UMA QUESTÃO DE ESCOLHA
Ninguém sabe o que vai acontecer amanhã – ou daqui a um minuto. Pra muitos é desesperadora essa incerteza, pra outros é a graça da vida. Como em “Match Point”, de Woody Allen, onde se v6e a bola batendo na fita da rede de tênis e por um instante não se sabe de qual lado ela vai cair, a agonia do que um fato qualquer pode desencadear faz as pessoas viverem o máximo possível dentro de seu mundo de segurança, da sua eleita racionalidade.
A vida, então, passa sem que a gente se dê conta de que entre aqueles poucos dias que realmente ficam registrados na memória, há a maioria dos dias da nossa existência, aqueles que a gente nem se dá conta do que aconteceu ou do que fizemos. Mas nesses dias, esquecidos dias, estão os gatilhos gerados por alguma tomada de decisão inocente, levados a seguir o princípio da teoria do caos em que toda ação, em onda, cria muitas ações e reações até que a gente se veja diante de decisões realmente importantes pras nossas vidas, criando, enfim, os tais dias que ficarão na memória.
Há quem arrisque, quem saia da zona de conforto, que desconheça o medo do erro e do desmoronamento. A vida pode se abrir em novas perspectivas, horizontes e isso deveria ser o grande norte pras pessoas. O novo, o desconhecido. Como se reinventar? Poucos tentam e, é certo, não dá pra exigir de todos tal tentativa. O medo de se estrepar determina por antecipação o insucesso da empreitada.
Não pra todos. Talvez haja muita na naturalidade na escolha do Mogwai pelo caminho apresentado em “Rave Tapes”, seu oitavo disco de estúdio. Talvez não. Talvez tenha sido pensado. Não dá pra saber com precisão. Em algum momento entre o disco anterior, o bom “Hardcore Will Never Die, But You Will”, de 2011, e as ideias embrionárias desse novo trabalho, a banda resolveu peitar o medo de errar.
Mesmo que as canções tenham surgido como ideias bem antes, elas se realizaram aqui. É em “Rave Tapes” que o Mogwai deu uma mexida no porto-seguro dos fãs, acostumados aos picos de esporro e aos baixos de calmaria. O disco tem isso, claro, nem precisou de rupturas tão acintosas. Mas o disco tem elementos eletrônicos bem mais contundentes, e isso é uma boa novidade. Causa estranheza, mas é uma boa novidade.
Não à toa, uma das primeiras músicas de trabalho, “The Lord iI Out Of Control”, soa como fosse um trabalho novo do Air (sim, a dupla francesa), e um trabalho bom. Stuart Braithwaite e companhia estariam passando algum recado?
Não, eles são mais diretos em “Repelish”, que se não é a melhor do disco, é ao menos a que resume o momento, num papo sobre Satanás, sobre tocar músicas ao contrário e tals (aquele papo satanista dos escoceses): “You’ve heard of group after group who worship his singing, for Satan, they know He is real. God tells us He’s not willing that any should perish, and that includes Mick jagger and Alice Cooper, and all of the rock singers. Because they have a choice to make. What about you? What do you choose?”.
Todo mundo tem que fazer suas escolhas. O Mogwai fez a dele. Em “Rave Tapes”, a banda agrada a antigos fãs, mas também mostra que escolheu aprimorar sua linguagem, ao invés de ficar no cômodo apreço dos aficionados de post-rock (se é que se vêem assim). O começo com “Heard About You Last Night” é ótimo, tem os signos de identificação, mas logo surge o contraponto, com “Simon Ferocious” e suas distorções eletrônicas, reforçada, na sequência, pela ótima “Remurdered”.
Ouça “Remurdered”:
Os neófitos talvez possam curtir mais, entretanto é inegável que paralelamente pode causar má impressão (ou desinteresse) em quem não quer mais se surpreender e defende uma linha reta criativa. Mas até pra esses, “Rave Tapes” revela-se um bom disco. O que pesa a favor dos que desejavam do Mogwai um caminho mais “conservador” é que “Rave Tapes” pode ser a bola batendo na fita da rede de “Match Point”: daqui pra frente ou a banda percebe que deve seguir o caminho de sempre ou algum Mogwai mais arrebatador pode surgir daqui.
Qualquer que seja o resultado, chegar a essa incerteza foi uma decisão tomada, e só se muda o destino assim. Por isso que de qualquer forma, “Rave Tapes” é como um daqueles dias que não vamos esquecer.
Vídeo oficial de “The Lord is Out of Control”:
Como curiosidade, ouça “Repelish” ao contrário:
NOTA: 8,0
Lançamento: 20 de janeiro de 2014
Duração: 48 minutos e 55 segundos
Selo: Rock Action
Produção: Paul Savage
Olá, gostei do teu review. Segue o que acabei de fazer http://jooqebox.ghost.io/review-mogwai-rave-tapes/
Mogwai é Mogwai. Sempre se reinventando, seria se atualizando? Mas sempre do CAR@#%$!
Excelente disco! Mais um pra coleção deles.