RESENHA: LITRÄO – EGOMORTE

litrao-egomorte

As coisas que se deve ter na cabeça quando se ouve qualquer disco de metal: reverência, memórias dolorosas, comiseração e desgosto.

O gênero representa uma tentativa honesta – porém, impossível – de radicalizar um mundo cuja realidade extrema jamais seria derrotada. Essas considerações são mais do que aceitáveis quando se escuta “Egomorte”, primeiro disco cheio dos cariocas da Liträo. Para “Egomorte”, a banda decidiu estender longas faixas (só uma tem menos de seis minutos) para prolongar o próprio tempo da consumação. É como se o disco inventasse um próprio período (e talvez, aí, resida a maior radicalização). A tentativa é abastecida por uma mixagem que carrega os instrumentos de importância: como se tudo se deslocasse para um sistema fechado rumo à extinção. Talvez seja um disco sobre o processo iminente de ser extinto em um tempo que ele mesmo inaugura.

“Egomorte” é repleto de situações em que você é levado a crer que o tempo realmente não mais existe; como uma espiral hipnótica de deserção.

“Enquanto Abutres Consomem Nossa Carne” termina com longos acordes, em um jam cujos ruídos se contrapõem ao andamento das próprias partes “limpas” dos instrumentos, finalizando com microfonias que parecem vir de outra extensão. O que é tão recompensador nisso é que soa como um ponto raro de encontro entre múltiplas esferas orbitantes; essa convergência é ampliada durante todo o álbum pra ser massacrada. O efeito é tão espetacular quanto intangível; o movimento circulatório afirma seu limite quando se entrevê vislumbres de outras formas (mais lineares ou fragmentadas).

Há ausência de momentos. “Egomorte” soa mais como uma unidade rígida e única, um bloco de migração pra outro estado. “O Filho Que Você Despreza” é uma liturgia cujo eixo ritualístico, enquanto música proposta no tempo, parece esquecer que exista um mundo lá fora. Além disso, o caminho não é de uma lenta deserção, mas um rompimento (ou tentativa de) sublime com um mundo de andamento próprio.

“Egomorte” também é um fascinante relato das comunicações quebradas, em que a depreciação parece ser o paradigma fundamental na relação entre os seres humanos. Com ressonâncias de um mundo possível, é ainda mais doloroso reparar nas letras constituídas a partir da percepção de esvaziamento de sentido. Este mundo não é suficiente, é necessário impôr outro. Ainda assim, ele só se faz perceptível quando as estruturas se fecham, presas em uma extensão circulatória que repete e repete. E repete.

Por mais verdadeira que a repetição seja, ela continua sendo uma símile de um mundo possível, enquanto não for permitido que suas estruturas cedam para contínuas reconstruções (ou até mesmo implosões!). No entanto, ela funciona muito bem para impor um vácuo temporal no qual as emoções possam ser projetadas. Em outras palavras, “Egomorte” força questões que só se desenvolvem porque eles mesmos tiveram a coragem de se impor esse denso labirinto sonoro. E como sempre, a única saída é ouvir o disco e tentar continuar no rastro constitutivo do tempo.

1. Lugares Memoráveis, Dores Inesquecíveis
2. Enquanto Abutres Consomem Nossa Carne
3. Riley-Day
4. O Filho Que Você Despreza
5. 188
6. Escrituras De Uma Vida Em Vão

NOTA: 6,0
Lançamento: 8 de janeiro de 2020
Duração: 47 minutos e 06 segundos
Selo: Independente
Produção: Matheus Ullmann

Leia mais:

Comentários

comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.