RADIOHEAD: REVOLUÇÃO, EXPERIMENTO OU SIMPLES CONVENIÊNCIA?

As opiniões são diversas, muitas vezes acaloradas. Quando o Radiohead lançou “In Rainbows”, seu sétimo disco, em 10 de outubro de 2007, causou um rebuliço que dez anos mais tarde não faria o menor sentido.

É que ao lançar “In Rainbows” no seu próprio site, no esquema pague-quanto-quiser, a banda levantou a questão básica: quanto vale a música? É uma questão que hoje, dez anos, depois, ainda é pertinente, mesmo que a resposta dependa de algumas variáveis. Resposta, aliás, que jamais se fará definitiva. Entretanto, naquele momento, o mundo ainda não conhecia o Spotify (surgido em 2008), o Deezer (2007) e o Bandcamp (2007) e o Radiohead já era um dos mais relevantes artistas do mundo. Thom Yorke e sua turma podiam inventar o que quisessem.

Desde “OK Computer”, quando remodelou a roda da música “indie” (entre aspas mesmo) e vendeu mais de quatro milhões de cópias só nos Esteites e na Inglaterra (acima dos dez milhões no mundo todo), a assertividade comercial do grupo vinha sendo arrefecida. “Kid A”, o trabalho seguinte, de 2000, vendeu duas milhões de cópias nos Esteites e Reino Unido, mas conseguiu o topo da parada em vários países mundo afora, muito graças à expectativa gerada pela espera de três anos entre um e outro. Daí pra frente, desandou. “Amnesiac”, de 2001, teve vendas um pouco menores; e “Hail To The Thief”, de 2003, só conseguiu primeiro lugar na França e na Inglaterra, embora tenha conseguido a melhor “venda de primeira semana” de todos os discos do Radiohead, com trezentas mil cópias nos Esteites (ficando um pouco abaixo da marca do milhão no final das contas).

“Hail To The Thief” marcava o fim do contrato de seis álbuns iniciado com a Parplophone (EMI) em 1993, com o lançamento de “Pablo Honey”. De repente, o Radiohead não tinha mais uma gravadora e nesses quatro anos até a chegada de “In Rainbows”, nenhum esforço significativo foi feito pra mudar esse cenário.

“Nós temos nosso próprio estúdio. Nós temos esse novo servidor. O que mais poderíamos fazer?”, pergunta Thom Yorke, nesse bate-papo com David Byrne, pra Wired, em dezembro de 2007, no meio do furacão.

“Foi uma ideia do empresário Chris (Hufford). Nós todos achamos um tanto excêntrico, uma viagem. Assim que colocamos no site, ainda dizíamos, ‘tem certeza disso?’, mas foi muito bom. Nos libertou de alguma coisa. Não foi niilista, implicando que a música não vale nada. Foi o oposto total. E as pessoas entenderam como era. Talvez isso seja apenas pessoas tendo um pouco de fé no que estamos fazendo”, disse. “E, sim, a única razão de ter dado certo é pelo fato que já estamos estabelecidos nessa indústria, pra começo de conversa. Não era pra ser um novo modelo de algo. Era só uma resposta a uma situação que vivíamos. Estávamos sem contrato (…) Era o óbvio a ser feito. Mas só funcionou porque éramos nós”.

Em termos de grana, funcionou por isso, sim. Toda banda inciante sabe que não é só colocar o disco de graça na Internet que assim o dinheiro vai jorrar na conta bancária. Não é assim que funciona. Ainda hoje, com tantas opções, de Spotify a Bandcamp, não é tão simples. Naquela época, o MySpace já estava com um pé na cova, de modo que as pessoas já conheciam um modelo de divulgação gratuita do próprio trabalho, mas que não passava disso: um modelo de divulgação gratuita.

O Radiohead não era nenhum iniciante. Já havia vendido mais de vinte milhões de cópias de seus álbuns no mundo todo, embora isso não quisesse dizer exatamente que eles tenham ganho tanto dinheiro assim. Nesse sentido, Yorke faz uma revelação: “fizemos mais dinheiro com esse disco do que em todos os outros discos do Radiohead juntos, se contarmos só as vendas pela Internet. É bem louco. É em parte devido ao fato de que a EMI não estava nos dando dinheiro das vendas digitais. Todos os contratos assinados em uma determinada época não têm nada disso”.

Na prática, segundo revelação da Warner em 2008, responsável pela distribuição do disco físico, “In Rainbows” rendeu mais grana à banda nos três meses em que vigorou o sistema pague-quanto-quiser do que toda a venda de “Hail To The Thief”. Os números divulgados são o seguinte: mais de dois milhões de pessoas fizeram o download pelo site, nos três meses antes do lançamento físico (que aconteceu em 1º de janeiro de 2008), sendo 62% gratuitamente e 38% pagando alguma coisa – em média seis dólares (eu mesmo paguei um mísero dólar pelo disco) – de modo que aproximadamente setecentos e sessenta mil discos foram vendidos no sistema pague-quanto-quiser e outros um milhão, duzentos e quarenta mil foram baixados gratuitamente no site oficial.

Nessa conta, os setecentos e sessenta mil discos renderam integralmente ao Radiohead mais de quatro milhões e meio de dólares (760 mil x US$ 6,00), já que não havia intermediários.

