RESENHA: KLEIN – CC

Pro EP do ano passado, “Tommy” (ouça aqui), havia uma temporalidade surreal estabelecida que fazia do ambiente uma divagação de catarses e evocações. Em uma resenha pra Pitchfork, Ben Cardew foi bem infeliz em fazer comparações descabidas com nomes consolidados da música radical, apenas pra evidenciar que tem um conhecimento musical tal qual um compêndio bibliotecário. O EP permanece como uma das produções mais desafiadoras e transversais do ano passado, mas há um receio de que tudo sobre a música caia em um hedonismo exaltante ou em jorros verborrágicos, como fez Nick James Scavo, visivelmente eufórico por ouvir tal produção.

Pra Frantz Fanon, em “Pele Negra, Máscaras Brancas”, a dissonância cognitiva é criada quando alguém tem seus valores centrais renegados por provas concretas. O autor reforça a ideia de que falar determinada língua é evidenciar uma cultura insubordinada à lógica colonial. O que acontece em sua obra é evidenciar o paradoxo máximo que os colonos têm de lidar quando encaram a emancipação radical de um povo – especificamente, nos livros de Fanon, o povo negro. A habilidade de Fanon foi evidenciar um buraco impreenchível entre colonizado e colonizador e mostrar como essa normatividade diferencial tem impedido o que, nas suas palavras, seria “tentar colocar de pé um novo homem” (tristemente, muitos compreendem mal o sentido delas, as quais são cruciais pra distender as noções que temos de postura perante os colonizadores. Qualquer tipo de desafio que se impõe pra causar uma ruptura real é ignorado. O resultado pode ser considerado como uma padronização sobre como os oprimidos deveriam agir perante uma lógica majoritariamente transgressora. Com o lançamento de “CC”, Klein mostra uma insubordinação que segue o caminho próprio, como se a dissonância cognitiva que ela força fosse o colapso de sua liberação).

Em uma sociedade que encara liberação como transgressão “politicamente incorreta”, o modo de rebeldia da produtora é baseado em constantes rupturas formais que captam os fenômenos em trânsito da sua órbita. O sinal de provação desse desafio é executado logo na primeira faixa, que tem colaboração de Diamond Stingily. Essa música, “Collect”, demonstra a opção estético-sonora pela poesia de ruptura, já que Stingily tem uma arte que explora aspectos de identidade, iconografia e mitologia e infância – ou seja, elementos conceituais e afetivos que se condensam pra causar a dissonância cognitiva (Stingily sublinha a expressividade da faixa com mutações de livre associação, que amplia as migrações sonoras pra uma dissonância afetiva).

A primeira música, com essa participação, especifica o caminho que todo o álbum tomará. Então, as próximas músicas liquidificam-se em vozes, berros e sussurros, querendo implodir suas próprias estruturas pra romper qualquer pacificação sonora. Com essa fragmentação extrema, as músicas são recortes barulhentos que traduzem a época do MP3 e se encaixam na era da hiperinformação sem romper o abstrato conceito de um suposto “todo” que é o que justifica o lançamento de algo como um disco. Isso recupera a experimentação subjetiva na música, trazendo-a de volta como experimento porque se intromete em nossa vida sob a camuflagem da velocidade. A música abandona a continuidade informativa pra ser modulada como uma submissão à temporalidade fragmentada disposta pela artista.

Eu argumentaria que esse passo de vaporizar a música como experiência condensada funciona em casos em que o conceito é a própria ruptura do sujeito. A música se transforma, novamente, em uma “coisa” capaz de ameaçar nossas projeções cotidianas. Isso é diferente da produção contemporânea porque se introduz no real como instrumento dele e se desdobra em fantasmas de outra pessoa invadindo a atmosfera do ouvinte. A música vaporizada recolhe, através da nuvem virtual, os requícios formadores da criadora pra assombrar outrem com o questionamento da auto-identidade.

As faixas em “CC” lembram-me de uma transversalidade em que a ruptura não é uma exceção crítica, mas uma parte da liberação de uma lógica de submissão, inclusive à própria subjetividade. Klein repete lógicas que desestruturam a dubiedade bom-ruim pra otimizar o espaço como um trânsito do vir a ser, cuja segurança está sempre desmoronando. Assistir à artista desistir de localizações seguras pode incomodar o ouvinte ao ponto de ele mapear deturpações em sua própria autofortaleza. Klein enfatiza a ruptura pra ser, ela mesma, a continuidade garantida, sempre tornando-se outra coisa, sempre desistindo da localização em que se está.

1. Collect (ft Diamond Stingily)
2. Slipping
3. Stop
4. Born
5. Explay
6. Apologise
7. Last Chance

NOTA: 8,5
Lançamento: 24 de maio de 2018
Duração: 24 minutos e 15 segundos
Selo: Slip
Produção: Ashley Paul

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