É incômodo constatar isso, mas tive o privilégio de estar saindo da adolescência quando o Espaço Retrô, em São Paulo, era o lugar pra se frequentar. Incômodo porque é justamente nessa fase da vida que a gente abusa do consumo disso ou daquilo, e o fato de eu ter vivido muitos dos meus finais de semana ali não quer dizer que eu lembre de muita coisa. Quer dizer, eu lembro, aquelas noites e os sons que entravam na cabeça moldaram um bocado da minha vida, mas às vezes me parecem mais flashes do que imagens realmente nítidas. Eu devia ter todas aquelas imagens claras na minha memória.
Ok que os ambientes eram escuros. Ok que muitos neurônios foram pro saco naquelas madrugadas. Mas muitos dos shows do Pin Ups ou do Killing Chaisaw (ali ou em outro muquifo) eu nem me lembro de fato, embora existam provas cabais da minha presença em tais eventos.
Dá pra lembrar que aqueles caras que estavam no palco eram tão jovens quanto a gente e eram de fato representantes dos nossos anseios, eram como se a gente mesmo pudesse estar ali caso a gente tivesse colhão pra tal. Dá pra lembrar que eles tocavam tão loucos quanto a gente assistia e pulava e gritava ou desprezava ou fingia que não tava nem aí (tinha uma época que era cool ser blasé e acho que de vez em quando, de tempos em tempos, essa bobagem ainda volta à tona). Por isso, essas bandas eram legais.
Mas eram legais também porque eles eram os foda-se em pessoa. Davam de ombro pra tal indústria musical do rock nacional, que havia sugado o máximo possível dos ídolos da infância (Paralamas, Legião, Ultraje, Titãs) e ignorado aqueles que realmente inventavam moda e mereciam reverência (Fellini, Picassos Falsos, Ira!, Vzyadoq Moe, Smack, Voluntários da Pátria, Mercenárias, Harry, Black Future). Mais do que isso, bandas como a Pin Ups pareciam importar pro quintal de casa os sons que passavam a fazer sentido, pra bem além daquele que a Rede Globo cooptava, e que vinham de fora com a mínima probabilidade de contato no Brasilzão da hiperinflação anual: The Jesus & Mary Chain, My Bloody Valentine, Stooges, Loop etecetera e tals.
Era legal ter gente da nossa idade chutando canelas e microfones pra fazer esses sons. Foda-se a Rede Globo e a Bizz, né, não?
Porque quando você é moleque é isso que você que ver e ouvir quando fica bêbado com os poucos caraminguás que consegue juntar pro final de semana, tomando pinga com limão, maria-mole e usando os psicotrópicos que conseguir arrumar. É a fase do autoestrago, a descoberta dos limites da própria ressaca (hoje, a fatura é cobrada pelo fígado).
Só que foi uma época impagável e inigualável. Todo adolescente tem que passar por isso, creio. Tem que mergulhar em algum tipo de loucura, mesmo a gente sabendo o risco que é (de não voltar mais, principalmente – mas isso você só sabe quando já não tem mais volta ou quando passou por tudo isso e ficou um velhote a ver o passado com saudade). Eu tive a minha cota – a bem da verdade, às vezes ainda continuo experimentando.
Não sou mais o mesmo. Ainda bem que não virei um tiozinho babão, de terno e gravata, em busca do carro do ano ou de outra bobagem dessas. Nesse quesito, ainda pareço um adolescente, tentando pagar as contas no final do mês, com um dinheiro que parece nunca vingar. É por isso que um show do Pin Ups é sempre uma atração. Agora, eu vou lembrar.
Fotos: José Júlio do Espírito Santo
Nem caio nessa patasquada de “show de despedida”. A banda se juntou no SESC Pompeia, nesse dia 14 de novembro de 2015, a pretexto de um “show de despedida”. A banda aparentemente “nunca mais vai tocar” (aspas minhas). Mas a gente sabe que vai. Por que haveria de não tocar mais?
Foi o atrativo pra muita gente ir à apresentação. Alê Briganti, a certa altura do show, perguntou: “onde vocês estavam em 2000?”. Mas o Pin Ups nunca foi de tocar pra mais que algumas dezenas de pessoas. Também não foi nessa despedida. Pela primeira vez, a banda fala abertamente sobre um fim. Estavam na choperia do SESC Pompeia, então, alguns tantos como eu que viveram aquela época e que, talvez como eu, também tenham a memória embaralhada pela loucura – com algumas louváveis exceções de jovens curiosos que foram lá ver qualé.
