RESENHA: MARÉ – QUERIA RESPIRAR FUMAÇA EP

Experiências incomuns geram resultados incomuns – é uma expectativa plausível. Em relação à música em geral: como um som funda uma experiência em nós? Há teoria o suficiente pra alguém se ocupar uma vida toda, mas esse não é meu ponto. Experiências são possíveis através de sensações, sensações são reações quando provocadas pelo “objeto”. Efeitos visuais, sonoros e quaisquer outros: são truques de manipulação que provocam uma reação em determinada audiência. A música de Maré (que deve ser ouvida com fone de ouvidos) – os gentis e repetitivos versos de guitarra, a bateria pontuada e outros efeitos – indubitavelmente obriga a uma reação. É porque há algo nela (talvez o inconcebível artístico) que torna toda a dinâmica de “Queria Respirar Fumaça” (que não deixa de ter lá sua comicidade) em algo convidativo e acolhedor. Depois da primeira faixa, o efeito entra e sentimos o espaçamento, um alongamento do próprio efeito anterior (psicodelia).

É um evento de movimentações entre as diversas interações que a mesma base instrumental pode causar. É como se cada avanço no EP invocasse possibilidades novas e é numa ambientação bem específica (alguém usando drogas preso no quarto olhando pra parede?) que transfigura toda a experiência de “Queria Respirar Fumaça”. Enquanto a experiência visual é certamente invocada (lasers lentos em uma velha discoteca?) não há como não se deixar levar pela lentidão atraente-repulsiva. É como estar numa velha discoteca e ser a última pessoa a dançar algo consumido pelo excesso. Por algo que se cansou do excesso e é um ato contra a demasia.

Apesar de estar tagueado como “experimental” no Bandcamp do selo (Saudade Records), Maré (de Belém do Pará) talvez não seja exatamente isso (quem tem afinidade com shoegaze e krautrock vai se sentir bem confortável) – mas é algo secundário, uma vez que a lentidão imposta e as distorções são possibilidades que se renovam no avanço das músicas e provocam uma experiência de fato. É a transmutação de um tempo usurpado da realidade (como qualquer música) em algo que te oriente e te leva pra um terreno em que você cria sua própria imagética (a minha é de um gramado extenso com uma neblina ridiculamente branca). Como se todas as dimensões interagissem contigo e te obrigassem a experimentar algo.

Apesar do relativamente curto vocabulário (eu não consegui ouvir tantas variações) o negócio com Maré se baseia nas interações entre os instrumentos e a progressão que elas encontram como uma unidade que caminha num terreno incerto. O som é um objeto plástico; ele fica mais alto, menos denso, o volume alterna diversas vezes – há certa troça também (não apenas no nome das músicas) mas da manipulação que o ouvinte se envolve. O envolvimento físico fica refém também não apenas do comprometimento de quem ouve o EP, mas também dos eventos que contextualizaram essa análise (ouvir num dia ruim, num dia bom, num dia quente, num dia frio), porque – pra retomar o tema inicial – trata-se de incitar experiências.

A comparação com o objeto plástico se deve às infinidades de interações que as dimensões de “Queria Respirar Fumaça” proporciona. Porque mesmo com uma gramática relativamente habituada pra quem dialoga com esses gêneros, há uma difusão que rege o ouvinte e que deveria reger qualquer experiência artística – que tem que haver um espaço pra interação em que elementos mastigados não sejam simplesmente forçados em nós.

1. Males Inexistentes, Improváveis Curas
2. Queria Respirar Fumaça
3. Tu Não Sabes Quantas Vezes Tentei Explodir Tua Cabeça

NOTA: 6,5
Lançamento: 6 de agosto de 2016
Duração: 23 minutos e 09 segundos
Selo: Saudade Records
Produção: Gabriel Rodrorz

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