É difícil definir “Átrio”, segundo disco do pernambucano Renê Freire (o primeiro foi “Nevroses”, de 2020). A gente coça pra cravar “música clássica”, como se isso quisesse dizer alguma coisa, a não ser que as notas foram compostas e executadas séculos atrás. Não é o caso de Freire. O piano nos ilude e nos leva a essa impressão, mas “Atrio” parece mais “moderno” (assim, entre aspas, pois é difícil definir uma “música moderna”), com piano como ferramenta.
Desde o início, com “Myosotis”, há uma certa lista de referências, que incluem ginga, trilha sonora, e “música clássica”. Parece mais um exercício e, de acordo com o comunicado à imprensa, é isso mesmo: “guiado pela exploração da composição como exercício criativo, musical e estético, o trabalho ganhou corpo quando o músico transformou suas composições e improvisos em diálogos diretos com suas questões de saúde mental – mesmo se tratando de faixas instrumentais. O piano ganha ares experimentais com intervenções eletrônicas. Não por acaso, ‘Átrio’ recebeu o nome das câmaras presentes nos dois lados do coração”.
O texto ainda esclarece que, “entre composições e improvisações, ‘Átrio’ se desdobra em oito faixas onde o pianista Renê Freire explora o fazer musical do ponto de vista criativo. Mais que um estudo que se tornou sua dissertação de mestrado em Composição na Universidade Federal da Paraíba, o disco é um registro cru e orgânico do piano solo enquanto meio de criação e expressão total de seu criador”.
Em outras palavras, é o piano e o pianista, o artista e a criatividade, o coração e os dedos, o sentir e o fluir. “Átrio” é mais curioso do que um material de apreciação comercial – nem teria como, nos dias de hoje.
“A ideia do nome ‘Átrio’ surgiu a partir de uma conversa informal com um amigo sobre os processos criativos em uma composição musical. Segundo a concepção deste amigo, o processo criativo em uma composição é fruto de um trabalho racional, quase puramente científico. Na conversa, eu discordei de tal assertiva, expondo que, na minha concepção, o ato criativo na composição musical teria uma ação muito mais emocional que racional. Devido a tais questionamentos gerados por esta discussão é que tive a ideia de intitular uma peça pra piano, que eu estava compondo na época, que pudesse fazer alusão à inquietação gerada pela discussão. A palavra escolhida foi ‘Átrio’, que além da peça, que também está contida no álbum, se tornou o título do disco”, resume Renê.
“Partindo desta minha compreensão em relação aos processos criativos, o uso do termo ‘átrio’ passou a ter um significado de ‘a sala principal’, ‘a entrada’ pras minhas emoções mais profundas, assim como as câmaras do coração, órgão este que popularmente é relacionado com as emoções e os sentimentos”, completa.
A composições foram escritas entre 2016 e 2021 e, embora a obra dure apenas em torno de vinte e cinco minutos, um espaço bem curto pra explorar as nuances que as composições poderiam permitir (a misteriosa – no sentido de “suspense” – “Cruz” é um desses desperdícios), é um trabalho que merece uma reverência, daquelas de guardar um tempinho pra si, pra ouvir sozinho.
O diso foi lançado dia 19 de agosto de 2022, em união dos selos Brava (SP) e MenasNota (BA). O próprio músico assina a produção musical ao lado do orientador de curso Valério Fiel da Costa, com efeitos eletrônicos de Luã Brito. A mixagem e masterização são assinadas por um nome velho de guerra aqui do site: Emygdio Costa.
“Átrio” talvez não vá morar no seu coração, mas você pode permitir que ele entre ali, e sentir a obra pulsar, mesmo sem conseguir defini-la.
1. Myosotis
2. Nastássia
3. Interlúdio I
4. Átrio
5. Interlúdio II
6. Cruz
7. Interlúdio III
8. Síndrome
Foto que abre o artigo: Everson Verdião
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