Em 2012, Max lançava “The Ocean Inside” (ouça aqui), que iria se tornar meu companheiro desde então até os dias de hoje. Nele, o atravessamento percorre com excelência a simbiose entre som e visão; as sonoridades verdadeiramente criavam imagens. Era um “exame” do oceano interno que as pessoas carregam; como ele é afetado pelas interferências da superfície, e não havia dualidade simples naquele disco – era tudo complexo e intrincado demais, porque carregamos um peso invisível mais denso que a água.
Então, durante três anos eu fiquei aguardando o que Max poderia fazer de novo e, usando um trocadilho infame, como ele poderia sair das profundezas do oceano e lançar alguma coisa que pudesse soar tão “necessário” quanto aquele disco. E o que parecia improvável aconteceu. “Splendid Labyrinths” é a única continuação possível que seu antecessor poderia ter (em 2015, ele também lançou “Future Terrain”, disco com uma única faixa, de cinquenta e oito minutos).
Aqui, os elementos mais “soltos” estão lapidados de forma que parecem querer se desgarrar sempre do ambiente principal criado por Max, mas eles estão presos, eles têm que confrontar o eixo central do disco.
A progressão dos elementos não vai eclodir, ao contrário da maioria dos trabalhos de música ambiente, em uma imersão clímax, em que cada detalhe é reunido em uma sinfonia final. A imersão é o principio de “Splendid Labyrinths”, todos os retornos estão nessa introspecção.
Eu tenho o palpite de que Max quer exigir mais dos seus ouvintes e ser visto como um artista que não vacila perante questões mais “complexas”. Prova disso é a falta de ideia de como “mensurar” as justaposições. Qual som é o que? Qual é o principal fio condutor? São perguntas que Max não está com muita vontade de responder. Ao contrário, ele prefere destrinchá-las em ambivalências constantes e descontínuas.
Essa combinação de elementos produz efeitos semelhantes a labirintos dentro de outros labirintos, parece que o reencontro é necessário, pois ele provoca surpresa e espanto. Toda essa imersão talvez fosse só conceito e só teoria se a principal tática de Corbacho não fosse os acontecimentos organizados pelo corpo sonoro que não oferece saídas. Alguns sons são tão objetivamente bonitos que Max teve que trabalhar “ao contrário”; ou seja, descobrir maneiras de uns não se digladiarem com os outros, mas coexistirem em movimentos constantes e lentos de atração-repulsão.
Não há um estado permanente e por isso as passagens caracterizam um evento; é, sobretudo, um acontecimento! Um deslumbramento! O irônico é como estamos em um jogo de opostos, pois não há saída em “Splendid Labyrinths”, e estamos deslumbrados com algo que efetivamente não proporciona um fim.
Esse disco é, sobretudo, reflexo de uma dúvida constante. Mas Corbacho não se lamenta por sua indecisão; ele caracteriza suas angústias com desdobramentos sonoros que apelam pra sons eletrônicos, microfonia e outras técnicas pra revelar sua matéria-prima principal; o aprisionamento no incerto.
Por tanta incerteza, que os movimentos de transe organizam a ideia de caos em espaços vazios e desregulados. É desse encontro entre a falta de uma necessidade (sentido) e a urgência por expressão que os labirintos são criados. Pode-se dimensionar toda a vida e exuberância desses sons rivalizando com os obstáculos que Corbacho cria; é que em seu mundo claustrofóbico até a prisão merece ser descrita com esmero. Ele está preso pelas suas incertezas, mas elas com certeza não o limitam e provavelmente é o oposto! É entre o mórbido (a representação de um mundo morto, sem possibilidades) e o fascínio com essa ausência que temos os trechos mais representativos de “Splendid Labyrinths”.
Ouça na íntegra:
Sob um domínio de sons que, de algum modo, parecem íntimos, que podemos digerir coisas tão pesadas e essenciais, em que o ambiente equaciona e sem dualismos simples cria imposições tão fortes e ambivalentes – tudo é denso e passageiro. Todos os sons que saem desse disco têm um potencial, eles não só resgatam o ouvinte de uma passividade pra atirá-lo em uma espiral decididamente confusa e nebulosa em que podemos atravessar sensações muito além de um abstracionismo teórico. É como se o terrível se potencializasse tanto que todas suas continuações fascinassem pelo aspecto enigmático.
A obcecação de Max reside em explorar lugares conhecidos cada vez sob uma nova perspectiva. Como se a própria vida fosse elaborada de breves retornos e cada um destes exigissem novas abordagens e novos enfrentamentos. Pra Corbacho, é impossível atravessar o mesmo lugar da mesma maneira. A dissolução de elementos orquestrais em uma “sinfonia” etérea, os layers que amplificam a sombra desses instrumentos – se Max cria um reino fantástico pra respostas impossíveis e saídas inexistentes, deve isso a um imenso apuro e paciência em que se baseiam suas longas projeções oníricas.
Durante toda a audição do álbum, pode-se correlacionar tanto os elementos sonoros das músicas quanto as referências aos títulos, pois “Splendid Labyrinths” é o desdobramento dos cantos mais sinuosos pra atravessar e, ao mesmo tempo, estabelece uma relação de repeito gigantesco por essas localizações. Max não quer apenas iluminar o que está escondido, mas almeja também representar sua dúvida perante o submerso; é, então, uma perseguição impossível ao que não pode ser revelado.
Não há término nas canções desse álbum e nem poderia existir; cada música é uma justaposição dos elementos sonoros anteriores e elas basicamente reverberam no mesmo timbre e no mesmo ambiente onírico – elas não iludem o ouvinte com falsa realidade, elas alteram o ouvinte com diferentes perspectivas do “real”. É um mundo demasiado vivo e confuso.
Isso não é música ambiente pra “relaxar”, as possibilidades criadas pro Corbacho exigem enfrentamentos, atravessamento; é como uma semente que só pode brotar de quem habita a dúvida e o incerto. É um campo de tensão em que tudo se contorce e tudo volta. As paisagens sonoras criadas por Max reconhecem a incapacidade de uma perfeição, enquanto trabalham pra uma produção imagética sempre viva e fluída, todas as representações em “Splendid Labyrinths” transpiram perguntas, é um álbum denso que aprisiona o ouvinte em suas movimentações.
A aptidão de Max sempre foi indubitável. Mas a partir de 2012, com “The Ocean Inside”, ele tem mirado em construções que desafiam envolvimentos unilaterais, com sons verdadeiramente bonitos que mantém uma áurea de mistério e incompreensão.
1. The Flowing Path
2. Towards The Center
3. Earth Womb
4. Wave Of Reflection
5. Wonderheart
6. Shaping The Endless
NOTA: 7,5
Lançamento: 15 de maio de 2015
Duração: 73 minutos e 28 segundos
Selo: Independente
Produção: Max Corbacho