RESENHA: BLEAR – BLEAR

Em fragmentos:

Mentes ferradas distorcem coisas ou as coisas sempre ferradas que distorcem nossa mente? A gente tem que lidar com a merda dos outros toda hora. Isso não é o inferno como diria o outro, mas é chato pra caramba estar no meio da complicação dos outros. É chato pra caramba ter que fingir que se preocupa.

Eu coloquei “Blear” pra ouvir em um dia de preguiça extrema e fui surrado com a primeira faixa. Mais do que me lembrar de muitas bandas que eu sempre gostei, era um “foda-se” legítimo – me parece – e não fincado numa baguncinha infantil.

A gente se afasta do mundo de fora e aproveita estes pouco mais de trinta minutos que é o disco entre guitarradas, melodias e berros. (o sol em Lavras-MG reina triunfante e solitário num céu desanuviado, “Monday” musica isso: os mosquitos, o suor grudento – apesar de ser uma música que liricamente fala do frio).

Aí a preguiça some e o estado “puto com alguém” volta com os gritos de “Fuck Me”. E embora a canção ainda mantenha os aspectos “técnicos” das outras, ela soa brava e de saco cheio. A dinâmica de variação entre canções altas e porradas com músicas relativamente calmas vai além de mostrar um suposto ecletismo da banda – parece que é um ritmo em consequência do antecessor, numa base muito mais intuitiva do que racional.

Vergonha é estética também (“Shame, his nose is runny”, em “Catarro”) e toda construção de uma pose “pô, eu tô bem, eu tô de boa” se revira drasticamente pra uma situação vexatória (engraçado como “Catarro” é uma canção que mira num momento relativamente simplório pra divagar sobre posturas teatralizadas).

Você pode ouvir os instrumentais e se convencer de que é um bom disco, mas se você ouvir pelo menos uma vez acompanhando as letras, “Blear” vai te levar pra uma experiência e te marcar muito mais do que se apenas ouvir observando sua cidade morta. A cidade ganha outra significação quando acompanhada por música; o visual que era o mesmo pode se tornar em algo com outro valor atribuído. A música tem dessas. Os ecos das guitarras, a microfonia – a diluição em “Blear” pode se dar mais ou menos da mesma forma que se dá com seus discos de rock alternativo favoritos. Mas isso lá é coisa ruim?

Você pode se diluir no disco tomando uma cerveja à noite, conversando com pessoas legais. A música tem dessas, novamente. É difícil não se incomodar com essa porção de coisas que nos cercam, mas “Blear” (muito além de ser uma escapatória) é um testemunho pra celebração do que quer que seja. O disco versa com medo, vergonha e essas coisas chatas e encara essas coisas chatas sem ser banal ou ter medo de encarar o que é profundo com suas próprias (poucas) convicções. Ele aponta nessa direção. Sei lá qual, exatamente; mas de que tá tudo bem ficar de saco cheio e achar graça numas esquisitices que ninguém mais riria.

1. Broken Mirror
2. Monday
3. Fuck Me
4. Sometimes I Guess
5. Catarro
6. Bathroom
7. Kiss And Say Goodbye
8. Papacu
9. Snake Lice

NOTA: 7,0
Lançamento: 20 de maio de 2016
Duração: 30 minutos e 41 segundos
Selo: Independente
Produção: Bruno Pinho e Gustavo “Inca”

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