RESENHA: PASSO TORTO & NÁ OZZETTI – THIAGO FRANÇA

O que é uma música sem forma? É possível sequer raciocinar uma produção sem forma? Mas tudo é liquido; tudo surge e se dissolve. Nada pode ficar estancado e “Thiago França” é um movimento ofensivo, e todas as tensões do disco (e acreditem, são muitas!) caminham “ao contrário”.

O que o Passo Torto e a Ná Ozzeti fazem é o registro de instantes que quase sempre escapam – a microfonia da guitarra e os murmúrios, os desencontros entre a sonoridade dos instrumentos. Esse disco é a tentativa de expressar o que é impossível de ser capturado.

A visão musical dos envolvidos pode ser considerada mais abrangente, ou simplesmente devastadora de fórmulas. A impressão é que assim que qualquer instrumento sentir vontade, ele vai entrar na música sem mais delongas. Por isso “Thiago França” é uma espécie de negação e podemos aplicá-la a quase todos os esquemas de composição de música contemporânea. Há melodia, há instrumentos – mas os fins tradicionais (clímax, refrão, “mensagem”) são rejeitados em função do que é mais urgente.

É por imagens, então, que podemos nos guiar por “Thiago França”; a banda nos deixa à vontade pra aplicarmos nossa interpretação. Vai além da música, portanto, é um receptor de subjetividades – é como o título, em alusão ao saxofonista que todos acham que faz parte do grupo e não faz (o Passo Torto é Kiko Dinucci, Rodrigo Campos, Rômulo Fróes e Marcelo Cabral), ou, como o grupo mesmo diz, é pra manter “a tradição de confundir pra esclarecer”.

Esse ambiente do qual as imagens são retratadas por música é de um grande centro urbano escurecido – cheiro de domingo, cheiro de nostalgia e sem nenhuma emoção. As frestas indicadas pela banda são os instantes calmos que guardam o desassossego. A saudade de outros tempos mais bonitos, mais simples. Tudo isso em evocações da cidade (provavelmente São Paulo) de elementos inanimados (como o azulejo) que representam o esquecimento, suas bordas corroídas que sinalizam o desgaste.

O mecanismo de “Thiago França” se alimenta de um movimento contínuo de iluminação; o espaço que a música cria e destrói e reconstrói alterna frequentemente (a troca brusca entre a melodia versada e a cantarolada) de fotografias. A banda não está preocupada em registrar os momentos; mas exorcizar todos os demônios destes. A tarde escurecida cabe dentro de um cinzeiro porque o mundo criado pelo Passo Torto e Ná Ozzetti extrapola medidas tradicionais. As frases podem parecer soltas, mas na verdade são desassossegadas. Elas não cabem em si mesmas porque necessitam dos recortes musicais. É assim mesmo, sem pensar, imagens intercaladas que são construídas pela conexão urgente entre palavras e instrumentos.

A voz de Ná Ozzetti esculpe um plano, à primeira vista, confuso quando equilibrada com os acordes do Passo Torto. Mas esse desequilíbrio é apenas aparente. Fiquemos tranquilos, a música brasileira – em toda sua abrangência – está ainda desbravando novos caminhos, descobrindo novas saídas.

Ouça na íntegra (pra baixar, é só ir ao site do grupo):

01. Cipó
02. Perder Essa Mulher
03. Beth
04. Onde É Que Tem?
05. Este Homem
06. Homem Comum
07. Palavra Perdida
08. O Cinema É Melhor
09. Bloco Torto
10. O Cadáver

NOTA: 7,5
Lançamento: 21 de julho de 2015
Duração: 30 minutos e 45 segundos
Selo: YBMusic
Produção: Passo Torto e Ná Ozzetti

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