Em fragmentos:
“The Black Metal Mixtape” é um catálogo pois mixtape supõe uma escolha mais ou menos lógica de músicas que vão compor determinada compilação. Ao ouvir a primeira música, pode-se perguntar “Ok, mas por que black metal se o eu ouço um monte de barulho?”. O papel de um gênero – o black metal – é subvertido e invocado pela associação memorialística (memória como criação). É muito mais sobre o que o black metal faz o dehors atravessar (quem compõe o dehors eu não faço ideia) e a tentativa de um compartilhamento de um campo obtuso, intencionalmente denso. Ao ponto que o próprio black metal vem ganhando contornos cristalizados e notórios, o dehors acena uma direção que, a priori, não caracteriza o gênero; mas ainda assim se lê “The Black Metal Mixtape”. O racionalismo tradicional de um gênero é esquecido enquanto suas estruturas são usurpadas pra apontar outra direção.
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Um campo preenchido de distorções violentas (talvez a maior comparação com o black metal venha dai) em que praticamente toda progressão é ruptura de forma. São movimentos que podem invocar no ouvinte certos discos de black metal, mas que se embasam na própria implosão pra impor em cada frequência uma descoberta. É uma espécie de articulação que certamente dialoga com uma tradição enquanto explora vazios deste embate. Somos convidados a participar da vulnerabilidade do manipulador, e cada resquício de ruído busca um gesto inaugural a partir do que é fundado. Porque se foi fundado, teve um movimento de origem; e não é a origem específica, mas sua movimentação criativa que podemos encontrar (ou tentar).
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Todos os sons invocados são uma reação. A assimilação de uma música se torna criação e todos compartilhamentos derivados originam algo. O dehors nos mostra um caminho que dialoga e cria, que subverte e acena pra outras direções de retraimentos; contínuos ou fragmentados (por isso esta resenha tem que ser em fragmentos). É esquisito ouvir algo que contraste tão sinistramente com um dos gêneros mais sinistros que existe por aí. Até porque os lançamentos mais preciosos deste sempre desafiaram qualquer origem fundadora – a saturação do Darkthrone, a repetição do Burzum. Dissonância composta de várias radicalizações; eu acho que encontrei o ponto em que o álbum possa ser chamado de compilação. Um ajuntamento de radicalizações.
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Compromissado com o uso do black metal pra apontar sua própria variação, o dehors transformar rápidas impressões (não sei quanto tempo demorou pra gravar tudo) em uma movimentação articulante entre objetos e receptor. Pois no caso o receptor é o criador. Porque o black metal precisava sair da própria conceituação pra deixar de desempenhar um papel específico. Não se trata de subverter nada. Mas sim propor uma nova assimilação do black metal além-gênero. É uma reafirmação originária. É uma continuidade de sons sufocantes que sinaliza uma marca além de algo que pensávamos estar estabelecido.
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NOTA: 8,5
Lançamento: 10 de setembro de 2016
Duração: 26 minutos e 00 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: dehors
[…] e para que não haja o “caos total”. Henrique Barbosa Justini, em uma resenha no site Floga-se, descreve bem esse paralelo de saturação e […]