“Essas são as canções de uma pessoa cansada, confusa e desiludida. Comecei a fazer música em 2008 e, naquela época, me sentia irado, confuso e iludido. As ilusões se foram e eu perdi a raiva. Têm sido cansaço, confusão e desilusão os motores dos meus últimos trabalhos”, escreve Matheus Borges, o Nosso Querido Figueiredo, na apresentação do seu “Os Melhores Anos Das Nossas Vidas”, lançado em 14 de março de 2019 e sucessor de “Juventude”, de 2017 (leia e ouça aqui).
Talvez não seja só Borges o cansado, confuso e desiludido. Os brasileiros, em geral, estão bem de saco cheio. Os críticos estão cansados. O futebol brasileiro tá cansado. O jornalismo anda modorrento. O mercado musical é uma confusão e desilusão só. A vida não dá trégua. Nada dá trégua. Enquanto a maioria tenta sobreviver, Borges se agarra na sua arte e na ironia pra seguir em frente.
“Os Melhores Anos Das Nossas Vidas” não foram nada bons, pelo menos não de 2013 pra cá, e só piora, sem nenhuma perspectiva boa. Por que, então, ainda soar otimista como, mesmo (talvez) involuntariamente, Borges soa aqui, com mais esta produção? Provavelmente, porque se tem uma coisa que não podemos fazer é desistir. (Note: “soar otimista”, nesse caso, atenta-se ao fato de o artista continua produzindo, apesar da alegada frustração, pois criar se coloca como seu melhor escape – porque esta sua criação não é nada otimista).
Embora a sonoridade siga simples, baseada em teclas, bateria eletrônica e um vocal arrastado, como em “Juventude”, “Os Melhores Anos Das Nossas Vidas” é oitentista com um traço mais soturno, algo flutuando entre o Section 25 e o Dead Can Dance (especialmente “Segurança” e “Arde”). “Era Tão Lindo” mergulha na experimentação, dissolvendo a canção em espectros não identificáveis. “Enquanto Você Dormia” fecha o disco como se não houvesse mesmo esperança.
As letras de Borges continuam um ponto alto, ácidas, irônicas e precisas em descrever uma sociedade em degradação e hipócrita, sem utilizar versos violentos.
Política ou socialmente, o Nosso Querido Figueiredo segue interessante, embora “Os Melhores Anos Das Nossas Vidas” necessite de muito mais atenção e digestão. Não é um disco fácil, nem assobiável, nem dançável. É um trabalho pra se arrastar nas bordas da solidão, afastado de qualquer contato social. Um disco pra quem quer um afastamento, não ser mais contaminado pelo lamaçal que nos atinge após a “Juventude”, tempos felizes e esperançosos. Os anos que vêm a partir daí são de realidade dura e crua. Lutar pra que sejam bons é um esforço que valer a pena. Mas, de vez em quando, se isolar dá o fôlego pra continuar tentando – e, vale repetir, o fato de continuar tentando já vem carregado de otimismo.
(clique aqui pra escutar o disco na íntegra)
—
NOTA: 6,5
Lançamento: 14 de março de 2019
Duração: 45 minutos e 50 segundos
Selo: Independente
Produção: Matheus Borges
Gostei dessa
bela resenha e acredito que isso é o que está acontecendo atualmente, em geral sobre os fatos que estão realmente cansados de ver as mesmices que lançam por ae no Brasil e lá fora pelo Mundo.