POPFEST 2012 – COMO FOI

Chegou ao fim a primeira edição do Popfest. Três dias de música, inaugurando um espaço especial pro circuito de shows em São Paulo.

Por incrível que possa parecer, numa cidade do tamanho de São Paulo, não há muitas opções como o Espaço Cultural Walden, pra shows “alternativos” de pequeno porte. SESCs, Beco, Studio SP, Livraria da Esquina, Clash etc. são todas opções boas, mas são espaços grandes pra quem possui público menor, o que nem sempre faz a conta fechar, tirando, pois, do público a opção de ver bandas que não estão nos holofotes.

A premissa do festival era exatamente essa. E cumpriu o prometido. Embora, claro, como era de se esperar, não sem problemas.

“Problemas”, no plural, se resumem a dois, na verdade: no primeiro dia, sexta-feira, uma instabilidade elétrica fazia a força cair constantemente, mas logo foi sanado pela produção. Era a inauguração do porão do Espaço Walden, que antes abrigava seus shows no segundo andar. O público não se incomodou, nem as bandas, até porque o clima era de amizade, quase familiar entre os presentes – e a simpatia dos anfitriões fez esse infortúnio parecer parte do roteiro.

O problema maior, entretanto, não foi bem digerido por algumas pessoas – e com razão: os atrasos na programação. No primeiro dia, seriam quatro bandas, uma não chegou a tocar e mesmo assim, houve um atraso de duas horas e meia. No segundo dia, novo atraso, um pouco mais sério, porque o público lotou o local e não esperava sair dali às seis da manhã. Só o terceiro dia, quando o Ringo Deathstarr tocou, a agenda foi cumprida dentro do esperado.

Há o que se discutir aqui: público e algumas bandas parecem mal acostumados a cumprir horários. Se a agenda fosse cumprida à risca, muita gente veria apenas o último ou os dois últimos shows.

No final das contas, porém, pelos muitos acertos do festival, certamente não serão esses atrasos que ficarão na marca do evento. Ao contrário, poucos lembrarão disso. Esse será o Popfest da celebração da música independente – e há muito o que se comemorar.

Senão, vejamos: qual evento abre as portas pra bandas tão desconhecidas do grande público como a Loomer, a The John Candy, Inverness, Top Surprise, Pale Sunday etc., quando há um nome gringo em ascensão encabeçando a escalação?

As escolhas foram felizes porque o Ringo Deathstarr talvez seja o equivalente a essas bandas lá no primeiro mundo. Trilhando por caminhos nada populares, os texanos encontram algumas mesmas dificuldades que os brasileiros que engatinham na carreira se deparam. Essa intersecção fez com que a escalação do Popfest 2012 se tornasse homogênea no recado: há sim, na maior cidade do país, espaço pra quem não é hypado no mundo dos grandes jornais, revistas e sites.

Porém, quem foi ao Espaço Walden pra ver os estadunidenses e não conhecia as outras bandas, certamente se surpreendeu com a qualidade e a diversidade de estilos. Passaram pelo novíssimo porão do bem localizado Espaço Cultural Walden (a poucos metros do metrô República) nove brasileiras: Your Favorite Songs, The Concept, Inverness, The John Candy, Top Surprise, Loomer, Lê Almeida, Pale Sunday e Wallace Costa.

1º DIA – SEXTA-FEIRA – 24 DE AGOSTO

Nesse balaio, teve shoegaze, lo-fi, indie rock, garage e folk psicodélico. Todas bandas rodadas, com lançamentos no currículo e uma história boa no meio alternativo.

Exceto uma, que curiosamente se tornou uma das melhores apresentações do evento. O trio Your Favorite Songs é a única banda que não tem disco lançado. Mas deveria. Já na formação, uma curiosidade: Fernando Alge (guitarra) é pai de Selene Alge (baixo). Ambos escrevem as canções singelas que compõem o repertório da banda, algo em torno de um Sterolab com Belle & Sebastian. Na bateria, Ricardo “Pizza” Martinelli.

No repertório, belas peças pop, como “Burning Flowers”, “Like Chat Baker”, “Peter And Sally” e “Diamond Child”. Coube ao trio inaugurar o espaço novo do Walden. Por conta disso, sofreram um pouco com o som. A voz de Fernando quase não era ouvida e às vezes a de Selene também escapava.

Pouca gente viu o show. Talvez umas quinze. Podem se considerar privilegiados. Foi uma apresentação tão despretensiosa e pura quanto cativante. Uma música bastava pra se encantar pelo trio, que, ao final, mostrou que não é só de canções fofas. “Old Floyd Song” entregou aos felizardos da plateia uma boa zoeira. O Popfest 2012 não poderia ter começado melhor.

