RESENHA: INFANTE – 1991

A medida do tempo e seu conceito não são exatamente divertidos. Mas talvez a gente imagine e empreste às nossas memórias uma paz que nunca existiu; uma paz que é mais o produto de um desejo do que uma vivência realmente experimentada. Quando o vocalista canta “estou de volta ao início, que antes evitei ao partir” (em “Jimi”), nos sentimos em uma movimentação cíclica cujos todos sentimentos catalogados nas emoções humanas parecem, como o tempo, uma prisão.

Diferentes paisagens que trazem mesma evocações, visões de um lugar querido que atravessou mudanças e não guarda mais o odor que você esperava, o cheiro a qual você estava tão habituado. Estamos rindo de maneira diferente nos mesmos lugares, sobre as mesmas coisas – só a superfície que está diferente. Ela está modificada, ela envelheceu, nós envelhecemos e pouca coisa (ou nada) realmente muda. Ainda assim, temos saudades de como víamos o mundo (ou de como pensávamos ver).

As canções de “1991” apresentam pessoas confusas, que almejam um lugar mais pacífico entre tanta complexidade, tanta turbulência do dia-a-dia. A dinâmica do rock alternativo (guitarras bem noventistas), mais as letras, emprestam o tom nostálgico ao disco. Mas não é que a banda mire no passado e se debruce só, e somente só, sobre ele – a banda reconhece pontos antigos que se sentia mais confortável e, embora não esteja mais sentindo-se exatamente assim, há sempre uma busca pela libertação.

“1991” (primeiro disco cheio da banda Infante, de Jundiaí, São Paulo) é sobre tudo, sobre querer algo, almejar um objetivo mesmo que não bem definido – as roupas velhas que lembram de uma época, sentimentos antigos que podem ser revisitados como chave pra qualquer tipo de emancipação. Há um peso indefinido que nos ancora em uma estagnação perpétua – “1991” tenta encontrar a chave pra escapar disso.

Ouça na íntegra:

Há surpresas instrumentais também; a transição de “Café Gelado” pra cômica e (quem sabe) irônica “Avant-Garde”, sem perder o tom de brincadeira, são os pontos que mais evidenciam estruturas menos convencionais na banda. Embora não tenha um “estado mental” realmente definido, sente-se em “1991” que uma espécie de confusão permeia todo o disco.

A produção soa expansiva (ouça de fone de ouvido). Não se trata de um disco de “ideias” se é que posso especificar assim; é mais uma exploração dos complexos que uma vida jovem adulta oferece. Se locomover pelo mundo sem ter muita certeza de algo. Ficar longe de pessoas importantes, por um período sentir não ter absolutamente nada estável, perder essas sensações de utilidade do cotidiano que catalisam tais dúvidas. Não sei de qual origem surgem exatamente essas indagações/incertezas. Mas funciona.

Não me entenda mal – o disco não é difícil nesse nível. Mas ele trata sobre a relação de certa sátira e desilusão, ambas paralelas, com a vida adulta. É como sentar no bar no final de semana e reencontrar um amigo com quem compartilhaste um tempo considerável da adolescência e, a partir daí, cada um explicar suas neuras, suas confusões – ao mesmo tempo rindo de todas essas merdas.

Você pode ouvir uma considerável dose de rock alternativo nas influências, enquanto não há um reverencialismo específico – pois é sobre errâncias atuais, acima de tudo, que o disco trata. Mais importante do que o tratamento desses temas, é a interação lírico -instrumental. Todo o “querer” embutido nas letras tem na vasta influência instrumental sua multiplicidade espalhada mais facilmente. Ou seja, não soa como ideias simplesmente empurradas pra cima de nós. Há um cuidado autêntico com a produção. Até mesmos os supostos refrões não surgem em estruturas convencionais. Isso faz com que cada canção imponha algo próprio ao decorrer do disco.

Álbuns como “1991” evidenciam que o rock de garagem ainda é necessário (ou talvez não seja, mas ainda insistiremos em ouvi-lo). Pra escapar de uma suposta normalidade, pra rir com os amigos, pra simplesmente se divertir rindo de todas nossas (inúmeras) merdas. “1991” está bem longe de procurar uma redenção ou qualquer estupidez dessas. O disco reconhece que se hoje não está tudo bem, e se o amanhã ainda guarda algumas turbulências, nós sempre podemos conviver com tudo e que o “querer” sobrevive em meio a tanta porrada.

01. Jimi
02. Lunático
03. Nostalgia
04. Em Paz
05. Café Gelado
06. Avant-Garde
07. Vampiro Comum
08. Ao Som Do Nada
09. Me Dá Mais Um Copo
10. De Novo, Outra Vez
11. Limbo
12. Seguindo

NOTA: 7,0
Lançamento: 1º de agosto de 2016
Duração: 40 minutos e 07 segundos
Selo: Transtorninho Records
Produção: Caio Molena

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