RESENHA: EU, VOCÊ E A MANGA – EU, VOCÊ E A MANGA

De maneira mais simples, ouvir “Eu, Você E A Manga” deixa nossa caminhada mais “leve”. Há a busca de um destino e decifrar em imagens (“hoje eu não quero perder o por do sol”) uma andança que parece ser palpada em vontades e desejos. O grupo conta com a influência do shoegaze e do roque alternativo em geral pra anunciar uma vida de quem quer parar de fingir. Quem quer parar de emular uma existência, pois sente que cada segundo é urgente e cada hora disfarçando ou se lembrando de fantasmas é um atraso que não permite chegar ao destino pensado. São lembranças que se evidenciam em cada respiração e parece que há algo indescritível que ronda todas as músicas, pelo menos em termos líricos (as letras circulam muito em ações específicas; sorrir, esquecer, respirar). Talvez essas ações sejam incidentais e é em momentos de dúvida e transição que tudo decorre: como em “Lucas”, uma linda conversa com uma pessoa que aparentemente morreu e a vocalista procurar reconhecer signos da pessoa querida que se foi – o disco favorito, olhar a vastidão celeste e dialogar com o fantasma (que na verdade é um dialogo com suas próprias lembranças e sentimentos).

Pra além do que estes questionamentos superficialmente indicam, reside um elemento de urgência (como eu disse no começo) que não quer só responder a questão (talvez isso seja o que menos importa), mas quer uma resposta do corpo, uma resposta física iminente pra todas essas conturbações. Surgem memórias que formam histórias, surgem imagens (crianças brincando na rua) que estabelecem uma concretude com o mundo. Não tenha dúvidas de que é difícil se adaptar às novas pessoas, nova cidade e a perda de alguém querido. No fundo, é um disco sobre o ato de se adaptar às consequentes pancadas – e acredite, são muitas.

Mas ainda há alguma paz que a banda procura – seja com seu instrumental distorcido ou o doce vocal por trás de sonoridades aconchegantes. A banda faz uma música “gentil”, como se o que guiassem os membros é a mesma necessidade de ver o pôr-do-sol da primeira canção, o mesmo espírito de urgência que necessita de acolhimento. O que eles parecem dizer é: nós temos que nos adaptar, com todos esses conflitos, com essa sensação constante de estar perdidos e se afogando em frustrações. O que eles parecem dizer é: temos que nos recuperar o mais urgentemente possível dessas surras.

A banda surgiu em 2011, é de Niterói, Rio de Janeiro. É natural “viver no mar”, “num barco”, como afirmam. Mariana Freitas (voz), Túlio Freitas (bateria), Julio Victor (baixo), Maylson Cabeça (guitarra) e Ton Pereira (guitarra) nos dão, claro, um alívio sonoro. “Eu, Você E A Manga” é o primeiro disco cheio.

Nele, o instrumental de “Marinheiro” circula tranquilamente enquanto a vocalista lembra “o mar pode deixar de ser mar pra ser sua casa”. É aquilo que falei de se adaptar às condições que a vida invariavelmente impõe. A vida é cheia de transições e cada transição exige uma nova resposta, uma nova adaptação. “Leão Marinho” é um destes momentos de virada; a faixa é apenas instrumental e cria um imagético forte, o que é uma sequência lógica pra “Marinheiro”. Cada lugar pode ser uma casa, cada lugar é uma morada: o lençol, o pôr-do-sol, o mar. Estas tentativas de transformar cada canto em “seu” são o que propulsiona um álbum que discorre sobre ser um monte de coisas justamente pra suportar um monte de coisas. Você pode sentir as transições, mas você vai ser capaz de se estabelecer firmemente contra elas e transformar os momentos mais difíceis em algo produtivo e favorável?

Há os encontros e as preocupações que estes geram – sentir de novo o que parecia estar sepultado é uma tentação. Ouvir a voz de uma pessoa e de repente várias lembranças virem à tona. Sobre os relacionamentos: há a intimidade que desperta quando revemos alguém ou pensamos em alguém que não está mais aqui. As memórias surgem involuntariamente e as recordações não fazem o que somos, mas sim como reagimos a elas. É sobre reagir e, novamente, se adaptar. Eu não sei nem se essa foi a motivação que levou a banda a criar este disco, mas é nesse nível pessoal que eu consigo me conectar (e muito!) com os momentos mais vibrantes de Eu, Você e a Manga. As pessoas sentem saudades, mas não se pode ficar estático em relação a isso “vou me virar com a saudade, não sei como, mas eu chego lá”.

O que fazemos com as condições que a vida nos impõe? Eu, Você A A Manga tenta responder a isso com a única ação possível: reagir. Essas reações podem ser qualquer coisa: chorar, reclamar, ver o pôr-do-sol, tirar as farpas que você tem em si. Mas é algo que é nosso: há uma intimidade que nós compartilhamos com diversos momentos e embora isso nos atormente muitas vezes, nada vai erradicar essa história, nada vai apagar toda intensidade que existiu. É um disco pra lembrar que, se tudo dói, tudo vale a pena. Em alguma escala.

01. Casa
02. Gragoatá
03. Frontin
04. Lucas
05. Corta Onda
06. Marinheiro
07. Leão Marinho
08. Comum Entre Os Santos
09. O Que Eles Não Sabem
10. St Cecília
11. Farpas
12. Guanabara

NOTA: 7,0
Lançamento: 8 de agosto de 2016
Duração: 43 minutos e 17 segundos
Selo: Banana Records
Produção: Julio Victor e Maylson Pereira

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