RESENHA: LETRUX – LETRUX AOS PRANTOS

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Como um amante de ler crítica de música, eu desenvolvo (ou tento) uma experiência pessoal com alguma obra antes de conferir o que foi escrito sobre isso. Mas, pra mim, um dita experiência “reflexiva” ou “intelectual” é também parte essencial do que eu consumo.

A música tem tanto de ter um apelo corpóreo, como uma estimulação cerebral que faça as reminiscências da música ainda ressoarem horas depois a partir de algum tipo de inquietação. Não somos apenas primitivos, apesar de algumas alegações ao contrário: há uma racionalização do delírio, há sempre uma reflexão sobre atos inconsequentes. Se é melhor assim, é outra coisa. Idealmente, num mundo perfeito, as músicas boas sempre casariam ambos os lados, estimulando, ao mesmo tempo, todas as esferas sensíveis. O que vem a seguir são impressões relativamente formuladas.

Psicologicamente, o desejo de estar do “lado de fora” pode ser estimulado pelo fato da autoconsciência de estar dentro de um sistema com regras e funcionamento odiados. Todas as extensões de nós mesmos são respostas a uma tentativa de manter o equilíbrio. Não agir impulsivamente, mas também não sobre-raciocinar. É uma batalha difícil e só cada um sabe o que passa. Qualquer extensão de nós é auto-amputada quando o corpo, e por consequência a arte, não consegue localizar a origem de determinada irritação.

Enquanto esses processos se manifestam provavelmente inconscientes, a criadora, em alguma medida, raciocina sobre suas micro-partes constitutivas para desenvolver um painel expressivo dessas irritações internas. No estresse físico, o sistema nervoso reage pra proteger o corpo se livrando de uma parte relativamente menor, que poderia ofender a comunidade corpórea e ruir seu ecossistema.

Se “Letrux Aos Prantos” é uma extensão da cantora, ela espiritualizou aflições físicas e psicológicas, espiadas como reflexo, pra que essa parte amputada tenha uma manifestação no mundo exterior. Seu apelo latente é entre um abismo que se abre no desejo físico e certa melancolia experimentada a partir da recusa formal (e involuntária) aos elementos que, no disco antecessor (“Letrux Em Noite De Climão”, 2017), expressavam a parte mais glamourizada do desejo.

Em termos de auto-amputação, é dizer um adeus a algo que se ama, mas cuja despedida é inevitável pra manter o próprio equilíbrio, ainda que capenga. Há uma desconfiança sobre essa rejeição. É como, de certa forma, tentar erradicar seu próprio passado e reinventar um prólogo que alimente sua nova fome.

O choque criado é da descontinuidade que isso causa. Não se sabe mais os pontos em que o desejo mira, visto que as antigas preferências devem, pro equilíbrio ser mantido, ser substituídas por novas. O ouvinte coloca os fones de ouvido e aumenta o volume até as partes mais dissonantes serem compreensíveis pela força da sobrecarga. A seleção de determinados trechos pra despertar, seja lá do que for, tem mais a ver com a aleatoriedade que o disco irrompe enquanto língua. O sistema nervoso reúne forças pra aniquilar determinadas irritações, não diagnosticando a causa, mas eliminando seus expoentes. Daí os desejos, os cantos, os louvores.

Intensidade tem se tornado um substantivo popular entre séries, filmes e músicas em 2020. Outra aleatoriedade: num ano em que toda produção se evidencia como intensa, qual intensidade tem algum valor categórico pra quem a consome? A resposta parece morar na concisão: quando se raciocina demais pra explicitar uma causa de amputação, mais falso o membro erradicado parece. Tem de ser um ato involuntário, consecutivo de um processo carnal através da autoconsciência.

O conceito de intensidade enquanto concisão explicita porque as melhores faixas em “Letrux Aos Prantos” são as mais curtas. Alguns descontroles parecem surgir, no disco, através da tentativa de explicitar uma causa e não atacar, diretamente, o incômodo. “Letrux Aos Prantos” é, pelo menos, uma reação ao que incomoda, ao invés de tentar enfeitar as partes que merecem ser expurgadas.

01. Déjà-Vu Frenesi
02. Dorme Com Essa
03. Fora Da Foda (com Luisa Lovefoxxx)
04. Eu Estou Aos Prantos
05. Contanto Até Que
06. Vai Brotar
07. Cuidado Paixão
08. Sente O Drama (com Liniker)
09. El Día Que No Me Quieras
10. Abalos Sísmicos
11. Salve Poseidon
12. Esse Filme Que Passou Foi Bom
13. Cry Something Awkward

NOTA: 6,0
Lançamento: 13 de março de 2020
Duração: 48 minutos e 45 segundos
Selo: Natura Musical
Produção: Arthur Braganti e Natália Carrera

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