Apesar disso, ou talvez por causa do burburinho do experimento, assim que as vendas físicas começaram, mais um milhão e duzentas mil cópias do CD foram vendidas – até novembro de 2008, só na Inglaterra! – gerando dezoito milhões de dólares. Dessas, cem mil cópias foram de uma edição especial, com CD, vinil, outro CD com faixas adicionais e material extra, a oitenta dólares cada. No iTunes, a grande loja virtual daquele período, mais cinquenta mil cópias foram vendidas, gerando mais meio milhão de dólares. Sem contar que o Radiohead vendeu um milhão e meio de ingressos na turnê de promoção do disco. Calcula-se que no primeiro ano após o experimento a banda tenha feito pra mais de quarenta milhões de dólares com “In Rainbows” (sem contar as vendas de ingressos da turnê).

E é esse o termo que a própria banda e analistas em vendas usam pra tratar do assunto, “experimento”. Pro Radiohead, estar sem contrato e com um disco fresquinho em mãos, seria ter a obrigação de tratar com gente da mídia, com o promocional etc., algo que foge totalmente da aptidão única de criar e tocar. Principalmente com o fator principal: os downloads ilegais muitas vezes gerados a partir de discos distribuídos previamente pra imprensa. O Radiohead queria fugir desse jogo viciado.

Além do mais, não era uma ideia original, longe disso. Nos Esteites e na Inglaterra, os teatros já faziam peças pague-quanto-puder em determinadas noites. Em 2003, em Salt Lake City, abriu o One World Cafe, com produtos naturais e o sistema “sem menu, sem preços” e pague-quanto-puder, pra atender toda a comunidade. Em 2005, o estabelecimento se tornou lucrativo a ponto de gerar meio milhão de dólares por ano. Em 2012, porém, o estabelecimento fechou, não sem antes inspirar uma dezenas de outros estabelecimentos a seguirem o mesmo modelo. No Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque, muitos dos mais de cinco milhões de visitantes anuais pagam em média vinte dólares pra entrar, mesmo que um aviso na entrada diga que o preço sugerido é só “uma doação”.

Mesmo com tantos exemplos, a desconfiança prévia era geral. Nos três meses que precederam a venda física (que a princípio nem iria acontecer), todo mundo apostava que os downloads iriam fazer ninguém comprar uma cópia sequer, incluindo aí Will Botwin, o chefão a ATO Records, dona da TBD, etiqueta que lançaria o disco nos Esteites: “a estratégia é bacana, mas duvido que se traduza em vendas de discos”.

Botwin não estava sozinho na desconfiança. A revista Fortune, tão determinada a ser especialista em negócios, colocou o lançamento de “In Rainbows” em 59º lugar entre os “101 mais idiotas momentos de negócios” de 2007, brincando que o disco seguinte da banda se chamaria “In Debt”. Curioso é que o texto da Fortune já trazia os números do ano fechado do experimento: 38% pagando seis dólares em média. Era só fazer a conta e ver a fortuna que a banda ganhou.

Apesar disso tudo, o Radiohead não mudou a indústria da música. Seu impacto foi nulo nesse sentido, justamente, como já havia dito e previsto Thom Yorke, porque esse era um sistema de vendas que só funcionaria pro Radiohead e basicamente pra um experimento único, tanto que os discos seguintes seguiram o padrão já estabelecido há décadas pela indústria, com a ressalva de que, oras, o Radiohead a essa altura pôde conseguir um contrato de distribuição melhor do que aquele antigo com a Parlophone/EMI, até por ser dono da master e da composição.

Dez anos depois, acertaram os críticos do modelo, embora eles tenham sido demasiados cruéis com a banda em si. Uma das mais incisivas foi Kim Gordon, do Sonic Youth, que disse ao Guardian, em 2009, que “foi uma boa jogada de marketing, eu queria ter pensado nisso antes! Mas nós ainda não estamos em posição de fazer isso. Não sei nem se a gente consegue lançar mais discos se a gente fizer por conta própria: é trabalho pacas. E isso nos afasta do sentido real que é fazer música”.

Lily Allen foi além, chamando a banda de “arrogante”: “eles têm um bocado de dinheiro. Isso passa uma mensagem estranha pra as bandas mais jovens que não estão tão bem”. Já Liam Gallagher disse que só daria um disco do Oasis de graça se fosse “por cima do cadáver” dele. O jornalista Will Hodgkinson, num artigo pro Guardian, em 2007, começa com o título “obrigado, Radiohead, por dificultar ainda mais a vida das bandas novas”.

O experimento do Radiohead se mostrou válido como um estudo de caso apenas. As críticas se esvaíram assim que o tempo passou e, sinais dos nossos tempos, outros assuntos mais importantes vieram à tona. Perto do que o Radiohead fez em 2007, hoje a oferta de “música gratuita” – ou, melhor, oferta de “música acessível” – seja pelos serviços de streaming, seja pelo Bandcamp, seja pelo YouTube, seja pelos downloads ilegais, é muito mais ampla.

Um experimento desses hoje seria tão vazio quanto despropositado. Mas em 2007, parecia uma revolução, que não se concretizou. A úncia certeza é que foi uma ferramenta conveniente financeiramente. Dez anos depois, virou uma pitoresca história pra se lembrar.

Aqui, um bocado o disco ao vivo:

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