo, com pessoas em pé, se amontoando pra ver a performance dessa nova iorquina que tem dois discos no currículo, ambos impressionantes: “Abandon” (2013) e “Bestial Burden” (2014).

O evento era gratuito e talvez isso tenha contribuído pra que tanta gente saísse numa sexta-feira de noite fria pra mergulhar nos sons industriais e ruidosos da moçoila, que não é exatamente conhecida no Brasil.

Ao vivo, dificilmente alguém saiu do cinema num estado qualquer que não o do espanto, conhecendo-a previamente ou não.

É que Chardiet, investida de Pharmakon, é uma performer. Parece precisar dessa pouco mais de meia hora (tempo que duram seus shows) diante de um público qualquer pra exorcizar-se, limpar a alma, se autoconhecer. É sua terapia. Pra quem não sabe, em 2013, ela achou que iria morrer, ao descobrir um cisto de grandes proporções. Está vivendo e explodindo vida em arte.

Ela grita, contorce o corpo, caminha em meio ao público, encara as pessoas nos olhos, deixa a plateia sentir seu perfume, seu hálito, sua voz, sua presença.

Nas caixas (tímidas aqui), sai um som meticulosamente armado por ela, sozinha. Chardiet tenta reproduzir fielmente o que vendeu em disco. Aciona os botões a sua frente, massacra uma bateria de metal plugada, exige o máximo das suas cordas vocais, e consegue reproduzir com bastante fidelidade sua música tal como a criou. Não há muito espaço pra improvisação. Não são ruídos e chiados desconexos. Ela sabe o que faz, tateia com cuidado o que emite. E vale por muitos. Sozinha, é uma banda inteira.

O show curto tem uma intenção estranha dentro de um ambiente provocativo: não incomodar. E não se esgotar. A sua entrega é tamanha, que ela termina exausta. O público, embasbacado. Talvez alguns minutos a mais a cansasse e cansasse a audiência, é possível imaginar.

Num cenário da não-música, o que Chardiet faz são canções de fato, não de melodias fáceis e acessíveis, mas matemática e precisa.

É uma experiência interessante de se presenciar. Um show pra ser ver sentado, de queixo caído, apresentado por uma pessoa que viu de perto a fragilidade da vida e passou por cima. Um trator que se esgoela.

Nesse show especificamente, um cidadão mal educado, na primeira fila, resolveu ficar de pé nos primeiros vinte minutos, a despeito dos pedidos pra que se sentasse e todos pudessem ver Pharmakon em ação.

Lá pelas tantas, uma moça o tirou no tapa, pra delírio da plateia. Ele, aparentemente, tentou reagir, já fora do campo de visual da maioria. Chardiet percebeu a gravidade e parou por um instante, até que os seguranças tiraram o inconveniente mala de lá.

Muitos acharam se tratar de uma performance que fazia parte do show. Não tive essa resposta e nem fui atrás pra saber. Se fizesse parte, teria sido desnecessário: a música dela não é agressiva, a despeito da forma. É uma música de superação e desabafo. Por outro lado, se fizesse parte, teria sido perfeito: quando a moça senta a mão na cara do mal educado, seria como a personificação da vitória, aquele sentimento de alívio por termos nos livrado de um problema.

Os problemas pessoais de Chardiet devem se transformar em pó, após cada show. Ela deve se sentir mais leve e satisfeita consigo, principalmente com tanta gente presenciando seus expurgos.

Depois da violência, vem a paz, a calmaria.

Veja aqui o trecho final da apresentação:

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