“The Drought”, o sexto disco (quarto, dependendo da contagem) de Frederikke Hoffmeiers como Puce Mary, é sobre “uma luta consigo mesmo pela autopreservação”. Lançado oficialmente em 5 de outubro de 2018, pela PAN, é uma ideia bem abstrata. A própria Hoffmeiers concorda, em entrevista à The Wire: “a música é representativa, os sons aos quais o ouvinte é exposto são, se não alegóricos, funcionais, como um léxico sonoro. Você ouve os retratos auditivos das idéias e a luta contida no tema geral. Estou forçando o ouvinte mais pra uma experiência em que os movimentos contam uma história ou expressam um sistema de pensamento”.
“Quando comecei a gravar”, ela segue, “tudo que eu tinha era uma folha de metal e um pedal de distorção e levei anos pra construir um estúdio apropriado. Aprendi muito ouvindo, sendo curiosa sobre o que os amigos usavam e tentando imitar instrumentos que eu não podia tocar ou possuir. Acho que isso resultou em eu ser capaz de pensar em fazer música de uma forma que é muito livre e não dependente de certos instrumentos. Deixo espaço pra experiência de não poder saber qual será o som da ação que estou fazendo. Gradualmente, esses ‘acidentes designados’ se acumulam e todas as tendências são discerníveis e esses temas, sugeridos pela mão de meu próprio inconsciente e pelos sons em si, alimentam a composição do restante da trilha. Somente depois que uma quantidade substancial do trabalho é criada eu realmente sinto que posso exercer meu próprio controle conceitual sobre o material”.
Hoofmeiers já tem uma boa ideia de domínio sobre a própria arte. “The Drought” não trata de aridez de ideias ou de possibilidades de execuções. É um disco do que não se quer fazer e o que sobra a partir disso. Uma arte de foco. E o foco de Hoffmeiers é manipular sua percepção.
O trabalho mais recente de Puce Mary é “The Spiral”, de 2016 (clique aqui pra ouvir). Não há muita diferença entre ambos (ou pros outros quatro), mas sim um aprimoramento – “To Possess Is To Be In Control”, declama ela, entre ruídos calculados. É, como praticamente toda a obra de Puce Mary, um disco muito bonito, misterioso, bem acabado e desafiador. Nada é fácil ou facilitado.
Numa estrada como a que ela decidiu trafegar, é comum e natural a expectativa de que a fórmula se desgaste com o passar do tempo. Não ocorreu aqui. Hoffmeiers manipula muito bem os sons que consegue extrair e atrai o ouvinte pela tensão.
“Reunindo o exame introspectivo com estruturas literárias de escritores como Charles Baudelaire e Jean Genet, as composições de Puce Mary manifestam uma contínua luta pelo poder dentro do eu em direção à preservação. O corpo traumatizado serve como uma paisagem seca da qual obscurece memórias e mecanismos de fuga que transformam realidade em ficção, dando sentido ao desejo, perda e controle. A seca apresenta perigo e oportunidade; através da reconstrução de uma prática criativa centrada na narrativa em primeira pessoa e uma colagem deliberada de gravações de campo e fontes sonoras, Puce Mary injeta uma urgência aguda no álbum em busca de resiliência”: a descrição é dela própria e resume com perfeição o álbum.
Há ainda uma referência a Michelangelo Antonioni, em “O Dilema De Uma Vida”, de 1964 (na canção que leva o nome em inglês do filme, “Red Desert” – “Il Deserto Rosso”, no original), cuja protagonista tenta lidar com as dificuldades da vida e de autocompreensão ao se relacionar com um amante desafiador.
“Em vez de escapar, ‘The Drought’ dramatiza uma metamorfose em que a vulnerabilidade é confrontada pela regeneração. O ruído e a agressividade não mais agem como uma afronta à reação, mas fazem parte de uma ‘arquitetura corpórea’, onde o espaço, a harmonia e o lirismo emergem dos duros tropos da música industrial. A seca faz cronologia da transformação através de uma fome psicológica, novas maneiras de lidar com a sobrevivência”.
A preservação de Hoffmeiers e sua música como Puce Mary, se reinventando e se regenerando.
1. Dissolve
2. A Feast Before The Drought
3. To Possess Is To Be In Control
4. Fragments Of A Lily
5. Red Desert
6. Coagulate
7. The Size Of Our Desires
8. The Transformation
9. Slouching Uphill
