“Um festival. Várias experiências”. O slogan é bem sacado, mas não apropriado ao que se viveu no Campo de Marte nesse dia 9 de novembro de 2013: o Planeta Terra segue firme como o “melhor festival brasileiro”, só que as experiências além da música ainda são deprimentes, longe de serem dignas se propagandear.
Foram muitas as virtudes do festival. Muitas. O Planeta Terra é o melhor argumento pra ideia que se pode ter sobre o que seria um festival perfeito: escalação enxuta que aposta em nomes novos, mesclada com grandes figuras; sem gigantismo (trinta mil pessoas é um público ok); com boa oferta de transporte público nas imediações (fico feliz em saber que a maioria das pessoas utilizou o metrô, que fica a poucas centenas de metros do local); banheiros limpíssimos, embora distantes e com pouca oferta; e som bastante decente, com pouquíssima interferência de um palco pra outro (apenas em um ponto específico, entre eles). Alguém poderia pedir mais?
Bem, poderia. O festival também teve inúmeros erros, mas o principal deles é a falta de investimento em estrutura que consiga evitar as filas. Note, o ingresso inteiro, no primeiro lote, estava 300 reais. Trezentos. Não é um valor baixo. O mínimo que o consumidor poderia esperar era um bom trato. Mas não: por algum tipo de economia idiota, havia poucas estações de bebida e comida, de modo que o consumidor, mais uma vez, foi tratado como gado, em enormes filas que se formaram assim que a noite caiu e o público mais intenso chegou.
Quem não chegou cedo ao local e comprou logo uma boa provisão de fichas, se viu diante de uma desanimadora multidão a frente dos caixas. E a bebida também não era barata: sete reais por uma diminuta lata de cerveja (nem a lata de 350ml se vende mais, agora é a de 289ml), cinco reais por uma água (por uma água!), e o sujeito é tratado dessa forma… É deprimente, mas poderia ser pior. Quem comprou ingresso pela Internet, e pagou por uma “conveniência” que só é conveniente ao organizador do evento, enfrentou uma fila insana na entrada pra retirada do ingresso (“o sistema caiu”, era a desculpa – e que se dane quem pagou a abusiva taxa de conveniência).
Dito isso, é preciso enaltecer os muitos acertos do festival. Principalmente em cima do palco. Cheguei exatamente na hora que a Clarice Falcão vendia fofura aos seus abobalhados fãs. Não conseguia imaginar alguém mais pavoroso musicalmente do que a Mallu Magalhães, mas Clarice Falcão supera em chatice, breguice, maletice, estupidez estética e infâmia musical em muitos níveis. E em determinado momento ainda vai ao palco um daqueles pseudo-comediantes parceiros dela. A plateia foi ao delírio. Mas alguém ainda precisa me explicar a lógica por trás dessa criatura.
Afora e chatice da Falcão, o Planeta Terra ofereceu bons shows. Na sequência, no Palco Terra, teve BNegão & Seletores De Frequência. Com um segundo disco espetacular, “Sintoniza Lá” (leia resenha aqui), Bernardo Santos e sua banda empolgaram com funk acessível, discurso político rasteiro (mas pertinente: “contra a PM”) e grooves de fazer rebolar até o mais duro dos quadris.
01. (Funk) Até O Caroço
02. Alteração (ÉA!)
03. Reação
04. Dorobo
05. Enxugando Gelo
06. Essa É Pra Tocar No Baile
07. Bass Do Tambô
08. O Processo
09. Subconsciente
10. Qual É O Seu nome?
11. Dança Do Patinho
O Palma Violets é um desses nomes novos que o Planeta Terra sempre traz. Um disco no currículo, “180”, de 2013, e a banda consegue alguns fãs adolescentes empolgados. Embora as críticas brasileiras concordem que o trabalho é bem chato, em cima do palco a banda é de uma inconsequência empolgante, errando entradas, letras, mas segura com um bom baterista (William Martin Doyle) e com o furor da idade. Foi um bom show – e todo festival deveria ter shows assim, apresentando caras novas.
O set se baseou obviamente no único disco e o destaque pro público ficou com o (err…) hit “Best Of Friends”, que um bocado de gente cantou junto, mãozinhas pra cima, olhinhos fechados, como manda o figurino. Depois dela, a apresentação poderia ter acabado, a banda gastou o sal da janta e o show esfriou.
01. Invasion Of The Tribbles
02. Rattlesnake Highway
03. All The Garden Birds
04. Last Of The Summer Wine
05. Tom The Drum
06. Chicken Dippers
07. Best Of Friends
08. Step Up For The Cool Cats
09. Goat Gang Go
10. We Found Love
11. Johnny Bagga’ Donuts
12. 14
Travis. É compreensível que uma banda que tem “The Man Who” (1999) e “The Invisible Band”(2001) no currículo consiga tantos fãs, alguns até histéricos. Não é uma ex-banda em atividade, embora pouca gente ainda dê ouvidos a Fran Healy e companhia. O disco mais recente é “Where You Stand”, de agosto de 2013. Dele, apenas quatro músicas apareceram no show, justamente as quatro primeiras do disco, “Mother”, “Moving”, “Reminder” e “Where You Stand”. Uma decisão inteligente: em festivais, os hits são uma exigência lógica.
