No Brasil, isso é bastante comum. Como não há cena consolidada de modo que as bandas iniciantes possam circular por bons palcos, formar público suficiente pra fazer sua arte ser sustentável, e gozar de uma mídia crítica, independente e madura, aceita-se o tal argumento de “se apresentar por visibilidade”. É uma cascata, já aprendemos isso por essa terras.
Nem mesmo quando o artista toca no Lollapalooza ou abre pra uma banda de grande porte gringa, essa “visibilidade” é recompensada a ponto de tocar de graça ser um bom negócio – a não ser, claro, que o artista queira se divertir ou colocar tal feito no currículo. Cada um faz o que acha que é apropriado pra sua carreira – se houver uma carreira, quando houver uma carreira ou mesmo que não queira desenvolver uma carreira. O livre arbítrio tem que ser sempre do artista.
As casas com palcos pra bandas novas em São Paulo, por exemplo, são conhecidas por dar à banda a incumbência de encher a casa e só pagá-la se isso acontecer.
Mas na Europa e nos Esteites nem sempre as bandas vêem com bons olhos essa cara-de-pau. Em fevereiro de 2015, a não tão iniciante Ex Cops (da qual já falamos aqui e que lançou em 2014 seu segundo disco, “Daggers”) recebeu um convite no mínimo insano.
O McDonalds, que é só uma das maiores e mais ricas empresas do mundo, pediu que a Ex Cops tocasse de graça pra marca no conceituado SXSW de 2015, em Austin, Texas. O McDonalds é patrocinador oficial do evento.
Amalie Bruun e Brian Harding, a dupla do Ex Cops, se surpreendeu, afinal a única paga que receberiam seria um lanche no McDonalds. Independente do que você acha da rede de sanduíches, foi uma afronta. Isso porque embora seja comum as bandas se apresentarem no SXSW por nenhum cachê ou um fiapo de grana, poucas delas são convidadas pelo patrocinador oficial e sendo esse patrocinador oficial uma das maiores cem empresas do mundo em faturamento.
Quando isso acontece, espera-se receber apropriadamente pra atrelar sua arte a uma marca vista por muitos como de qualidade duvidosa.
As empresas, a grosso modo, aliam-se a eventos culturais ou esportivos buscando dar um pouco de credibilidade às suas marcas, e se aproximar dos públicos-alvos desses eventos. Não é caridade, longe disso. Normalmente, aliás, deve haver uma estratégia de marketing bem pensada, delineada e definida, senão é como rasgar dinheiro. E empresas, você deve ter ciência, dificilmente rasgam dinheiro.
Sabendo disso, Brian Harding, indignado, respondeu no Facebook ao que achou dessa “realidade horrível”:
“Essa semana nossa banda foi chamada pra tocar no estande do McDonalds na edição anual do South by Southwest, também conhecido pelo mundo da música como ‘SXSW’. O argumento deles era que se tratava de ‘uma grande oportunidade pra exposição’, e que ‘o McDonalds coloca à disposição sua equipe digital do site pra ajudar na promoção cruzada etc.’. Eu não sei e tenho dúvidas se eles sabem o que isso significa.
Deixando pra trás essa retórica, é de se esperar que uma marca como o McDonalds possa pagar um pouco seus talentos, certo? ‘Não há orçamento pra cachê de artistas (infelizmente)’. Em 2013, McDonalds foi avaliado em 90,3 bilhões de dólares.
Não vou entrar em papo de Internet, sobre coisas que você provavelmente já viu na sua linha do tempo do Facebook; como aquele lance onde um trabalhador do McDonalds leva quatro meses pra ganhar o que um CEO ganha em uma hora; ou o caso de amor da empresa com alimentos geneticamente modificados; e eu certamente vou poupar-lhe a visão de fotos mostrando como eles tratam seus animais.
Em vez de ser pago como um verdadeiro artista, ou qualquer um que é contratado pra fazer um serviço, McDonalds nos garante que vamos ‘ser destaque nas telas de todo o evento, bem como, POSSIVELMENTE, ser mencionados nas contas de mídia social deles, como o Facebook (57mm likes!)’.
Recentemente, fomos headliners de um show da Baby’s Alright, no Brooklyn. Eles não são um palco DIY, mas são um pequeno comércio independente. Os proprietários são pessoas da nossa idade que costumam agendar shows e se foderam pra abrir uma casa por conta própria.
Embora eu não tenha perguntado a eles o quanto eles ganham anualmente (isso seria estranho), vou supor que eles não estão assim lá tão bem de vida. No entanto, quando tocamos, fomos pagos de maneira justa, além de nos deram bebidas e um bom jantar (experimente a couve Bruxelas).
Além disso, vou em frente e economizar tempo pra qualquer idiota que refutar: ‘há outros showcases pagando? Ninguém está apontando uma arma pra sua cabeça!’. Isso é verdade. É a nossa escolha (praticamente) ir a Austin, fazer shows sem passagem de som, e ser pago com nada ou com bem pouco. Mas ouça isso alto e claro: nós amamos fazer música, é o que fazemos, e apesar de algumas falhas muito aparentes, o SXSW ainda oferece um local decente pra ser ouvido por algumas pessoas que estão realmente lá pra ouvir a música nova e não apenas pra aparecer.
É uma realidade horrível quando se vê a verdadeira natureza das corporações e suas patéticas tentativas de alcançar relevância. Doritos recebeu um monte de críticas um par de anos atrás, mas eu vou presumir que pagaram a Lady Gaga. E, oh, quase esqueço: ‘McDonalds vai oferecer comida gratuita pra toda a plateia’.
Não tenho dúvida de que toneladas de bandas irão se curvar diante dessa tentativa manca de fazer um show de rock. E eu estou ciente de que alcançar qualquer exposição é uma tarefa hercúlea em 2015, mas a Roda da Fortuna é uma coisa real, e isso vai continuar a existir se nós, como artistas, continuarmos a dizer sim, em troca de um gostinho de sucesso. Mesmo que cheire como um filé de peixe de merda”.
Veja o Ex Cops ao vivo na KEXP, em 2013:
O Ex Cops é uma banda pequena, minúscula pro mercado do primeiro mundo. Mas ela vive um drama bem conhecido dos artistas brasileiros. Não é choro gratuito, não é drama qualquer. Um artista precisa ser pago, se assim o quiser, seja pela pequena casa de shows, seja ppor promover uma marca, seja pra tocar no serviço de streaming. Só ele sabe o valor de sua arte.