RESENHA: AMNESIA SCANNER – ANOTHER LIFE

Amnesia Scanner é orientada a esquecer toda a tralha estética imposta nos últimos anos, na tentativa de facilitar a manipulação eletrônica como um método especulativo de experimentar alternativas.

Porque nós temos acessos à amnésia coletiva que é protocolada em carimbos de consumo invadido lares mundanos e hipnotizando-nos vulgarmente e microexplosões de sentido que sempre acabam com uma psicodélica Rufles ocupando três quartos da televisão.

Em vez da pressa em identificar o que necessariamente é este álbum, surgem os sons distorcidos por uma peneira cujo método se baseia em deliberadamente destroçar as ligações causais entre música e comércio. Restam os sons. Pra Amnesia Scanner, a música tem de assumir, em seus veículos portáteis, um papel protagonista em detectar as falcatruas especuladas como realidade, trends, podcasts, reviews etc. A música tornou-se uma comodidade portátil, um mero apetrecho.

Nesta cultura sobressaturada, nós percebemos a música como algo onipresente, invadindo através de pendrives, streamings e players automáticos em sites não muito confiáveis. Talvez nós parássemos de investigar eternamente nesta rede de informações sem fim e nos detivéssemos nos símbolos como pura manifestação de uma incompreensão coletiva absolvida de qualquer julgamento elitista-cultural em prol de erradicar a falsidade que é a estética, os gêneros e o comércio.

É um fardo solitário na história em que os memes (veja o Instagram do produtor) se proliferam porque eles afirmam que na comédia algo sempre é roubado de uma referência como se a desnudasse em sua realidade bizarra. Afinal você ainda está sozinho lutando pra ter algo que passe o tempo, ouvindo todas as músicas possíveis torcendo por identificação, lendo os livros hermenêuticos pra decodificar os enigmas, assistindo aos filmes que zombam da modernidade e da pós-modernidade, que são pastiche de uma época em que referências culturais já nascem estigmatizadas.

Há algo inumano nesse escambo conhecido como humanidade, uma força perversa que se orienta pela proliferação do capital enquanto lógica interna própria, abastecendo a arte com táticas publicitárias. Que o tipo de música feito pelo produtor – palpada nos desvios dessa lógica de consumo, comandada pela distorção de uma realidade dada até que ela fique nua, explícita em sua falta de matéria – seja um pastiche complacente com esse mundo de falsas-afirmações, não é incomum. Durante o disco, percebe-se a ironia transparente como mote maior de um campo preenchido por exposições óbvias de uma falta de sentido abundante nisso tudo. O músico quebra com as lógicas envelhecidas justamente por ser fruto de uma época em que o excesso de representações torna qualquer coisa caricata, interpelada pelo ridículo próprio e alheio. Em fragmentos, que em sua continuidade vão se desgastando, o processo de algo tornar-se “datado” é evidenciado sonoramente. E isso assusta porque se vive em uma época em que tudo é obsoleto. Não há espelho que resista à destruição imposta pela submissão à imagem.

Ele encontra uma estética deteriorada, mas que se leva a sério. Então, é importante retroceder ao fato de que nichos e subnichos procriaram-se pela pobreza do diálogo e se abastecem em contínuas zonas de conforto artístico. Neste ponto, “Another Life” subverteu seu próprio processo destrutivo porque ele cria efetivamente algo, não apenas minando convicções alheias. Agora, o álbum é um fator que nega o que seu próprio produtor viraliza: de que tudo é esboço de identificação palpado em representações conscientes. De certa forma, ele viaja pelos canais de charts e trend topics pra lixá-los.

Ele é a tecnologia de nosso tempo, determinada por vírus e algoritmos. Esse sistema de caos constante, que é nossa história, tem de fugir da lógica determinista de funcionalidade pra se propagar (como os vírus) em frestas de desconforto, desafio e ausência ortodoxa. O horizonte musical questiona por um espaço em que ele se coloque como responsável pela mediação iminente com o ouvinte. Agora que eu aceito o caos de nosso tempo, eu posso começar a interferir ativamente em meu ecossistema… Finalmente, o caos estético mostrou brechas pra ser colocado em xeque.

A era das dançantes festas cyber góticas enquanto a humanidade está à beira da extinção. Em outubro de 2018, torna-se necessário subverter os padrões canonizados e utilizar seus procedimentos de construção não apenas pra desenvolver possibilidades artísticas, mas repensar como a conjuntura do neoliberalismo tem tornado tudo aceitável através da normatização do capital.

Esse produtor sabe que o deboche da memetização ainda não é o verdadeiro deboche. Que há um caos primordial regendo as falsas estruturas em que tanto a humanidade se ampara. Seu objeto de estudo é a personificação da celebração em meio ao caos: uma unidade indissolúvel de reconhecimento e diversão. O imenso caos é transfigurado em uma plataforma criativa através do deboche – uma outra vida se organiza.

01. Symmetribal
02. Unlinear (com Pan Daijing)
03. A.W.O.L.
04. Another Life
05. Daemon
06. Too Wrong
07. Spectacult (com Oracle)
08. Faceless
09. Chain
10. Securitaz
11. Chaos (com Pan Daijing)
12. Rewild

NOTA: 9,0
Lançamento: 7 de setembro de 2018
Duração: 39 minutos e 29 segundos
Selo: PAN
Produção: Ville Haimala e Martti Kalliala

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