A pergunta da baixista foi meio na empolgação, ou retórica mesmo. Não havia muito mais gente do que o Pin Ups levaria numa série seguida de dois, três shows naquela época. Talvez estivessem presentes os mesmos de sempre. O que é uma pena.
Pin Ups é uma baita banda, talvez a grande banda nacional, da década de 1980 em diante (junto com o Sepultura), que valeria um página inteira em qualquer almanaque de rock mundial. Ok, você pode pensar em outras, porque cada pessoa teve a sua banda equivalente durante a juventude. E de fato tivemos outras, muitas outras bem boas e barulhentas e execradas por não saber tocar, ou por simplesmente cantar em inglês. Que bobagem. Se fosse em árabe ou em sânscrito, naquela época gritaríamos as letras da mesma forma.
O Pin Ups sobreviveu ao “Time Will Burn” e ao “Gash”, seus grandes discos. Foi em frente. Mas na época da “trilogia dos atores” (“Jodie Foster”, 1995; “Lee Marvin”, 1997; e o EP “Bruce Lee”, 1999), já não ligava mais, a conexão comigo não era a mesma. Eu tava em outra. Ficou o fio de memória sobre como aquela banda era boa e o quanto havia sido importante na minha fase pré-adulta.
Quando o grupo se reuniu pra Virada Cultural de 2012, pelo horário avançado (e pelo frio que fazia), não pude comparecer. Ficou uma sensação de arrependimento, uma dúvida. Como rever uma namorada das antigas, sabe? Você foi apaixonado por ela, viveu grandes momentos, mas se afastaram e revê-la pode trazer a frustração de não ser tão legal quanto antes. Ou pode ser um grande papo. Ou ainda pode ser o melhor sexo da história. Nunca se sabe. Tem quem não queira arriscar pra saber: é melhor ficar com as boas lembranças.
Dessa vez, quis ver qualé. Num estado quase-sóbrio, torcia pra que fosse ao menos divertido. O Pin Ups subiu ao palco com Alê Briganti (baixo), Zé Antônio (guitarra) e Flavio Cavichioli (bateria), além de uma penca de convidados, seja no vocal, seja na outra guitarra. Luiz Gustavo não estava lá. Mas a força da banda estava.
O Pin Ups pareceu mais pesado. Menos barulhento e mais pesado. E soou legal. Soou como uma banda moderna, não apenas como celebração do passado. Eles estavam ou bem a frente do seu tempo ou deram uma revitalizada involuntária que acabou soando inadequada num show de despedida – será que não há espaço pra uma banda como essas nos dias de hoje, a ponto deles ganharem um cascalho e viver disso?
As vinte canções apresentadas, em pouco mais de uma hora e dez de show, passearam pelo passado, mas apontam o presente e, quem sabe, um bom futuro. O som pareceu mais denso, encorpado (talvez por conta da estrutura profissa que o SESC oferece). Os guitarristas convidados ajudaram, por certo, principalmente Adriano Cintra (do CSS). Rodrigo Carneiro (vocalista do Mickey Junkies) deu um tanto de fúria garageira.
Alê e Zé Antônio pareciam se divertir, mas estavam mais pra “emocionados”. Ela dançava e falava (como sempre). A bateria era esmurrada. Mas a plateia, tanto quanto a banda, também estava emocionada, não reagiu como eu esperava, pulando, gritando, jogando cerveja pra cima, ou coisa que o valha. Não houve um rastelo das loucuras daquele tempo.
Bom, era de se esperar. A culpa daí não é da banda. A idade chega pra todo mundo. O trio fez o que pôde.
Não quer dizer que não tenha sido divertido. Foi surpreendente. Eu esperava aquela “guitar band zoeira” dos meus tempos de moleque, e achei uma banda suja, pesada e parruda. Os moleques com os órgãos vitais em dia deveriam ouvir o Pin Ups ao vivo, e deveriam fazer isso com o máximo de alteração mental possível. Tomara que tenham chance – e que esse não seja verdadeiramente um “show de despedida”.
Setlist
(com Adriano Cintra na guitarra – CSS)
01. Jodie Foster
02. TV Set
03. Confusion
04. It’s Your Turn
05. Loneliness
06. Bright
(com Rodrigo Gozo na guitarra – Killing Chaisaw)
07. Evisceration
08. Pure
09. Crack
10. Going On
(com Mario Bross na guitarra – Wry)
11. You Shouldn’t Go Away
12. You’re Not The One
13. Witkin
14. Resting Time
15. Guts
(com Adriano Cintra na guitarra – CSS)
16. Kill Myself
17. Sonic Butterflies
18. The Groover
19. You Die
20. I Feel Love
Veja “Sonic Butterflies”: