RESENHA: GOMALAKKA – LÁ EM CIMA EP

Em fragmentos:

A bateria começa meio que invocando a dança; os pés se agitam sem uma coordenação específica, a não ser pela progressão otimista no desenvolvimento de “Lá Em Cima”. E ao mesmo tempo que temos um reconhecimento do amor, das inúmeras possibilidades e de simplesmente “ir” por onde quer que a vida te guie, há aceitação de que é preciso buscar algo pra que as maravilhas descritas no EP aconteçam. E nós vamos no ritmo da música atravessando a cidade e as luzes de mercúrio enquanto a luz e “tudo mais que é bom” se encontram numa entrega às vibrações possíveis que os efeitos da música impulsionam. É como se o EP fosse o transporte possível pro maravilhoso e pra descontração.

A produção insere grandes introduções e desenvolvimentos incisivamente dançantes que contaminam corpos, te impossibilitando de ficar parado. Não é forçado nem nada. A gente fica realmente empolgado e podemos dançar sozinhos em um quarto qualquer por horas enquanto, pela janela, observamos a cidade anoitecer e as luzes artificiais ganhando foco. A harmonia “dance pop” de “Lá Em Cima” propulsiona transformação em que podemos encontrar um aproveitamento intencionalmente visceral do momento. As vozes por vezes ficam indecifráveis e se diluem no instrumental e progridem em palavras mais assimiláveis e outras nem tanto. É possível encontrar na música do Gomalakka uma aceitação do que é dado. E deve-se, por esta lógica, se entregar ao que nos é entregue gerando um ciclo em que ceder é também aceitar.

Eu sinceramente não consigo imaginar quando este EP não merece ser ouvido. Explico: faz sentido ouvi-lo em praticamente qualquer momento. Não há desgosto com o que será escutado. Se ele começa dançante, lá pela faixa 3, ” Diaba”, ele assume uma propulsão à movimentos nitidamente mais sexuais. Não que não existisse uma tendência ao sexo nas faixas anteriores, mas em “Diaba” especificamente observa-se uma sexualidade quebrando tabus. A música se desenvolve em um solo enquanto os elementos dançantes dividem o espaço sonoro e certo clima “nebuloso” permanece de segundo plano. Há sempre algo à espreita. Mas não é porque estamos face a face a qualquer tipo de horror que devemos nos abster de obedecer nossos impulsos. Talvez a melhor forma de enfrentar o horror seja justamente através de impulsos.

“Sans Coulote” começa uma interação entre as batidas e o ritmo dançante. A música começa com uma narração descrevendo uma cena relativamente imprecisa e se estende por uma repetição com um vocal de plano de fundo realmente lúdico. A voz doce (porém que resguarda certa “demência”) caça não uma realidade, mas um plano em que possa se desenvolver plenamente. E sobre desenvolver, entenda como explorar seus caminhos tortuosos e paralelamente divertidos. Perigosos, talvez. No meio de todos estes movimentos e interações de “Lá Em Cima” está uma repetição pungente meio hipnótica. Talvez “hipnótico” seja a melhor maneira de tentar descrever um EP que aposta não só no delírio da banda mas como na interação delirante entre som e ouvinte.

Quando vamos ouvindo com mais atenção, percebemos que “Lá Em Cima” é praticamente um minimanifesto contra sentimentos de culpa, juízo e explicações. O EP se debruça sobre a vontade e não sobre lamentos. É cheio de força neste sentido. É cheio de uma ambientação urbana, que combina muito com a cidade de São Paulo e suas inúmeras possibilidades. Os dias vão seguir de qualquer jeito. Então, por que não obedecer o que é mais intrínseco à nossa vontade? É um EP não somente pras pistas de dança, mas pra dançar em qualquer cômodo. E não entenda dança como uma coreografia datada; é a conexão substancial entre sons libertos e corpo e a movimentação corpórea que este encontra consegue propulsionar. É sempre sobre encontros.

O tema é “se deslumbrar com todas as ações que o corpo proporciona” (evidente que ouvir é, antes de tudo, uma ação). “Lá Em Cima” não é sobre querer ser algo mas sobre o movimento que se faz em direção a qualquer coisa. E a cidade e as pistas e o próprio quarto são cantos pra esta celebração. A celebração de que existe uma vontade ainda que dormente em nosso corpo. Portanto, existe algo ainda em nós.

O disco, não à toa, foi um dos cinquenta indicados pelo Floga-se pra se ouvir no primeiro semestre (olha a lista).

1. Lá Em Cima
2. Pixe
3. Diaba
4. Sans Coulote
5. Vício
6. Marrockenroll

NOTA: 6,5
Lançamento: 15 de janeiro de 2016
Duração: 4 minutos e 32 segundos
Selo: Independente
Produção: Jujs

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