Ao sentar-me confortavelmente num quarto escuro (como é proposto no Bandcamp) e ouvir “Phersu” (leia matéria sobre o disco aqui) num dia chuvoso, aqui no interior de Minas Gerais, eu podia, ainda assim, ver a queda horizontal do escorrimento de H2O no vidro da janela.
Depois, eu me foquei na capa do disco e fechei os olhos, assim que acabou a audição. Parece que a vertigem dos olhos fechados é a impressão mais nítida. Quero dizer, eu não lembro exatamente o que foi ouvir o disco observando a capa, mas a impressão borrada após ter fechado os olhos é o que mais resiste retroativamente. Alguém pode ver isso como pura abstração mas é notável a excelência de Zenícola imputada em seu rito multifacetado, é uma bifurcação obscura em que o que está rabiscado fica mais registrado na memória da experiência do que qualquer concretude.
Por este lado, a escavação proposta por Zenícola não se apresenta como uma situação-impossível pois ela é um evento que funciona enquanto operação. Assim, a asserção que parece inicialmente tórrida adquire vida entre as lacunas do improvável.
Mas é o “rosto depois dos olhos fechados” que persegue e persiste. O “depois” reside como a única consistência em minhas lembranças. Mas este “depois” nasceu dum processo conflituoso e torcido – ele teve origem na inconsistência! Se este movimento persiste através duma via incógnita (como tudo isso ocorreu?), é porque o núcleo da lembrança que começou no ponto “a” (o começo do disco, encarar a capa enquanto ouve) foi transferido ao ponto “b” (fechar os olhos na pós-audição) e fixou a impressão lá. E, neste caso, é como se a subtração negativa (o que a face do disco transforma depois da audição) gerasse uma atração que decorreu justamente da positividade inicial.
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NOTA: 7,0
Lançamento: 8 de março de 2017
Duração: 17 minutos e 29 segundos
Selo: Seminal Records
Produção: Felipe Zenicola