Assim, metade do “The Man Who” entrou na apresentação, com destaque pra “Why Does It Always Rain On Me?”, um hino dos indie-emos, e quatro do “The Invisible Band”.
Foi um deleite pros fãs. Pra quem não é fã, o Travis não convenceu ninguém a se tornar um. Acabou sendo sonolento, um bom momento pra enfrentar as já enormes filas que se mostravam nos caixas, bares e restaurantes, além da roda gigante e do tobogã.
01. Mother
02. Selfish Jean
03. Pipe Dreams
04. Moving
05. Love Will Come Through
06. Driftwood
07. Re-Offender
08. Where You Stand
09. My Eyes
10. Reminder
11. Writing To Reach You
12. Side
13. Closer
14. Sing
15. Slide Show
16. Blue Flashing Light
17. Turn
18. Flowers In The Window
19. Why Does It Always Rain On Me?
20. Happy
Fotos: Mauro Pimentel (Terra)
Mas tudo bem, bastava mudar de palco. No Smirnoff rolava o The Roots, banda fixa do programa “Late Night With Jimmy Fallon”, com soul e hip hop pra fazer suar a camisa (o que não era de fato muito difícil nos 29ºC de temperatura ambiente – sensação térmica de uns 35ºC).
Eis a boa diferença pro Travis: quem não era versado na obra do The Roots, ao menos se divertiu um bocado com o bailão dos estadunidenses. Bom, Questlove e Black Thought sabem das coisas: “Next Movement” e “Proceed” são argumentos irrefutáveis, além de, é claro, “The Seed 2.0”. E tinha a presença de “Tuba Gooding Jr.”, apelido de Damon Bryson, que toca uma chamativa tuba (que não é tuba, é um sousafone), e empolgava a audiência.
No repertório, inserções e releituras de músicas do Guns’n’Roses, Led Zeppelin e Donna Summer, entre outros. A competência e a energia renderam um ótimo show.
O que iria contrastar com… Lana Del Rey.
Foto: Ricardo Matsukawa (Terra)
É possível que mais gente tenha ido ver Lana Del Rey do que o Blur. Ou empatavam em preferência. De qualquer modo, ambos os fãs estavam disputando o mesmo espaço e ficou evidente que Lana Del Rey só agrada a fãs de Lana Del Rey.
Pudera. Um show burocrático, lento, insosso, exatamente como suas músicas. Mas ela aparentava felicidade, e isso importa. Um artista feliz contagia a audiência. Ou deveria. No caso de Lana, ela precisa de muito mais: se enrolou na bandeira do Brasil, mostrou as pernocas, sorriu, se comunicou, mas faltou o principal, cantar.
Voz frágil, ao vivo, Lana se sustenta numa boa banda, mas sem truques de estúdio, ela se apresenta vazia. Apesar disso, o set foi confortável pra agradar seus fãs – e só eles: seis músicas do “Born To Die”, de 2012, e mais três do EP “Paradise”, do mesmo ano.
Mas ficou claro: é um hype que não se sustenta.
01. Cola
02. Body Electric
03. Blue Jeans
04. Born To Die
05. Dark Paradise
06. Young And Beautiful
07. American
08. Without You
09. Knockin’ On Heaven’s Door (Bob Dylan cover)
10. Ride
11. Summertime Sadness
12. Video Games
13. National Anthem
Foto: Reinaldo Canato (UOL)
Ótimo que não se fazia necessário ficar até o fim. Meia hora depois de começar o anti-carisma de Lana, Beck já mostrava em outro palco um show diametralmente oposto: rico de nuances de estilos, ele estava se redimindo de uma apresentação coadjuvante no Rock In Rio 2001, quando teve que bater de frente com o Foo Fighters e com a estrela da noite, o REM.
Dessa vez, ele estava disposto a roubar o protagonismo, mesmo sabendo que o Blur tocaria logo mais, no outro palco. E não se fez de rogado. De cara, “Devil’s Haircut”, “Novacane” e “Loser”. Plateia cantando a plenos pulmões “i’m a loser, baby, so why don’t you kill me” até depois do final da música.
Plateia ganha, foi possível passear por todas as suas fases: “One Foot In The Grave”, do disco homônimo de 1994; “Get Real Paid”, de “Midnite Vultures”, de 1999; “Black Tambourine”, “Qué Onda Güero”, “Girl” e “El-Pro”, de “Guero”, de 2005, “Soul Of A Man” e “Modern Guilt”, de “Modern Guilt”, de 2008.
Fez dançar e fez arrepiar, com as duas do “Sea Change”, de 2002, “The Golden Age” e “Lost Cause”. É o disco mais tocante de Beck. Houve, pois, espaço pra tudo. Até mesmo pra uma cover brincalhona de “Billie Jean”, do Michael Jackson, que ele apresenta há tempos em seus shows.
