“Energia” – “um corpo sem alguém é um fracasso”. Juliana R. faz questão de exaltar a invalidez dum corpo sem destino específico. Ocupar o espaço não preenche o vácuo. Ocupar o espaço é uma nulidade física. Os sons crescem (meio que brincando na gravação entre o que sai no fone esquerdo e no fone direito).
“Reunião Inútil” – seu título se refere à invalidez de rituais. O ser vaga pelo simbólico. Eu penso se Juliana teve a ideia pra base sonora da música – há um tema principal que é preenchido por “layers” que aparecem intermitentemente – enquanto testemunhava alguma reunião inútil e decidiu, ela mesma, preencher os espaços com alguma carga produtiva, transformando o supérfluo em algo produtivo. A base (que é praticamente a mesma em toda a faixa) é invadida por ritmos que preenchem o seu espaço e quando menos percebemos estamos integrados a toda performance.
“Pa ra da” – Juliana garante que está certa e delimita uma fronteira com o mundo exterior quando revela que algo sumário acontece quando ela fecha as pálpebras. O acesso (vedado) a este mundo é garantido quando ela diz que embora ache as palavras, estas escapam. Ela está parada mas a circulação em seu epicentro de atividades, assim como a música, ganha um deslocamento e uma agitação que transpõe o plano de expressão lírica e são sintetizados no final “confuso/hipnótico” emitido pela faixa.
“Estabelecimentos” realça o contrabaixo grave das outras faixas. É uma espécie de conversa de Juliana com alguém. É, ao menos parece, mais um desabafo. A transparência vedada em “Tarefas Intermináveis” é um paradoxo temático e sonoro que cria campos particulares que teoricamente se refutariam mas isso é impossível uma vez que eles mesmos convivem em Juliana. A insistência de bradar “você não vale nada” mais do que querer dizer algo em específico evidencia alguém exausta.
“Nard” surge com uma fala indiscernível e ganha uma base rítmica enquanto é, o exemplo de “Reunião Inútil”, atravessada por outros chiados, ruídos e expressões sonoras que codificam/fragmentam/criptografam ainda mais “Tarefas Intermináveis”. Se trata dum disco que mais audições são precisas: não apenas pela vedação literal de Juliana (na esperança de que com consecutivas audições o mistério possa ser melhor atravessado), mas também pelos sons que dialogam pluralmente com diferentes “humores” que o ouvinte possa ter. O fato de ser um trabalho enigmático mas ainda assim aberto a diferentes perspectivas mostra que a construção de paradoxos (sonoros também, mas principalmente líricos) é uma característica intrínseca ao trabalho de Juliana.
A transição pra “Cruel” é a parte musical, até então, mais desconfortável que o disco causa (não sei se tem alguma coisa a ver deliberadamente com o nome da faixa). Aos poucos, a música adquire um ritmo e uma direção – ainda que de difícil categorização – enquanto uma adaptação do poema “Fala”, de Orides Fontela, é bradada tão trituradamente quanto as retaliações sonoras (interrupção, repetição, justaposição de “layers”).
“Pessoa” surge mais “dançante”, principalmente se comparada com a lavagem sonora que foi o final da faixa anterior. Juliana fala sobre algum tipo de atraso, como se a estagnação/inércia fosse o ponto terminal em que ela explica o porquê da necessidade do porvir. A música pulsa repetindo sobre o “atraso que é estar aqui”. Em retrospecto, lembrando dos diversos temas líricos que personificam o álbum, ela pode muito bem estar falando sobre qualquer ritual chato do dia-a-dia e que, por exemplo, se ela for pra algum lugar e fechar os olhos teria mais liberdade do que as performances que atividades diárias exigem.
“Brilho” surge dum desentendimento com algum destinatário que não consegue ver as ameaças que Juliana enxerga quando olha pra janela. Ela percebe uma intrincada ameaça que lhe fica tão evidente que é impossível não se revoltar com a indiferença alheia. A sensação de paranoia cresce quando as interrupções sonoras adquirem volume e circundam no espaço da canção construindo uma estranheza.
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1. Energia
2. Reunião Inútil
3. Pa ra da
4. Estabelecimentos
5. Nard
6. Cruel
7. Pessoa
8. Brilho
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NOTA: 7,5
Lançamento: 11 de abril de 2017
Duração: 35 minutos e 25 segundos
Selo: A Onda Errada
Produção: Paulo Beto