Setlist
1. Red And Grey
2. Burning Flowers
3. Did You Findt It
4. Like Chet Baker
5. Waterloo Sunset
6. Peter And Sally
7. Diamond Child
8. Al Green
9. Old Floyd Song


Na sequência, veio a The Concept. O quarteto já é veterano, com mais de uma década de cabeçadas pelos “porões da cena”. A espinha dorsal desses anos todos é Robson Gomes (guitarra e vocal) e Vagner Sousa (baixo). Mas Henrique Almeida (guitarra) e Augusto Vitorino (bateria) contribuem um bocado pra pancadaria que é o show da banda.

Nesse momento, o porão já estava bastante cheio, beirando a lotação máxima. A banda demorou um pouco pra engrenar. Mas lá pela quarta música, o quarteto já dominava o pequeno palco e tinha a seu favor um som redondo.

Os destaques ficaram por conta da sequência com “No”, “Reconstruction” (a melhor do show) e a nova “Wrong Way”. Os ouvidos zuniram, como era de se esperar.

Setlist
1. Truth Telegram
2. All These Words
3. Gonna Start
4. Voices
5. This Is My History
6. Sad Walk
7. No
8. Reconstruction
9. Wrong Way

Veja a banda tocando “Reconstruction”, com as luzes do local, pra se ter uma ideia do clima:

O Inverness apostou na mudança. A banda fez uma apresentação baseada no novo disco, “Ivana”, que ainda não foi lançado. O vocalista Mateus Perito avisou no início: “as músicas são as novas, com duas mais antigas”.

Mais do que isso, a banda largou os samplers de vez. Não há nada eletrônico agora. Foi uma escolha arriscada, que nesse caso específico se fez cruel. Apresentando-se logo após a porrada que o The Concept deu, o novo formato “cru”, ou “power trio de quatro integrantes”, como brincou Lucas de Almeida, guitarrista, o Inverness acabou perdendo na comparação.

Mesmo que não houvesse comparação exatamente. A ideia não era essa. O acaso é que forçou a plateia a isso. O Inverness continua mais próximo do dream pop e do shoegaze, embora mais seco, mais direto. Ao vivo, não funcionou tão bem, até porque a banda necessita de um som mais limpo, mais acertado e balanceado, algo que o Espaço Walden não proporcionou nesse dia.

A prova de que o quarteto pode bem mais está numa apresentação recente no próprio Espaço Walden (embora tenha ocorrido no segundo andar): quem esteve nas duas cravou que a anterior foi de arrepiar, de embasbacar. Essa não teve o mesmo efeito, mas quem há de duvidar da capacidade da Inverness, uma das melhores bandas nacionais da atualidade?

Setlist
1. See You In The Morning
2. Tell Me If I’m No Glad!
3. Forest Spirit
4. Rise Up
5. Tongueling
6. Paper Shadows
7. Fear Of Rain
8. Let There Be NIght

Veja “See You In The Morning”, também com as luzes originais:

O primeiro dia teve um saldo positivo, apesar de ter sido o mais problemático com relação ao atraso, som e as quedas de luz (que nem foi um problema, na verdade). Mas na comparação direta, os outros dias foram melhores.

2º DIA – SÁBADO – 25 DE AGOSTO

O sábado prometia. O público maior corroborava com minha ideia de que as cinco bandas escaladas, por serem de outros estados, juntariam mais gente – a raridade gera curiosidade, todo mundo sabe. The John Candy, do Rio de Janeiro, acabando de lançar um disco, o ótimo “Dreamscape”, foi a primeira.

Ligou as guitarras com um atraso de quase duas horas. Mesmo assim, pouca gente havia descido as escadas pra vê-la. Começou com a boa “Lie On Someone Song” e desfilou pelas quase doze canções do disco. Seu dream pop funciona bem ao vivo, ainda mais com o som bem redondinho. Já tinha gente balançando o esqueleto. Foi um bom aquecimento.

Aqui, The John Candy toca “Lie On Someone Song”:

Na sequência, a Top Surprise carregava na audiência uma expectativa e tanto, pelo nome que conseguiu no boca-a-boca do “alternativo” nacional. André Medeiros à frente, a banda mostrou que as fronteiras não devem segurá-la no Brasil. Captando o zunzunzum da plateia que encheu o porão, logo nas primeiras músicas, percebia-se declarações que aquele era o melhor show do festival até então.

A banda mostrou músicas novas, fez barulho, se esforçou, e realmente agradou. Medeiros é um talento, mas é a guitarrista Bruna Provazi, com sua veia punk, que injeta a massa de energia que se sente no grupo.