Entre esse show e o de 2001, esse leva vantagem, mas só porque de lá pra cá Beck lançou quatro discos e seu set se incrementou, provando ser um artista de fôlego e longa relevância.
01. Devil’s Haircut
02. Novacane
03. Loser
04. One Foot In The Grave
05. Black Tambourine
06. Soul Of A Man
07. Modern Guilt
08. Tainted Love (Gloria Jones cover)
09. Get Real Paid
10. Hotwax
11. Qué Onda Güero
12. Debra
13. Gamma Ray
14. Girl
15. Soldier Jane
16. The Golden Age
17. Lost Cause
18. Sissyneck/Billie Jean (Michael Jackson cover)
19. E-Pro
20. Where It’s At
Fotos (inclusive a que abre o post): Ricardo Matsukawa (Terra)
Blur. Desde 1999, quando a banda se apresentou em São Paulo e no Rio de Janeiro com um incômodo status de “fracasso de público”, sua fama cresceu por aqui. A despeito da guerrinha boba (ou divertida) com o Oasis, que alimentou o britpop por anos, no Brasil só quem se beneficiou foi próprio Oasis. O Blur, pela distância do tempo da última apresentação, e alimentando-se de um desejo crescente de retorno a partir das redes sociais, assumiu uma aura de grande banda clássica e era temido que não correspondesse à altura assim que pisasse no palco.
Grande besteira. O Blur fez um dos shows mais divertidos do ano.
Usando do mesmo artifício do Beck, emendou logo três sucessos pra não dar tempo pro desconfiômetro ser ligado: “Girls & Boys”, “There’s No Other Way” e “Beetlebum”. E não descansou, colocando “Coffee & TV” e a belíssima “Tender” na sequência, além de “To The End” e “Country House” e espetacular “Parklife”, com ninguém menos que Phil Daniels nos vocais, ator de “Quadrophenia” (do The Who), que é responsável pelos vocais também no disco.
O Blur embora não lance nada de original desde “Think Tank”, em 2003 – e sequer existisse como banda nesse período, até 2012, quando voltou a excursionar e aventar a possibilidade de um disco novo – não soa a velharia ou a um mero caça-niqueis. Reforçada por metais e vocais de apoio femininos, o Blur ganha é cara de superbanda pra superfestivais. Dá certo, até pra tirar o natural protagonismo de Damon Albarn, um geniozinho que fez de tudo um pouco nesses dez últimos anos.
Assim, Albarn é só mais um e esse equilíbrio ajuda o Blur a parecer mais natural em cima do palco, sem discursos, sem excessos, sem artifícios de pirotecnia quaisquer.
Já era sabido que o show se encerraria dessa forma, mas quando o Blur emendou “The Universal” e “Song 2” (curiosamente, a banda parecia envergonhada em tocar seu maior hit) não teve como segurar a plateia, que pulou como abalada por um terremoto. Pousos e decolagens talvez devessem ser suspensos nesse momento no Campo de Marte, por precaução.
O Blur deu a sua plateia felicidade suficiente pra derrubar qualquer um em êxtase, o que dirá das desconfianças. Agora, não há nenhuma.
01. Girls & Boys
02. There’s No Other Way
03. Beetlebum
04. Out Of Time
05. Trimm Trabb
06. Caramel
07. Coffee & TV
08. Tender
09. To The End
10. Country House
11. Parklife (com Phil Daniels)
12. End Of A Century
13. This Is A Low
BIS
14. Under The Westway
15. For Tomorrow
16. The Universal
17. Song 2
Ao fim, o Planeta Terra pôde comprovar sua estampa de festival mais simpático e bem intencionado do Brasil. Precisa é respeitar melhor o público, o consumidor. Enquanto entrega ótimas experiências nos palcos, entrega péssimas experiências no seu entorno.
É algo que se pode arrumar com um pouco de bom senso. Basta experimentar essa lógica pra 2014 e teremos, enfim, uma experiência inesquecível em todos os sentidos.
vcs são bem crueis! rs
adorei as críticas, mas msm assim, Ñ me arrependo de estar ausente no festival!
Quando cheguei, tbm fiquei puto com as filas… Porém, haviam locais que se podia pagar com dinheiro! Alguns vendedores espalhados pela galera vendiam cerveja agua e refrigerante direto no dinheiro e ao mesmo preço dos quiosques. Comida tbm! Bati uma verdadeira marmita de espaguetti a bolonhesa sem fila alguma. Na verdade, não entendi muito bem o porque de tanta fila. No lounge tbm peguei cerveja direto no bar…
A unica coisa que tenho pra falar do festival é a falta de glamour… Mas de resto, excelente
Alguns quiosques que aceitavam dinheiro sumiram em determinada altura da noite – e alguns, malandrões cobravam a cerveja 9 reais (até 10). Isso é uma falha inexplicável de organização.