RESENHA: PRESSÁGIO – NOVO SÍTIO

“A qualidade caiu bastante, mas também acho que a culpa não é da gente, porque de repente eu me flagro assobiando músicas que normalmente eu jamais assobiaria, que a campanha de massificação é tamanha, que de repente você tá gostando de coisas que normalmente você não gostaria. E quando você ouve dizer que a crise existe por causa da falta de criatividade dos artistas brasileiros, você enlouquece. Agora, eu não tô afim de camisa de força, tá sabendo? E não é por falta de esforço da gente, de boa vontade da gente e de boa vontade das pessoas é que… tá confuso mesmo! Não, ninguém faz nada certo em hora errada… a hora tá errada! Eu acho que aquele anti-cristo, 666, o cavaleiro do ‘apóscalipso’ tá solto. É mais uma via pra gente poder escoar a loucura da gente, porque senão fica tudo, sabe, aquela loucura via Embratel, padronizada, que nem ervilha em lata, entendeu?, só muda a marca. Não é legal. Loucura é loucura, sabe? E é fundamental. Diz que a perfeição é uma meta. E eu tava à cata dela. Continuo à cata. Não sei se eu vou chegar lá algum dia, mas… eu queria morrer sendo eu”.

Eu ia falar pra você pular logo pros dez minutos e trinta e sete segundos dessa beat tape do Presságio, em “Diz Elis”, porque Elis Regina diz tudo em menos de dois minutos, com um dedilhado por trás, numa entrevista colada pra lá de sincera e definitiva. Mas até chegar a esse ponto da fita, o Presságio ainda oferece outras boas colagens, outras boas batidas.

A amargura das ruas captada pelo Presságio (que em 2017 colocou “Inefável” no mundo) é a amargura das pessoas mas é mais a amargura do artista. Ninguém se adapta mais ao sistema, porque a hora é que tá errada, não somos de agora.

Mas a gente precisa ecoar nossa loucura, e a loucura tem que ser diferente senão deixa de ser loucura e passa a ser padrão, ervilha em lata, momento de massa, o diferentão-que-é-igual (tipo hipster em show descolado, tipo metaleiro de preto). Tem que deixar a loucura fluir. E loucura não pode ser só os noises pautados no jazz livre ou nas guitarras tortas e gritos abençoados. Essas loucuras também valem, claro, mas há outras loucuras. A da Elis, a minha, a sua, a do Presságio.

A do Presságio é essa: colar partes de um todo em um novo todo. A sua música, numa batida suave, numa levada tranquilizante, um chillout-samba-rock (maus pela etiqueta forçada), como em “Melindre” e na exuberante montagem de “Clara Evidência”, evidencia tempos confusos, com tudo disponível e tupo reaproveitável. Bom, a música pop, em qualquer estilo, sempre fez isso, novidade nenhuma, mas, oras, não é disso que se trata?

A entrevista de Elis que o Presságio usa de colagem é a última da vida dela. Foi ao ar em 5 de janeiro de 1982, no programa “Jogo Da Verdade”, da TV Cultura (assista aqui na íntegra). Exatamente duas semanas depois, aos trinta e sete anos, ela seria encontrada morta em seu apartamento em São Paulo. As canções-colagens do Presságio também são como “interminadas”, pedaços de canções, pedaços de vidas que prometem muito mais e acabam abruptamente se esvaindo sem entregar o prometido e criando um vazio.

Estamos reciclando vidas, momentos, melodias. Entretanto, isso não precisa ser especialmente ruim. Pode ser contrário: com uma certa manipulação, loucura e aprendizado, pode-se encarar de frente, com tropeços, recolhendo os cacos e nos transformando em algo totalmente novo. A loucura é fundamental e não precisa ser padronizada.

01. Viver Só
02. Fim De Rolê Feliz
03. Passeio
04. Melindre
05. Clara Evidência
06. Diz Elis
07. Floresta Incolor (com Guilherme Paz)
08. VII
09. Sauda
10. 133/0,73
11. Orum
12. UUU
14. Como Não Seria Esse Beat TRISTE (com TTK)
15. Caminhar

NOTA: 8,0
Lançamento: 20 de março de 2018
Duração: 27 minutos e 02 segundos
Selo: Independente
Produção: Presságio

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Comentários

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3 comentários

  1. Fui ouvir e é maneiraço também. Pô, difícil achar informação dos malandros, cara. Nem no facebook achei. Acabei encontrando uma coisa ou outra na página do coletivo deles:

    https://web.facebook.com/CarrancaSistemadeSom

    Doido pensar nisso. Num tempo de tanta produção e acesso a informação, eu sinto cada vez mais dificuldade em encontrar informações básicas sobre determinados artistas agora que tudo é produzido dentro do facebook.

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