Então, Loomer. Era uma das bandas que eu mais queria ver ao vivo, depois de tantas tentativas frustradas. Apesar do avançado da hora (já ia depois da meia-noite) e do cansaço, não há como não se espantar com as distorções das guitarras de Richard e Stefano e com o baixo de Liege. A bateria de Guilherme te soca o peito e o cansaço vai pro inferno – bem como seus tímpanos.

Fica difícil eleger as melhores, mas começar com “Rocket Fuzz” matou boas possibilidades de qualquer coisa ser melhor. Bom, teve “Silent Noise”, “Enough” e “Slow Dream”, e mais coisas novas, então meu primeiro show da Loomer foi especial: peguei uma nova fase. Que venha o disco novo pra comprovar essa força toda.

Showzaço.

01. Rocket Fuzz
02. Not So Wrong
03. Jam
04. Silent Noise
05. Snow Flake
06. Enough
07. Lovelees Sweet Darlene
08. Slow Dream
09. Dark Star
10. Painkiller
11. Mamute
12. Second Come


Lê Almeida, com algumas canções novas, e Pale Sunday ficaram com o ingrato horário das três e meia e quatro e meia da manhã, respectivamente. Quem ficou até o final do Pale Sunday deve ter lavado a alma. “Deve” porque eu mesmo não aguentei e fui embora antes do fim da apresentação sempre explosiva de Lê Almeida.

A idade é um fardo grande pra quem abusou demais na juventude e no dia seguinte teria Ringo Deathstarr…

3º DIA – DOMINGO – 26 DE AGOSTO

A primeira banda escalada, a A Espiral de Bukowski, tocou pra pouca gente. A segunda escalada, os argentinos da Hacia Dos Veranos, não chegaram nem a se apresentar – ela havia cancelado pouco antes. Quem entrou no lugar foi Wallace Costa, o que acabou sendo uma ótima pedida.

Costa, com seu “folk psicodélico”, fez um dos melhores shows do festival. Mesmo ensaiando às pressas com Danilo Sevali no baixo, Gabriel Lima na guitarra, ambos da Hierofante Púrpura, e Lê Almeida na bateria (com André Medeiros, da Top Surprise ajudando nos vocais de apoio e alternando com Gabriel na guitarra), o espetáculo foi expressivo.

Wallace tocou boa parte do seu novo e belíssimo disco, “They Shoud Be Soft”, mas inseriu boas surpresas, como “Death”, do EP anterior (“Possible Death”, de 2011) e uma cover sensível de “Rosa Frígida”, da Hierofante Púrpura.

Nada a ver com a Ringo Deathstarr, o som de Wallace Costa serviu como relaxamento à tensão da turba que queria ver os gringos. O paulista-quase-carioca fez bem o papel e amaciou os ânimos com muito alucinógeno sonoro.

01. Alucinações
02. Pouca Coisa
03. Death
04. My Charm
05. Rei
06. Rosa Frígida (Hierofante Púrpura Cover)
07. Arrow
08. Nem Te Sigo
09. Ghosts
10. Sympathy
11. Blue

Veja “Death”:

Então, Ringo Deathstarr. Tem uma resenha específica do show, mas vale dizer que os texanos não economizaram no volume. Tocaram alto e com gosto. Não economizaram também na simpatia, principalmente a baixista Alex Gehring e o baterista Daniel Coborn, que passeavam pelo Espaço Walden, tirando fotos e conversando com quem quer que fosse falar com eles.

O set se baseou nos dois disco da banda: “Colour Trip”, de 2011; e o próximo, “Mauve”, que será lançado em setembro. Foi como um presente às quase cem pessoas que compareceram ao Espaço Walden: das dezoito músicas apresentadas, metade delas são do disco novo.

E eles tocariam mais, só que Alex foi vencida pelo calor. Não se preocupe. Sábado tem mais – se bem que vendo o que se viu, o ruído que se sentiu, ainda assim, apenas um show a mais não terá sido suficiente.

Conversando com a plateia e rindo junto, o Ringo Deathstarr é “gente como a gente”, mas quando liga o modo distorção, mostrou que não é só uma banda fotocópia-aduladora do passado e deve ser levada a sério. Discípulos do My Bloody Valentine, os três estadunidenses merecem mais do que a pecha de “mais uma banda shoegaze“. Se forem longe como merecem, os brasileiros terão presenciado algo especial na carreira desses rapazes: um show intimista, como de uns amigos se apresentando na garagem de casa, mandando alto e bem pra caramba, pra incomodar qualquer vizinho. Como tem que ser.

A banda tocando “So High”:

O Popfest, enfim, foi um evento e tanto. Marcou três gols: deu a São Paulo definitivamente um dos melhores espaços pra quem gosta de música alternativa no sentido extremo do termo; reuniu um pouco do que de melhor há no cenário dessa música alternativa brasileira; e mostrou que é possível trazer um show gringo de qualidade, de uma banda com grandes expectativas no mercado internacional, por um preço que não seja extorsivo.

