A crescente insegurança que o I Buried Paul significa através do nome do disco é ressoada nas distorções arrastadas que naufragam o ouvinte em uma instabilidade perpétua na qual o transe e a hipnose do músico tomam nossa subjetividade. Enquanto o imagético deturpado ambienta a mente do ouvinte, percebe-se que a “recusa” às mudanças bruscas colocam a repetição constante como método estético, e é na saturação do excesso que “Nepantla” funciona.
Na transição entre a primeira e a segunda faixa, pareceu que eu estava em uma espécie de instalação multi-interativa até a insistência repetitiva voltar a tona e lembrar-me de que sou refém do que é emitido sonoramente, de que é a música que vai me guiar através de todo o percurso. A incorporação de elementos externos (gravações de campo) também não consegue transcender o som emitido – é, acima de tudo, um disco instrumental (leia o artigo original sobre o disco e ouça na íntegra, clicando aqui).
Através das longas peças que constituem o amplo painel do I Buried Paul, uma atmosfera autoral é construída sem que isso afete uma “narrativa” dramática que a guitarra sugere. É um álbum de emoções. O que emerge através da parede sonora são estados emocionais insustentáveis, que se esgotam e retornam quase com a mesma velocidade – como se a agressividade do mundo que cerca o artista fosse abstraída e transformada em outra coisa. Melhor, como se a tensão entre o I Buried Paul e o mundo que o cerca fosse a matéria-prima capaz de prover tal alquimia através da guitarra: o que é recolhido pelo músico é apresentado de forma conciliatória, não sem negar a suspensão no instável.
Mesmo sob um viés formal, o álbum apresenta uma elegância, com referências que – pra além de soarem pedantes ou soltas – conciliam a audição com a interpretação do ouvinte. É legal saber que uma passagem tão emocionante como a segunda faixa é de fato uma eulogia e que há elementos não cronológicos que retomam ideias anteriores e apresentam um novo desenvolvimento. Em “Nepantla Pts. 3-4”, por exemplo, a gradual hibernação da faixa anterior encontra uma vasta possibilidade de escape nos dedilhados gentis de Pedro Oliveira (o I Buried Paul). Fica claro que não são meras exibições, mas um trânsito necessário pro músico que só pode ser realizado através da música, ainda que sem caminhos determinados, mas na ânsia de percorrer o que quer que seja. As músicas transmitem a sensação de andamento, de continuidade – ainda que poucas (ou nenhuma) origens possam ser asseguradas.
Porque a guitarra é a voz do músico e um elo de ligação entre si, o mundo e sua necessidade criativa. Através dela que ele dialoga com a audiência. Através dela que ele cria paisagens deslumbrantes capazes de ambientar uma reclusão pra quem o ouve. Sem as palavras, a proximidade – quando ela é conquistada – é um afeto nascente a partir de intuição. Não como se os sons fossem partes apenas do músico, mas também fragmentos esquecidos por nós mesmos.
A maior distinção de “Nepantla” é sua capacidade de se mover num mundo instável onde a constante supressão do indivíduo (um paradoxo, pois o que mais se preza são conquistas próprias) é alavancada por complexos culturais e frágeis afirmações identitárias. Em momentos bem íntimos, parece que estamos testemunhando a privacidade do músico e sua forma de lidar com as inconstâncias ao redor, o que nos faz cultivar uma proximidade que eu sinceramente não sei se seria possível de outra forma que não a música.
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NOTA: 8,5
Lançamento: 5 de maio de 2017
Duração: 48 minutos e 47 segundos
Selo: Sinewave
Produção: Pedro Oliveira