RESENHA: FIREFRIEND – WITCH TALES

SEM MEDO DO DESCONHECIDO

Em 1953, Arthur Miller escreveu um dos mais famosos textos da história da dramaturgia estadunidense, “The Crucible”, ou “As Bruxas De Salem”. A história sobre a perseguição às moças tidas como “bruxas” pela sociedade da pequena Salem, em Massachusetts, em 1692, relata um dos últimos julgamentos de bruxaria na América do Norte.

Embora o texto de Miller seja uma alfinetada direta no Macartismo, a desenfreada perseguição comunista que aconteceu nesse período, ele usa um recurso metafórico (e, no caso, histórico) pra mostrar qual o artifício que os seres humanos utilizam pra isolar quem pensa diferente do sistema vigente, e que funciona com primor: o medo do desconhecido.

Sem questionar, os crentes vivem na obscuridade. Por isso, histórias de bruxas, folclores em geral, deuses, capetas, anjos vingadores e afins sobrevivem por gerações e gerações. Mesmo não acreditando-se piamente, é melhor não desacreditar por completo.

O sétimo disco do FireFriend, grupo meio paulista, meio brasiliense, tem o apropriado título de “Witch Tales”, embora nada tenha a ver com a obra de Miller. A peça dos brasileiros, musicalmente falando, é uma evolução ainda maior com relação a sua predecessora, “999 To 666 Ts Street”. E trafega por um terreno aparentemente desconhecido (por ignorado) pelos noventistas brasileiros.

O FireFriend é noventista, mas é mais do que isso. Ao contrário de muitas bandas brasileiras que amam os anos 1990 e que nutrem exagerada adoração ao esgotado grungismo, o quarteto saiu da obscuridade desse estereótipo do que foi última década do século passado e apresentou elementos estranhos à fórmula, o que resultou numa nova e mais estimulante roupagem. Trilhou o desconhecido.

Tudo gira em torno de um Sonic Youth menos acessível (fugindo da fase “Goo” e “Dirty”), como é a conhecida “Lost Drive-In”, e nessa órbita há exercícios de noise e desconexões que descaracterizam qualquer continuidade previsível ou rótulo que se queira impor. “Trigger Warning”, a segunda música, é isso, enquanto “Singularity”, o fechamento do disco, tem ambiências improváveis.

Vídeo oficial de “Lost Drive-In”:

No miolo, a sequência “Mountain View Acid Test”, “Witch Hunt” e “Komura Freak” apresenta pequenas surpresas pra ouvidos atentos. A primeira é envolvente e tem a guitarra suja e distorcida de Yury Hermuche arranhando-se por toda a extensão; a segunda começa com um piano desconexo, destoante, seguido de guitarras arrastando ruídos, tal e qual um jazz livre, até a voz de Julia Grassetti surgir sussurrante, sorrateira, como se conspirasse contra algo (ou alguém); e a terceira é mais direta e grudenta, quase grunge, mas não cai nessa, logo o refrão já trata de se esgueirar por rockão mais direto, com fantasmagóricas teclas adornando tudo.

“Supernatural Darkness” também se apresenta fantasmagórica, antes do baixo de Caca Amaral (ou de Grassetti) e da guitarra de Hermuche surgirem. Por sobre a base, a guitarra envolve como a alma se desgrudando do corpo e rodopiando no ar. Há um belo uso dos ruídos: parece que o ouvinte entrou numa área proibida. Ótimo.

Enfim, junto com “Komura Freak”, “Peace Eye” é a mais acessível do disco, daquelas canções pra dançar bêbado, ouvindo alto e gritando a letra igualmente no máximo volume.

Tudo beira o perfeito em “Witch Tales”, da produção caprichada ao conciso número de faixas. Difícil identificar um escorregão.

Ao trafegar por um caminho desconhecido da maioria, o FireFriend (talvez instintivamente) se posiciona contra tudo e contra todos com tal felicidade que é óbvio que os outros é que estão errados. O desconhecido é maravilhoso, convenhamos, e o desconhecido nesse caso estava bem próximo do que os noventistas têm como verdade – como nunca enxergaram? Pobres obscurecidos pelas obviedades.

Se houvesse uma nova caça às bruxas, como a de Salem, o quarteto arderia na fogueira por ousar não seguir o padrão noventista vigente. Queimaria, mas teria valido a pena.

NOTA: 9,5
Lançamento: 22 de abril de 2013
Duração: 32 minutos e 18 segundos
Selo: Independente
Produção: Yuri Hermuche e Julia Grassetti

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