Esse tipo de música diz muito sobre a confusão que acontece quando se está com muitas abas do navegador abertas. Cada uma está conectada a um player host diferente e a conexão está ruim; apenas esboços de sons são emitidos de cada borda.
A visita aos sons já lançados pela Emamouse possibilita uma nova dimensão de barulhos que já nascem caricaturais. Isso é música progressista porque percebe a incapacidade de um discurso claro a partir de abundância, de que estar arremessado no caos pode ser capaz de externar outro enunciado que não o da música límpida.
Ambos os produtores ignoram a música reacionária porque confiam não em uma nostalgia capitalizada, mas na fragmentação máxima das potências nostálgicas, como se essas reverberações chegassem aos ouvintes apenas através de uma ruptura entre realidade e memória. A cobertura de gêneros e estilos que vieram depois da música industrial problematiza a relação entre produtos e memória, ganhando contornos extremamente satíricos que se expressam através da condição de errante e da falta de eixo memorial. Essa complicação é democrática porque é óbvio que todos têm um relacionamento complexo com sua memória, então produzir sons através da disfunção e da ruptura é uma forma de lembrar aos ouvintes que se pode confiar muito pouco nas lembranças.
Em seu ponto básico, essa música problematiza as lembranças, mas consegue uma indexação relativamente fácil com uma fanbase considerável na Internet – especialmente a Emamouse tem uma proximidade gigante com fãs (troca de camisetas, desenhos dedicados pela criadora etc.). Essa proximidade é a força única da produtora em comparação com outros que fazem trabalhos semelhantes. Se a pessoa ouve seus sons há algum tempo, cada disco é carregado com uma expectativa incerta – quais estilhaços de memórias serão esticados até se transformarem em outra coisa? Ambos os produtores decodificam o trabalho do outro e tentam deixar as rachaduras voltadas a um epicentro conceitual. Há alguma lógica neste álbum quando visitado algumas vezes.
A resolução da Emamouse e do Yeongrak (ouça mais aqui) oferece reconhecimento em uma terra estrangeira, como se o corpo enfrentasse um clima novo marcado por testemunhos antigos. Outros tomam nota desses lugares com imenso estranhamento, mas pra ambos os lugares desconhecidos são férteis criativamente, pois o corpo carrega experiências (ainda que drenadas pelo esquecimento). Emamouse e Yeongrak partem desse diálogo com algo supostamente desconhecido pra construir um diálogo possível entre as potências sonoras (pra eles, nenhum som essencialmente repele outro). Isso significa um tipo de utopia maior, a que reconhece a confusão tecnológica e tenta reordená-la não a partir da subjetividade da experiência, mas que em cada corpo (ou cada som, ou cada computador) reside uma potência latente esperando ecoar em outro espaço e ser abrigada pelo receptor (visite o site do “selo” Quantum pra confirmar essas tentativas).
Ouvindo o disco e escrevendo esta resenha, perdi algumas horas no fantástico site, um mapa não delineado em que as fronteiras geográficas são transpostas por meras potências emergentes (a galeria deste disco está aqui, mas visite tudo o que encontrar no site). Não é difícil ver porque as pessoas continuam insistindo em músicas que as relacionam a lugares estáticos, pois um mapa sem legendas requer mais paciência e, certamente, inaugura uma tentativa.
Talvez nosso consumo excessivo seja um engano e limite um mundo que sempre se torna outra coisa. Talvez as coisas que saiam dessa catalogação territorial ou nostálgica flutuem por mais tempo sem apreensão, mas é confortante ver tentativas que sempre duvidam da ordem das coisas. Emamouse e Yeongrak juntam esforços pra reconhecer abrigo criativo em sons tão divergentes. “Mouth Mouse Maus” percorre as micropassagens pra construir um espaço coabrigado em constante modulação. É um produto da navegação online que se livra dos anúncios e dos gigantes do streaming pra deixar bem claro a evidência de uma alternativa.
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1. Rotenshow
2. Pppslp
3. L-carbocysteine
4. Fat Brain In The Port
5. Heianjo
6. Yaqula
7. Public Bile Into The Massif
8. Gaguusad
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NOTA: 8,0
Lançamento: 16 de abril de 2018
Duração: 26 minutos e 24 segundos
Selo: Quantum Natives
Produção: Emamouse e Yeongrak