Se um evento desses não é bom, não sei o que é o ideal.

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Comentários

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10 comentários

  1. Texto fantástico, Fernandão.
    Bom, eu estava presente apenas no último dia. Mas imagino que os anteriores foram ótimos também.
    Cara… Que experiência, que delícia, que show foi aquele do Ringo Deathstarr.

  2. Os organizadores, mesmo com os problemas citados acima, estão de parabéns! As bandas escaladas também pois mandaram muito bem.
    Quem não foi e gosta de bons sons não tem idéia do que perdeu nestas 3 noites únicas do festival.
    Que venham outros festivais como o SP Popfestival.

  3. poxa, eu só me decepcionei. Não conhecia as bandas do primeiro dia, e cheguei as 20:30. Esperei até as 23h para ver algo, e quando o show começou o som estava tão ruim, a ponto de a microfonia fazer a banda parar de tocar. Tinha que trabalhar no sábado e abandonei no meio.
    No segundo dia cheguei as 22h (já esperando o atraso do primeiro dia). A primeira banda já tinha tocado, e esperei até meia noite pra ver a segunda – top surprise, depois que eles “resolveram” os equipamentos. Tocaram três músicas e o baixo parou de funcionar, o que levou novamente à arrumação de equipos. E o som estava tão ruim, que não dava para ouvir nada. Espaço pequeno com som muito, mas muito alto, que embolava tudo. E a banda ainda pedia para aumentar. Fui embora na metade do show, triste que não veria Loomer, mas também aliviada, pois se visse seria com um som muito ruim. No terceiro dia, apesar de ter comprado ingresso – que nem foi muito barato para um espaço com aquela estrutura – acabei não indo. Fiz as contas e percebi que meu único dia livre não merecia a mesma incomodação dos outros. Enfim, é meu relato, mas pra mim esse festival não deu nada certo.

  4. Compreendo, Ana. Não foi só você que teve essa impressão. Acho que a resenha procurou se afastar um pouco disso porque eu não estava exatamente ali só pra assistir aos shows: queria encontrar amigos, tomar umas e, no meio disso, ouvir umas bandas legais. Quem foi com até lá só com o propósito da música, tem todo o direito a essa reclamação – e, enfim, esse era o propósito principal, acreditamos, já que era um evento de música. O que eu quero dizer é que num festival há várias formas de perceber e interagir, além da própria música. Mas valeu pela sua observação centrada.

  5. …“O que eu quero dizer é que num festival há várias formas de perceber e interagir, além da própria música´´…. , ESPERO QUE ESSE SEU CONCEITO SIRVA TAMBÉM PARA MEGAEVENTOS, DO TIPO PLANETA TERRA E LOLLAPALOOZA, POIS QUEM ACOMPANHA SEU BLOG, PERCEBE EXATAMENTE O CONTRÁRIO NAS SUAS RESENHAS DOS MESMOS FESTIVAIS QUE CITEI .

  6. Logo que cheguei, no sábado, bem cedo, recebi um comentário que marcou bem o que seria o evento: “estamos esperando por isso há dezenove anos”.
    Tenho uma idade relativamente pequena comparada aos organizadores e o pessoal envolvido nessa cena, ou seja, não vi o surgimento do som que muitas das bandas que tocaram ali “resgatam” (se bem que o figura que comentou isso tá na estrada há muitos anos). Mas esse conceito de revival, puro e simples, não cola pra mim. A coisa simplesmente continua e tem gente disposta a isso.
    A “espera” resultou que os caras ganharam certa idade/estabilidade e insatisfação e estão fazendo acontecer.
    Um evento que reúna tanta gente nova e boa merece respeito pelo menos pela iniciativa.
    Com certeza houve problemas, e não poucos, mas sai satisfeito.
    Mas, como disse o Fernando, tive satisfação por outros modos também… conheci pessoalmente muita gente boa e senti uma vibração ótima de estar em algo histórico…
    mas isso é só um testemunho babão….

  7. erros e acertos acontecem, agora Ana, o festival não deu nada certo, é subjetivo, pq “nao deu nada certo” talvez pra vc, pq para a grande e maciça maioria foi digno de sair abraçado do lugar, todavia erros acontecem, imprevistos acontecem, e soluções idem, pq vc não procurou os responsaveis pra conversar, eu fui procurado por todos e todos sabem muito bem qual minha postura, seu comentario é interessante mas é pessoal, subjetivo e totalmente se proposito

  8. Renato, que parte do “é o MEU relato” e do “pra MIM esse….” do meu comentário você não entendeu?

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