RESENHA: ARCADE FIRE – EVERYTHING NOW

Parece que estamos todos de acordo quando definimos uma “banda grande” como uma banda que tem público suficiente pra se mover mundos por ela: o suficiente pra gravadora gastar grana em excesso em marketing e promover o disco; o público fazer o impossível pra ver o show; a imprensa correr pra promover discussões, resenhas e polêmicas; os promotores pagarem o que for pra ter o artista no topo dos seus festivais; e o próprio artista poder falar o que quiser que as atenções se viram pra ele.

Conforme vamos envelhecendo, o número de artistas pelos quais desprendemos algum pingo de importância vai diminuindo – a vida tem, afinal, muitas outras prioridades. Mas eles estão por aí, de olho nas gerações que vão crescendo depois de nós.

Em outras palavras, nem sempre dá pra esperar o “nosso” artista crescer num ritmo decente, sem ser intempestivamente. Porque pode ser que a gente envelheça antes e perca a magia.

Chegou a vez do Arcade Fire. Não que tenha deixado de tentar lá atrás. “The Suburbs” (2010) talvez tenha sido sua aposta mais voraz nesse sentido. A imprensa amou, teceu teses. Os fãs e os nerds amaram, enxergaram uma obra-prima, criaram camisetas e se orgulharam de dizer que gostavam do grupo. Mas a coisa pareceu azedar com o disco seguinte, de 2013, “Reflektor”.

Numa questão meramente subjetiva, você pode achar esse ou aquele disco melhor ou pior. Particularmente, acho “Reflektor” a obra-prima do grupo, junto com “Funeral” (2004), mas cada um acha o que quiser. Aqui, no caso, vale a percepção de que os fãs e a imprensa já não estavam mais tão tolerantes com os delírios dos canadenses.

O Arcade Fire tem um jeito de pensar suas obras mais ou menos como uma escola de samba: acha um enredo e tenta desenvolver todo o resto ao redor dele. Em “Reflektor”, ficou tudo ok (leia aqui). Por outro lado, seus enredos têm base: a depressão pela não aceitação, pelo isolamento, a morte, o suicídio, a perda e o amor.

Agora, a aposta mais pesada: “Everything Now” (mais detalhes aqui). O quinto disco do Arcade Fire fala sobre depressão, suicídio, perdas, amor, isolamento, tudo isso como consequência do mundo excessivamente exigente, competitivo e de “conteúdo infinito”, que faz com que você pareça ainda mais insignificante.

A banda observa que muita gente acha que é preciso fazer algo pra aparecer, um vale-tudo pra não ser ninguém, pra não ser nada. Não tem nada de genial nessa percepção, todo mundo já sabe disso desde o começo do século e não importa o quanto as coisas tenham se agravado. Só que agora o Arcade Fire é uma “banda grande” maior do que se imaginava que podia ser após ganhar prêmios, oceanos de dinheiros e figurar no topo dos festivais. É uma crítica “de dentro do sistema”, por assim dizer. Os canadenses estão lá e lutam pra sobreviver e poder contar história depois.

Muita gente pode achar cínico, uma tremenda cara-de-pau, entretanto não dá pra negar o quão divertido é fazer qualquer crítica ao sistema quando se está lá no topo. Pelo menos eu imagino. Talvez o cinismo esteja em quem sempre operou as benesses e sacanagens da indústria ficar puto agora e ainda assim dar de ombros porque pode ganhar uma grana com essa crítica.

Convenhamos que críticas à sociedade de consumo nunca foi algo inovador – de Cindy Lauper a Nirvana, passando por Radiohead e Madonna, todo mundo deu suas espetadas aproveitando a grana que isso gera. Acontece que o Arcade Fire vive numa época diferente. É uma “banda grande” numa era diferente e com alguns ouvidos jovens ainda dispostos a ouvir o que ela tem a dizer – ou alguém faria alguma coisa diferente de bocejar se o Rolling Stones ou o U2 resolvessem fazer esse tipo de crítica?

A época do Arcade Fire é a época do hiperconsumo de informação que, curiosamente, diminui sua própria capacidade de influência. “Every inch of space in your head / Is filled up with the things that you read / I guess you’ve got everything now / And every film that you’ve ever seen / Fills the spaces up in your dreams”, cantam os canadenses, na faixa-título.

Só que a realidade que se confunde com o que é informação (ou delírios ou criação) não é nada divertida quando a pessoa não lida bem com tanta coisa e se vê um fantasma nessa sociedade – lembra das pessoas invisíveis? Pois é, somos quase todos nós…

Depressão, é o que temos aos montes. “God, make me famous / If You can’t, just make it painless / Just make it painless / Assisted suicide / She dreams about dying all the time / She told me she came so close / Filled up the bathtub and put on our first record”, cantam em “Creature Comfort”; e “You want to get messed up? / When the times get rough / Put your favourite record on baby / And fill the bathtub up / You want to say goodbye / To your oldest friends”, em “Good God Damn”.

“Put on our first record”: em referência a “Funeral”, o próprio Arcade Fire se insere como culpado nesse mundo em que eles venceram e muitos dos seus ouvintes serão anônimos frustrados – em qualquer área da vida, não se trata necessariamente de querer fama e dinheiro, claro.

Álgum na íntegra (por tempo limitado):

Num mundo desses de frustração é irônico – e talvez corajoso – que o Arcade Fire tenha escolhido aprofundar a fase dançante que vinha dando ar da graça desde “The Suburbs” e brilhou magnificamente em “Reflektor” (“Afterlife” poderia estar em “Everything Now”).

Você vai certamente ler em qualquer resenha a palavra ABBA quando o assunto for a sonoridade deste disco. Se a gente se atentar pro fato de que o ABBA é uma das maiores empresas da Suécia em termos de faturamento, talvez o Arcade Fire tenha feito uma ligação feliz, mas é possível ver também que na verdade o Arcade Fire está só emulando um Arcade fire que ninguém gostaria que se tornasse.

É dançante, tem menos guitarras, mais batidas eletrônicas e baixo suingadão. Porém, não é à toa. A faixa-título usa sampler do camaronês Francis Bebey (ouça aqui). “Electric Blue” remete a David Bowie, em “Sound And Vision” (ouça aqui). “Sign Of Life” tem um tanto de Daft Punk. É, por isso, tão vulnerável a inconsistências quanto qualquer obra do grupo. Só que isso também é argumento a favor deles: nem tudo é perceptível, mas está tudo aí à disposição.

Em meio a uma massiva campanha de marketing e ações de ativação bizarras, que incluem auto-resenhas elogiosas e manual de como se vestir e se portar em shows, a banda cria mais argumentos pra ressaltar como é fácil mostrar seu ponto: temos tudo ao mesmo tempo agora mas não temos nada. São tempos mais angustiantes do que vibrantes. Muita coisa nos escapa por mais que tenhamos captado muito.

No final das contas, essa “banda grande” se enxerga com uma insignificância atroz. Sua obra vai passar como qualquer outra. Seja porque crescemos e temos mais com que nos preocupar, seja porque vêm novos astros por aí, seja porque é exatamente isso que eles queriam provar.

NOTA: 8,0
Lançamento: 28 de julho de 2017
Duração: 39 minutos e 00 segundos
Selo: Sonovox e Columbia Records
Produção: Arcade Fire, Thomas Bangalter, Geoff Barrow, Markus Dravs, Eric Heigle, Steve Mackey

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