RESENHA: NOAH CRESHEVSKY – REANIMATOR

Pra entender como chegamos à cultura inteiramente mediada pelo consumo e pelas imagens grotescas normalizadas em comerciais e filmes de ação, nós devemos encarar “Reanimator” como o processo de incorporação desses elementos através de uma linguagem musical radical, potencializada pela criação de Noah Creshevsky que transforma elementos inanimados e estáticos em algo sonoro, devolvendo-lhes a estranheza. Noah Creshevsky propõe uma crítica à modulação normalizada enquanto erradica os elementos dessa própria inércia pra propor uma alternativa.

A análise de Creshevsky é de que a manutenção da produção sonora limita os próprios sons, por isso a multiplicidade deve ser idealizada como forma de desdobrar a interação passiva do ouvinte. Isso é, a própria ideia de composição formal pra Noah é motivo de pastiche e de humor, assim “Reanimator” funciona como crítica direta à música padronizada, exige uma interação direta do ouvinte e também satiriza o convencionalismo composicional. Pra Creshevsky, a música acelerada é capaz de subverter seus elementos de origem e criar uma contradição ao desenrolar do disco. A música pode ser considerada como uma radicalização dos passivos instrumentos sonoros. Se qualquer coisa é música e se qualquer coisa é arremessada no modo tradicional de se fazer música, essa “coisa” perde qualquer característica de origem e chega ao ouvinte com tal plasticidade que parece que já se ouviu aquilo um milhão de vezes. Isso é, fatalmente, o horror pra toda a produção sonora de Noah. Isso não traz nenhuma desafio e nenhuma soma a quem produz e a quem ouve.

Essas características que assustam tanto o compositor são reviradas e postas à prova quando todo o desenvolvimento de “Reanimator” se inter-relaciona em pequenos pedaços sonoros que se ligam a uma unidade pela necessidade de desafiá-la.

Uma das primeiras coisas que veio a mim enquanto ouvia “Reanimator” é de que interagir com o desconhecido (ainda que formado de elementos já visitados, mas aqui a ordem dos fatores altera o produto) sugere uma constante readaptação no próprio ato de experimentar o álbum. Creshevsky se vira pro desenvolvimento musical pra evidenciar o quanto de nossa percepção está ligada ao convencionalismo produtivo.

Noah garante que qualquer conhecimento prévio é posto à prova quando revisitado através de traços divergentes: a estranheza é um meio de acesso poderoso. Como outras formas de arte radicais, é na interação com o desconhecido que o compositor garante certa indagação com o que se está ouvindo. Creshevsky acentua uma imagética distorcida por diversos movimentos opostos, definindo sons cristalinos que constroem uma audição unitária distorcida pelas nítidas intervenções anormais do compositor.

Seus exemplos de construção não podem se codificar, não podem se relacionar com uma nostalgia pré-definida e por isso garantem acessos velados, ainda que interrompidos, ainda que indefinidos. Essa recusa ao formalismo nostálgico ou autorreferente que impulsiona as peças pra uma interpretação mais vasta do ouvinte, se é que se pode chamar esses sons de passíveis duma interpretação racional. A recusa dum passado de puro consumo também é a recusa da comodificação da composição musical, deixando que o ouvinte também possa sair de rituais chatos de como e porque ouvir música.

Não é surpresa que “Reanimator” seja uma contraexemplo à maioria das coisas que ouvimos hoje: porque sua suposta seriedade é totalmente perdida quando se tenta referenciá-lo e encaixá-lo em qualquer contexto histórico. Através da discordância nítida com os métodos de criação que é possível o rompimento não como algo charmoso em si, mas pra destituir o modo passivo que os criadores e consumidores têm se comportado.

Pra entender como chegamos aqui, é necessário jamais excluir a capacidade de achar algo estranho e interagir com a estranheza sem predileções em troca. A proposta de Noah Creshvsky é de que a música pode espelhar o mundo não através das obviedades, mas através de uma reformulação constante que nunca se fixa propriamente em um conceito rígido. A análise de Creshvsky é uma recusa à automatização e que, através dessa negação, a música pode ser recebida como uma elemento surpreendente, instigando ouvintes, criadores e críticos. “Reanimator” faz jus a seu nome à medida que se apropria de fiapos de experiências, satirizando-as também, pra reconduzir o ouvinte a acessos impossíveis. Pra Creshvsky, a música tem sempre de subverter a imagem formada pelo criador e também cooptar os sons escondidos atrás da padronização cultural. Mas, veja bem, isso não significa, em medida alguma, abandonar os sons do mundo. Talvez seja através de um processo em que destruição e criação ficam indefinidos que seja possível narrar os sons de onde se vive.

1. Strategic Defense Initiative
2. Tomomi Adachi Précis
3. Lisa Barnard Redux
4. Belle De Jour
5. Born Again
6. Jacob’s Ladder

NOTA: 9,0
Lançamento: 2 de fevereiro de 2018
Duração: 39 minutos e 22 segundos
Selo: Orange Milk Records
Produção: Noah Creshevsky

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