RESENHA: ALLEGAEON – APOPTOSIS

A hostilidade com o recebimento de bandas como o Allegaeon dá-se pela indeterminada atribuição de os membros “apenas serem técnicos”. Essa posição recua perante os novos discos de metal, acusando-os de serem “superproduzidos”. A música perderia agressividade e “caráter”, esquecendo-se de suas raízes e raiva originárias.

Todas as atenções voltadas pro tecnicismo não permitiria, no entanto, o desenvolvimento tanto melódico quanto brutal de uma banda como Allegaeon. Por exemplo, o baixo de seis cordas que funciona tanto pros solos quanto pra parede sonora que por vezes se ergue, como verdadeiros músicos preocupados com rifes complexos e solos esquisitos que trabalham numa tênue linha entre certa beleza orquestral e a decadência de uma construção. Tudo isso pra enfurecer um ambiente que oferece pouca hospitalidade, porque vive em constante reconstituição. Eu assumo que essa forma de contínua reformatação tenha a ver com o próprio tema das letras. O vocal limita-se ao gutural, com raras passagens limpas que surgem pra ampliar o tema sem recorrer aos constantes berros.

O prazer é que apenas esta superprodução permitiria que tais estratégias de avanço e recuo fossem tão explicitadas a ponto de a comunhão dos polos poder ser tão poderosa. O medo, então, se dá pela própria superprodução poder, também, apresentar uma fragmentação que permita que os estilhaços, ou as passagens específicas, criem seu próprio microcosmo sem tudo soar excessivo, mas apenas um retalho que necessitava de ser aproveitado. Os músicos dividem o álbum em três partes, mas essa nítida divisão instrumental cria esferas que podem ser percebidas em todas partes, indicando que, mesmo na fragmentação heterogênea, há um resíduo que nunca se perde. Esse medo se deve a uma teórica fidelidade da experiência, porque o modus operandi pode ser melhor percebido e, consequentemente, desfrutado. O disco se torna menos difícil por causa das suas incorreções e a relação com ele e suas divisões passam a ser o epicentro da experiência.

A música não perdeu sua agressividade, mas apenas resolveu problemas simples em sua produção ao apontar os caminhos que os músicos pretendiam desde o início. A dificuldade não é a própria audição, mas sim em rastrear a forma que os movimentos se entrelaçam e ganham liberdade ou restrição em certa experiência temática. Como tal tipo de música já traz muitas insinuações, os caminhos cristalizados não deixam a audição menos complexa ou multidimensional, porque evocam uma desolada paisagem futurística e apela à memória – à mesma memória que ouviu as frases melódicas na introdução – pra criar conexões entre fragmentos perdidos em outras faixas. A cultura do próprio meio de que os álbuns deviam se restringir à apreciação de um nicho já “batizado” no gênero cai na medida em que “Apoptosis” se constrói fora desse dualismo praticamente caricato.

Seja pela técnica de criar pontes submersas entre universos aparentemente divergentes, seja por aproveitar a produção pra escancarar passagens que em sentido algum minimizam os efeitos dos rifes e dos solos, “Apoptosis” evidencia que raiva não são meros murmúrios inaudíveis, mas que antes do grito agressivo há um universo denso que permite sua exteriorização.

01. Parthenogenesis
02. Interphase // Meiosis
03. Extremophiles (B)
04. The Secular Age
05. Exothermic Chemical Combustion
06. Extremophiles (A)
07. Metaphobia
08. Tsunami And Submergence
09. Colors Of The Currents
10. Stellar Tidal Disruption
11. Apoptosis

NOTA: 8,0
Lançamento: 19 de abril de 2019
Duração: 56 minutos e 22 segundos
Selo: Metal Blade
Produção: Dave Otero

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