RESENHA: B.K. (NECTAR) – CASTELOS & RUÍNAS

B.K. começa “Castelos & Ruínas” falando que ele segue na sombra. Pra além do fato óbvio que isso queira dizer uma suposta marginalidade, como autor, pode-se dizer que ele está em terreno incerto. A incerteza garante mais liberdade criativa, mas também é um terreno consideravelmente mais impossível de deslizes. A visão de B.K. vai além – por estar na sombra, ele solta mais bombas e se movimenta em versos que significam uma porção de coisas ao mesmo tempo.

Ele é bem sincero: fala dos soldados, das mulheres e da possibilidade de abandonar esse mundo que ao mesmo tempo que gera tantas confusões tem um efeito notoriamente carnal. É o prazer indelegável. Por estes versos, percebe-se que não se trata necessariamente de um homem em “evolução” ou qualquer merda idílica dessas – mas sim, por saber de certas fraquezas geradas por variadas tentações, temos um artista com absoluto conhecimento de seus desejos, por mais convencionalmente degenerados eles sejam. Quando ele pergunta “o que a vida tem pra me dar?” e começa a elaborar respostas, a realidade abrupta surge. E, ao invés dele tentar criar escapismos, ele afunda nessa realidade um vasto tema lírico que se desdobra em divagações, realismo e um estado quase sempre confessional. É justamente o reconhecimento de determinada “ganância” curiosamente gerada pela falta de coisas básicas que cria o paradoxo que B.K. discorre em praticamente todas as faixas.

A obsessão com o paradoxo e as possibilidades criativas são marca em artistas consideráveis há muito tempo. Isso porque ao invés de apontar apenas direções simples (por mais elaboradas que sejam), se debruçar sobre o paradoxo – mais do que a relação frágil entre amor e ódio – intensifica uma gama pesada de reações. E considere pesada como algo que atinge a mortalidade – a morte está em todos os cantos em que B.K. circula e “Castelos & Ruínas” é justamente sobre a dificuldade de circular por estes espectros carregando tantos desejos e ambições.

Ele pode carregar o inferno enquanto trafega pelo céu e ele pode estar se queimando internamente enquanto frequenta uma suposta paz – mas sempre pronto pro recomeço da guerra, esta realidade à espreita. A corrida por dinheiro, a falsa união que o capital constrói, a relação mais uma vez paradoxal entre burguesia e desejos, como vítimas se transformam em vilões, como o mundo exige que você seja um tipo de vilão.

Ouça na íntegra:

Um fato é nítido – ele quer o que o mundo tem a oferecer mesmo sem saber direito o que necessariamente é, embora tenha conhecimento pleno dos métodos aplicados pra isso. Porque o concreto pode se estender até um ponto irreconhecível no horizonte, mas as coisas que nos cercam – armas, facas, mortes, frustrações – são categoricamente definidas. Difíceis de atravessar numa caminhada já fracassada em chegar naquele ponto distante. É mais ou menos sobre a ambição de querer o que não tem e ter que suportar o que não se quer pra alcançar algo que nunca vai ser o suficiente.

Estruturalmente, são blocos pessoais que formam um castelo cuja própria origem é uma ruína que também será o fim inescapável. E B.K. não quer escapar deste fim, mas ele também quer entrar em todos quartos do castelo, aproveitar todas suas comidas e bebidas e perversidades, antes que a construção volte a seu estado original em ruínas. As ruínas que podem ser o Leblon, a loucura, o esquecimento, as “necessidades”, o irreconhecível. B.K. sabe que não pode ficar muito tempo num cômodo então: há sempre uma paz que precede um movimento acelerado.

“Castelos & Ruínas” não abriga espaço pra qualquer aspiração de pureza mas também explicita que essa nunca foi e nem poderia ser a intenção de seu criador. B.K. é alguém não estático e isso mais do que estimular criações musicais, intensifica identificações múltiplas que nunca se recolhem num cômodo específico. As invasões são várias, as multiplicidades são paralelas – como manter a paz de um mundo que raramente estimula uma única sensação por momento? A sucessão de divagações saem da boca de B.K pra revelar alguém incompreensível porque justamente aceita a falta de identidade proporcionada por desejos tão abjetos. Se tudo acaba, se nada é eterno – porque ainda assim desejos basicamente irreais incham nossas pretensões? B.K vai pra guerra com o que resta, ele não pode descansar porque a permanência no castelo necessita de uma movimentações intensa pra revogar a ruína (ou adiá-la).

B.K. é capaz de rimar sobre qualquer batida e sua técnica (tanto em termos de flow como em termos de batidas) é evidente em todo o disco. Por isso eu tentei mais explicitar minhas reações e atravessamentos com o vasto tema lírico. Porque ele tem um peso intrínseco à sua pessoa. E transforma todo esse peso em música.

01. Sigo Na Sombra
02. C&R Interlúdio I
03. Quadros (participação Ashira e Luccas Carlos)
04. O Que Sobra Disso Tudo (participação Luccas Carlos)
05. Visão Ampla
06. Caminhos
07. Castelos & Ruínas
08. Pirâmide
09. Amores, Vícios e Obsessões
10. Não Me Espere
11. Um Dia de Chuva Qualquer
12. C&R Interlúdio II
13. O Próximo Nascer do Sol

NOTA: 7,5
Lançamento: 21 de março de 2016
Duração: 43 minutos e 50 segundos
Selo: Pirâmide Perdida Records
Produção: El Lif Beatz e JXNVS

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.