“Já viram alguém morrer ao vivo?”. A pergunta de fechar a garganta foi feita por uma menina brasileira que transmitiu seu suicídio ao vivo pelo Instagram, em 2017. É improvável que o Mudhoney tenha ficado sabendo deste caso, mas pra fazer seu “Digital Garbage”, um manual de atrocidades no esgoto da vida digital (conheça mais aqui), a banda tinha um farto cardápio no próprio país. Os Esteites são o local onde a piração é mais efusiva.
O vídeo de “Kill Yourself Live” brinca com um Jesus que faz de tudo pra aparecer legal diante das câmeras durante sua crucificação. Mas o assunto obviamente é mais sério do que uma metáfora bem-humorada. Os jovens estão matando os outros e se mantando por vários motivos, que acabam resumidos num só: a exigência de atenção.
A molecada está enfrentando a depressão com violência desmedida contra si ou contra quem acredita ser o opressor. Uma chacina em igreja, na escola, numa boate LGBT, tudo bem documentado pelas lentes dos celulares e transmitidos pra quem quiser se inspirar. Os casos estão tão comuns que causam espanto cada vez menor. Daqui a pouco serão bocejos e pra se sobressair a violência tende a aumentar.
A culpa não é das redes sociais. Não é do “mundo digital”. É da sociedade apodrecida e mal educada. É das cobranças ridículas às quais nos deparamos, principalmente quando jovens, e que geram adultos falidos moral e socialmente. O Mudhoney, que sempre foi irônico e expôs o ridículo do mundo, encontra nessa seara um material tão rico e estupendo que a banda nem parece fazer força pra desenvolver o disco.
Os fariseus do século vinte e um (hipócritas condenados por Jesus), os neandertais, o lamento do Messias, a próxima extinção em massa, o senhor atirador, o Mudhoney leva ao altar a discussão como se o mundo digital fosse sagrado e estivesse acima do bem e do mal, uma atualização do que acredita-se ser o Paraíso.
Ao fundo, Mark Arm (vocal), Steve Turner (guitarra), Guy Maddison (baixo) e Dan Peters (bateria) desenham uma trilha sonora tão pesada e suja e displicente quanto acessível pra compreensão de todos. “Messiah’s Lament” é um Stooges atualizado e bem leve, por exemplo, enquanto “21st Century Pharisees” e “Hey Neanderfuck” descem aos anos setenta, com rifes esmigalhados e empoeirados. É, como se vê, exatamente o que se espera do Mudhoney, sem frescuras.
(pra ouvir o disco na íntegra, vá aqui)
A banda dificilmente faz um disco ruim ou que não seja divertido. Então, se o conteúdo fosse sobre as falhas sísmicas de San Andreas, ou sobre a reprodução dos ornitorrincos neo-zelandeses, ainda assim seria um disco interessante, pra ouvir bêbado e pulando sozinho na pista, às cinco da matina. E dificilmente você vai ver Mark Arm e companhia levantando bandeiras politicamente corretas pra surfar qualquer onda. Eles não precisam e fogem disso, o que só reforça a intenção de “Digital Garbage” alertar pro rio de merda que corre pelas fibras óticas mundo afora e pra ficar esperto com os evangelistas de direita que se arvoraram na Era Trump. Por outro lado, eles jamais seriam capazes de defender a censura ou a proibição da manifestação livre. Assim, o disco é um aviso, um peralá: há outros jeitos de ser aceito, há outras maneiras de socializar, há outras formas de enfrentar a dureza do mundo.
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NOTA: 7,5
Lançamento: 19 de setembro de 2018
Duração: 34 minutos e 39 segundos
Selo: Sub Pop
Produção: Mudhoney e Johnny Sangster