NA DOR E NA FÚRIA
A morte é um troço fácil só pra quem é o protagonista. Pra quem fica, há a dureza de lidar com a dor, o vazio, as lembranças, a necessidade de reformar a vida.
Robert Levon Been perdeu o pai, Michael Been, e a banda perdeu o produtor (do disco anterior, “Beat the Devil’s Tattoo”, de 2010). O dia a dia fica diferente, há essa lacuna que não se consegue descrever, e pros artistas isso pode até ser benéfico, transportando a dor pra arte. Normalmente, é um componente infalível pra criação.
No caso de “Specter At The Feast” (todos os detalhes aqui), o Black Rebel Motorcycle Club conseguiu injetar em partes todo esse pesar à obra. O grupo literalmente chamou a dor pra festa.
Na abertura, o sofrimento é evidente. “Fire Walker”, a primeira faixa, começa tentando impor o clima sombrio e melancólico que se verá em praticamente todo o disco. “Let The Day Begin”, música do The Call (lançada em 1989), banda de Michael Been, tem um acento U2 e é uma releitura que não merece julgamento por se tratar de uma homenagem muito pessoal. Além do mais, a original já não era uma obra digna de destaque afora do âmbito comercial. Mas a fúria que o trio acresce à canção é de se aplaudir.
Ouça “Let The Day Begin”:
“Returning” e “Lullaby” são duas baladas chorosas e as que mais dividiram opiniões. A maioria das resenhas mundo afora diz que aqui estão os pontos fracos do disco. Não é verdade. São talvez as canções mais sinceras nesse momento que o trio vive, em especial Robert Levon Been. Entretanto, é perfeitamente compreensível torcer o nariz pra elas: são baladas e baladas não são bem vistas em bandas que abusam das distorções e da crueza (bem apresentada em “Howl”, de 2005, talvez o seu melhor disco, mergulhando o blues, o country e o gospel na panela fervente da psicodelia – e algo que “Lullaby” até se aproxima de fazer).
Vídeo-letra pra “Returning”:
Mas logo mais vem “Hate The Taste”, “Rival” e “Teenage Disease”, que namoram com o grunge ou com o disco anterior, “Beat The Devil’s Tattoo”, e aceleram as intenções. É nesse ponto que a banda contemporizou – e esse ato “em cima do muro” é de fato o deslize do disco, em que o artista tenta agradar a si, aplacando seu luto, ao mesmo tempo em que se lembra de agradar o fã-ouvinte de longa data. Perde-se, assim, uma unidade que ficaria de bom grado ao ouvinte que compreende o momento de pesar.
Por outro lado, as canções aceleradas não são ruins. São daquelas típicas do BRMC: pra ouvir alto, com uns drinques na cabeça, e devem funcionar bem ao vivo, como funcionam as canções dos primeiros álbuns.
“Some Kind Of Ghost” traz o disco novamente ao trilho pro qual ele foi emocionalmente planejado. Um alento pra quem gosta do “Howl”. O “espectro”, o “fantasma” a que a banda se refere é obviamente a presença artística do senhor Been.
“Sometime The Light” é de arrepiar, com suas teclas evocando um momento de reverência e respeito (o Spacemen 3/Spiritualized agradeceria a citação).
Mas o melhor a banda deixou pro fim. “Lose Yourself” é a canção mais “chorosa” do disco. Um lamento de sete minutos, com alguns dos clichês mais notórios das baladas pop: estrofe-refrão-solo-de-guitarra-climão-estrofe-refrão. Mas parece-me necessário encarar esses clichês.
Quem perdeu alguém muito próximo pode comprovar: a dor não se presta a formalidades – cada um a expia como pode.
NOTA: 7,5
Lançamento: 18 de março de 2013
Duração: 58 minutos e 41 segundos
Selo: Abstrat Dragon
Produção: Black Rebel Motorcycle Club
Tenho achado estranho o tanto de crítica negativa que o album tem recebido. Esse disco tem várias musicas que pra mim estão entre as melhores do ano.
Ah, faltou um parágrafo pra descrever o noise de Sell It. haha
[…] primeiro vídeo oficial tirado do mais recente disco do Black Rebel Motorcycle Club, “Specter At The Feast”, não podia ser outro senão pra “Let The Day Begin”, cover da The Call, banda do pai […]
[…] “Hate The Taste” está no mais recente disco do trio, “Specter At The Feast”, de 2013 (leia qui a resenha). […]
[…] abertura do mais recente disco do Black Rebel Motorcycle Club, “Specter At The Feast” (leia aqui a resenha), o “ao pé da letra” resultou em algo bastante bizarro e […]